Em 2024, o mundo enfrenta um momento crítico na abordagem das crises ambientais interligadas: alterações climáticas, perda de biodiversidade e degradação do solo. Este cenário vive em contraponto com a realização de três conferências globais, organizadas pelas Nações Unidas, que ocorrerão em rápida sucessão: a COP16 sobre Biodiversidade em Cali, Colômbia, a COP29 sobre o Clima em Baku, Azerbaijão, e a COP16 sobre Desertificação em Riade, Arábia Saudita. Esta convergência de cimeiras internacionais oferece uma oportunidade para fomentar a coordenação de ações globais, promover a coerência entre políticas setoriais e acelerar o progresso em áreas críticas para a sustentabilidade ambiental.
Este alinhamento estratégico poderá impulsionar o reforço das sinergias entre políticas de mitigação climática, conservação da biodiversidade e gestão sustentável do solo, questões estas profundamente interdependentes. A criação de uma agenda coerente nestes domínios será essencial para garantir a eficácia das respostas globais às crescentes ameaças ambientais e para promover uma ação internacional mais integrada e ambiciosa.
O contexto da “Tripla COP” e a importância da ação coordenada
O contexto da tripla COP em 2024 insere-se num quadro mais amplo de cooperação internacional estabelecido pelas “Convenções do Rio”, resultantes da Cimeira da Terra de 1992 no Rio de Janeiro, que introduziram acordos vinculativos para enfrentar três crises interligadas: alterações climáticas, perda de biodiversidade e desertificação. Cada uma destas convenções, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (“UNFCCC”), a Convenção sobre a Diversidade Biológica (“CDB”) e a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (“UNCCD”) responde a um conjunto de desafios específicos, mas a interdependência entre estas crises requer uma ação coordenada e integrada.
A degradação do solo, por exemplo, não só aumenta as emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa, contribuindo para a crise climática, como também reduz a capacidade dos ecossistemas de sequestrar carbono e de preservar a biodiversidade. Esta relação circular entre degradação ambiental e alterações climáticas sublinha a complexidade da crise ambiental global e a necessidade de políticas interligadas. A realização de três COPs num intervalo de tempo tão curto em 2024 — a COP16 sobre Biodiversidade, a COP29 sobre Clima e a COP16 sobre Desertificação — reflete a urgência de desenvolver uma estratégia global integrada que reconheça e explore estas sinergias.
Como sublinhou Ibrahim Thiaw [1], “não se pode resolver a questão da biodiversidade, do clima ou da degradação do solo de forma isolada.” Esta afirmação realça a importância de uma abordagem holística, onde a coordenação entre governos, setor privado e sociedade civil se torna essencial para superar a fragmentação de políticas e garantir uma transição verdadeiramente sustentável. As soluções que emergirem destas conferências terão de ser interdisciplinares e de longo prazo, envolvendo tanto o reforço da regulação internacional como a mobilização de investimentos do setor privado, para que os avanços num domínio não se vejam anulados por retrocessos noutro.
A Conferência sobre Clima e o papel crucial do financiamento (COP29)
Entre as três cimeiras globais a realizar-se em 2024, a COP29, dedicada às alterações climáticas e que terá lugar em Baku, Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro, será um dos momentos mais decisivos. Num contexto de crescente pressão económica, com a dívida pública global a ultrapassar os 100 biliões de dólares, será crucial garantir compromissos de financiamento climático robustos, que permitam tanto a transição energética como a adaptação às alterações climáticas, especialmente para os países em desenvolvimento.
Este encontro anual, organizado sob a égide da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (“UNFCCC”), será um ponto crítico na agenda climática global. Com os governos e o setor privado sob pressão para alinhar as suas políticas com as metas do Acordo de Paris, a COP 29 focar-se-á em temas centrais, como o financiamento climático e a operacionalização de mecanismos essenciais para mitigar os impactos climáticos e fortalecer a resiliência global.
A principal expectativa para a COP 29 será o estabelecimento de um Novo Objetivo Coletivo Quantificado (“NCQG”) para o financiamento climático, substituindo o compromisso de 100 mil milhões de dólares anuais acordado em 2009. A conferência deverá não só definir um novo montante, mas também criar mecanismos que garantam a acessibilidade dos fundos e a eficácia na sua aplicação. O setor privado será chamado a desempenhar um papel fundamental, mobilizando capital para a transição energética e o desenvolvimento de soluções sustentáveis.
Além do financiamento, a COP 29 focar-se-á na operacionalização do Fundo de Perdas e Danos, um mecanismo crucial para apoiar as nações mais vulneráveis aos impactos irreversíveis das alterações climáticas. As negociações centrar-se-ão em garantir que o fundo esteja plenamente funcional e capaz de responder às necessidades dos países em desenvolvimento, particularmente os pequenos estados insulares e as nações menos desenvolvidas.
As sinergias com a COP16 sobre Biodiversidade e a COP16 sobre Desertificação
A COP16 sobre biodiversidade, que se realiza em outubro, será a primeira após a adoção do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, que visa proteger 30% dos ecossistemas terrestres e marinhos até 2030. Esta conferência permitirá avaliar o progresso na implementação deste plano e impulsionar políticas nacionais mais ambiciosas para a conservação dos ecossistemas. A biodiversidade e o clima estão profundamente interligados, a preservação de florestas, por exemplo, é essencial para o sequestro de carbono e a regulação climática.
Após a COP 29, a COP16 sobre desertificação, em Riade, abordará a degradação do solo e os impactos da desertificação. Esta conferência será particularmente relevante para regiões áridas, como o Médio Oriente e o Norte de África, onde a escassez de água e a degradação das terras são desafios urgentes. A COP16 será uma oportunidade para aumentar a ambição global em torno da resiliência ao impacto das secas e da gestão sustentável da terra, áreas que têm um impacto direto na mitigação das alterações climáticas e na conservação da biodiversidade.
Embora as COPs tenham historicamente funcionado como plataformas isoladas para tratar de questões específicas, a “tripla COP” de 2024 sublinha a importância de uma abordagem integrada. O desafio reside na execução: sem uma coordenação eficaz entre as políticas climáticas, de biodiversidade e de uso da terra, os progressos feitos numa área podem ser anulados por retrocessos noutra. Como observou Ibrahim Thiaw, “é importante ter uma visão holística, para que não se destrua com uma mão o que se constrói com a outra”.
O setor privado será essencial nesta transição, mas, como alertou Sumant Sinha, CEO da ReNew, muitas empresas ainda estão mais focadas no clima do que nas questões relacionadas com a biodiversidade ou a desertificação. No entanto, as empresas terão de adaptar as suas operações e alinhar os seus investimentos com objetivos ambientais mais amplos, como a gestão sustentável dos recursos naturais e a redução da pegada ecológica.
O futuro da ação climática e ambiental
As triplas COPs de 2024 oferecem uma oportunidade única para alinhar as ações globais em torno da mitigação das alterações climáticas, da proteção da biodiversidade e da gestão sustentável dos solos.
No entanto, o sucesso destas cimeiras dependerá da capacidade dos líderes globais de criar políticas coerentes e integradas que promovam uma transição justa e eficaz para um futuro mais sustentável. À medida que o mundo se aproxima do prazo de 2030 para alcançar metas críticas, como a limitação do aquecimento global a 1,5°C, é essencial que as decisões tomadas em Baku e nas outras conferências de 2024 definam o caminho para uma cooperação global mais eficaz e duradoura.
[1] Under-Secretary-General and Executive Secretary of the United Nations Convention to Combat Desertification (UNCCD)
João Maria Botelho,
Global Shaper (World Economic Forum) / Forbes under 30 em Sustentabilidade em Inovação Social