Professor na Nova SBE
Artigo incluído na edição de Dezembro 2018
Cardon e colegas, num artigo publicado no Journal of Business Venturing, definem paixão como um sentimento positivo e intenso que é experienciado durante o envolvimento em actividades empreendedoras que são vistas como importantes e salientes pelo próprio empreendedor.
Tem um efeito motivacional que ajuda não apenas a ultrapassar obstáculos, mas também a manter níveis elevados de envolvimento. É uma experiência profundamente subjectiva, vinculada ao processo de desenvolvimento da identidade enquanto empreendedor, ou seja, centra-se no que é importante e significativo para ‘mim’ em particular. Posto de forma simples: mais paixão, melhor empreendedorismo. Porém, as coisas não são fáceis no reino da paixão. Há pelo menos duas questões a ter em conta. A primeira foi levantada por Daniel McGinn num artigo da Harvard Business Review, e que salienta que ao mesmo tempo que o ecossistema pede paixão ao empreendedor, pede-lhe também que esteja preparado para mudar num esforço de ajustamento ao mercado e para que a sua empresa possa ter sucesso.
Ou seja, seja apaixonado, mas desapegado o suficiente para mudar o que for preciso. Este é o primeiro paradoxo que o empreendedor tem de gerir: o que pode e deve ser mudado e o que deve permanecer igual pois é o ADN da sua paixão. A segunda questão surge da própria literatura da paixão. Sabemos que os empreendedores apaixonados pelo seu projecto dedicam-lhe mais horas, estão mais dispostos a fazer sacrifícios e vivem-no como se da sua própria vida se tratasse. No entanto, a dedicação pode ter efeitos negativos. Foi Robert Vallerand, professor da Universidade do Quebec, quem introduziu o modelo dualístico da paixão pouco depois da viragem do século. Este modelo apresenta-nos duas versões da paixão, uma positiva e harmoniosa, outra negativa e obsessiva.
A paixão harmoniosa resulta da aceitação livre da importância que a actividade tem para a pessoa, sem contingências associadas; a paixão obsessiva resulta de uma pressão auto-induzida devido às contingências associadas, sejam elas a aceitação social ou a manutenção da auto-estima. Os estudos conduzidos nos mais diversos contextos, desde o desportivo ao laboral, com as mais diversas profissões, desde bailarinas a voluntários, todos demonstram o mesmo: a paixão harmoniosa leva a melhor saúde e desempenho a longo prazo, ao passo que a paixão obsessiva se traduz em mais stress, mais obstinação e até mesmo mais lesões. Este é o segundo paradoxo que o empreendedor tem de gerir: como estar apaixonado, mas sem se deixar controlar e desenvolver uma relação obsessiva com a sua start-up.
Agora já sabe o que precisa de fazer se for criar a sua própria empresa: é ser apaixonado, mas ágil, dedicado mas harmonioso. Quase parece fácil. Mas se a vida de um empreendedor é tão fácil quanto parece, provavelmente o tema não andava há tantos anos em cima da mesa nem andaria tanta gente pela Web Summit.