Após meses de incerteza política e económica na sequência da demissão de António Costa, março foi um ponto de viragem: Portugal elegeu um novo executivo e recebeu a notícia de que se tinha atingido, em 2023, o maior excedente orçamental da história da democracia. Os 3.2 mil milhões de euros, que correspondem a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), ultrapassaram as expectativas iniciais do governo de um défice de 0,9%, e constituem uma notável recuperação face ao défice de 0,3% registado em 2022.
Este cenário resulta do culminar de uma série de revisões orçamentais favoráveis ao longo do ano e do reflexo da dinâmica positiva da economia portuguesa, para o qual contribuiu significativamente o crescimento económico apoiado na inflação, com um aumento dos rendimentos e, consequentemente, das receitas fiscais. Além disso, a estabilidade na taxa de desemprego ajudou a conter as despesas com apoios sociais. Ao mesmo tempo, o excedente pode ser parcialmente explicado pelo da Segurança Social, mas também pela recuperação pós-pandémica.
Perante este panorama, as opiniões sobre a melhor forma de utilizar o excedente orçamental inesperado são variadas. No entanto, ganha especial relevância trazer ao debate público as opções que o governo de Luís Montenegro tem ao seu dispor até m aprovação do Orçamento de Estado para 2025.
Vários analistas financeiros e políticos têm debatido se o excedente deve ser utilizado para reduzir a dívida pública, financiar despesas correntes, ou ser direcionado para investimentos em áreas críticas, tais como a saúde e habitação. Apesar da tentação de usar os fundos extras para propósitos imediatos, os especialistas alertam para a necessidade de uma gestão fiscal prudente, tendo em vista a sustentabilidade a longo prazo e as obrigações futuras. É necessária cautela e responsabilidade social na gestão dos “cofres cheios”, bem como entender que receitas extraordinárias, como o caso do IVA, não devem fundamentar despesas estruturais expansivas.
A incerteza sobre a sustentabilidade do crescimento económico funciona como advertência contra o uso precipitado do excedente. Os especialistas sublinham que as medidas de crescimento da despesa corrente, assumidas pelo anterior executivo – relativas ms carreiras da Função Pública e aos aumentos dos pensionistas -, ainda não se refletiram totalmente em termos orçamentais em 2023. Assim, o Orçamento do Estado para este ano, prevendo um excedente muito menor que 0,2%, já contempla novas obrigações e limita, assim, a margem para iniciativas adicionais.
Apesar do cenário fiscal positivo, o novo governo deverá manter a ponderação e quantificar o impacto das promessas eleitorais na despesa pública, nomeadamente as verbas a alocar após eventuais concessões aos professores ou forças policiais. Assumindo que, em período de campanha eleitoral, os cenários macroeconómicos estimados pelos partidos tendem a subestimar o impacto das despesas prometidas, importa agora fazer uma avaliação rigorosa antes de comprometer os recursos existentes.
O excedente orçamental apresenta uma oportunidade para Portugal fortalecer as suas finanças públicas e investir no futuro, mas a gestão desses recursos requer uma abordagem equilibrada, que reconheça tanto as oportunidades, quanto os desafios futuros. A decisão sobre como o utilizar implicará considerações não só económicas, mas também políticas. Desta decisão depende a confiança dos mercados financeiros e a estabilidade do país. Assim, o novo governo enfrenta a tarefa de equilibrar as exigências imediatas, muitas resultantes de promessas eleitorais, com os imperativos de crescimento sustentável e responsabilidade fiscal a longo prazo.
Tiago Sousa,
partner da Expense Reduction Analysts