Pedro Neves, professor na Nova SBE
Artigo incluído na edição de Maio 2018
Calculo que já se tenha encontrado numa discussão sobre um qualquer tema complexo onde uma das pessoas envolvidas, que regra geral tem a agravante de não ser especialista na área, continuamente argumenta que não compreende a necessidade de tanta conversa visto o problema ser de fácil resolução. E imagino o seu espanto quando a sua chamada de atenção para a complexidade do problema é recebida com um encolher de ombros e uma qualquer versão da frase “não creio que seja assim tão complicado”, característica do excesso de confiança.
Quando sou confrontado com uma situação como a que acabo de descrever, encontro-me muitas vezes a colocar a questão que tão bem reflecte o paradoxo central deste puzzle: como é que alguém com um conhecimento tão limitado sobre determinado assunto pode ter tantas certezas. Por isso fiquei entusiasmado quando me deparei com um artigo publicado há algumas semanas na Harvard Business Review digital pela Carmen Sanchez e David Dunning intitulado: “Learning a little about something makes us overconfident”.
Os autores do artigo revisitam alguns estudos que mostram como pessoas com um certo grau de conhecimento (mas não muito) sobre um determinado tema tendem a sobrevalorizar a sua experiência e conhecimento, criando uma ‘bolha de excesso de confiança’. Os exemplos incluem cirurgiões que colocam parafusos na coluna com assistência robótica e que atingem um pico de erros entre a sua 16.ª e 20.ª cirurgia (percentagem muito superior aos erros cometidos, quer nas primeiras cinco cirurgias quer a partir da 20.ª) e pilotos de avião cuja taxa de acidentes tende a subir até às 800 horas de voo (e a partir das quais volta a baixar significativamente). Apesar desta evidência, os autores quiseram testar estes efeitos no ambiente controlado de um laboratório onde é possível manipular a experiência de uma pessoa numa tarefa completamente nova para si (este aspecto é importante pois é o que permite controlar os efeitos de aprendizagens ou experiências prévias). E de que contexto novo se lembraram os autores? De um apocalipse zombie.
Neste cenário apocalíptico e ao longo de 60 ensaios, o participante tinha a função de fazer a triagem de pessoas com sintomas que poderiam (ou não) ser da infecção zombie. De acordo com o desenho do estudo, os participantes só iam aprendendo quais os sintomas relevantes à medida que tinham mais experiência (pois cada caso tinha uma combinação de sintomas que apesar de informativos, eram por vezes enganadores), limitando o diagnóstico médico na vida real. Este estudo mostrava que, tal como esperado, os participantes melhoravam o seu desempenho à medida que tinham mais experiência. No entanto, e tal como nos outros estudos, ao fim de menos de 10 ensaios começavam rapidamente a sobrestimar a sua precisão no diagnóstico.
Este excesso de confiança parece dever-se ao facto de as pessoas começarem rapidamente a desenvolver ideias fixas sobre como proceder, mesmo com quantidades ínfimas de dados. E aparentemente, a única forma de contrariar esta tendência é ter consciência desta ratoeira, aprender com a experiência e implementar mecanismos que forcem a procura de mais informação e o aparecimento de vozes dissonantes. No fundo, é seguir a regra do 10.º homem e que adiou a queda de Jerusalém precisamente num filme sobre um apocalipse zombie: quando a evidência sobre um problema parece facilmente apontar num determinado sentido, devemos parar, reflectir e fazer de advogado do diabo. Caso contrário, os zombies ganham.