Pedro Neves, professor da Nova SBE
Artigo incluído na edição de Março 2018
Um dos aspectos que mais atrai a minha atenção quando estou a ler os artigos de investigação mais recentes é a criatividade dos autores. Não apenas ao nível do desenho e da abordagem dos estudos, mas acima de tudo ao nível das soluções propostas para lidar com os problemas com que nos deparamos no contexto de trabalho. Recentemente, enquanto folheava (ou para ser preciso, fazia scroll down) nos últimos artigos publicados na “Leadership Quarterly” deparei-me com o seguinte título: “Righting a wrong: Retaliation on a voodoo doll symbolizing an abusive supervisor restores justice” da autoria de Lindie Liang e colaboradores. Assumo que a primeira imagem que me ocorreu foi a de um Indiana Jones no Templo Perdido a contorcer- se enquanto um rapaz ia manipulando e espicaçando um boneco de voodoo… e isso apenas aumentou a minha curiosidade para ver o que propunham os autores. Como poderão calcular, os minutos seguintes foram passados a tentar compreender como se podem utilizar bonecas de voodoo para minimizar os danos de se trabalhar com uma chefia abusiva.
Os autores basearam o seu estudo numa perspectiva funcional-social da retaliação que argumenta que esta é uma das formas que as pessoas utilizam para restabelecer o sentido de justiça e aliviar os sentimentos negativos resultantes de um tratamento injusto (neste caso comportamentos abusivos da chefia tais como ridicularizar, gritar em público ou afastar dos colegas). Ora, não é difícil compreender os efeitos nefastos dos comportamentos de retaliação tanto para a vítima como para a organização, pelo que é uma estratégia que acarreta normalmente custos elevados. Mas é também uma estratégia a que a maior parte das pessoas recorre num ou noutro momento, há inclusive estudos que mostram que a retaliação, quando frustrada, leva a uma perpetuação do sentimento de injustiça, o que pode ser ainda mais problemático. Daqui surge uma pergunta: como recolher os benefícios da retaliação (ou da fantasia da retaliação) sem ter de lidar com todos os problemas associados?
Parece que a resposta é fazer maldades a um boneco de voodoo (uma tarefa utilizada normalmente em estudos sobre agressão em casais ou pais) que funciona como um proxy da tal chefia abusiva. Ao longo de dois estudos experimentais, os autores demonstraram que as pessoas que visualizavam chefias abusivas, mas não tinham oportunidade de canalizar a sua agressão para um boneco de voodoo, sentiam maior injustiça do que todos os outros. Por outro lado, as pessoas que imaginavam chefias abusivas, mas a quem era dada a oportunidade de retaliar no boneco, apresentavam percepções de injustiça iguais aos participantes na condição de controlo. Ou seja, valores iguais a pessoas que tinham imaginado uma interacção neutra com a sua chefia ou que nem sequer tinham imaginado uma chefia, abusiva ou não.
É interessante que tenham sido os próprios autores os primeiros a afirmar que é difícil fazer recomendações práticas com base nestes resultados… de facto, não creio que se possa ganhar a vida como consultor sugerindo às empresas que forneçam bonecos de voodoo aos seus colaboradores como forma de restaurar a justiça quando uma chefia é abusiva, mesmo que esta táctica ajude a lidar com a situação. Mas aqui que ninguém nos ouve, acho que acabo de descobrir a melhor e mais útil prenda para oferecer a amigos que estejam com dificuldades em lidar com os comportamentos abusivos das suas próprias chefias.