Apesar da necessidade de lutar contra as alterações climáticas exigir mudanças substanciais nos métodos de produção industriais, o facto é que, em grande escala, os combustíveis fósseis continuam a ser queimados ou convertidos noutros materiais para fazer de tudo, desde arranha-céus a ecrãs de telefones.
No entanto, os cientistas e empreendedores estão a regressar aos blocos de construção mais antigos da natureza para projetar um futuro mais novo e sustentável. Qual o sentido de se extrair petróleo do solo para se fazerem produtos químicos quando os micróbios podem dar origem a materiais de qualidade superior que são mais amigos do nosso planeta?
É, justamente, isso em que algumas empresas estão a apostar, recorrendo à inovação. A utilização das ferramentas da natureza para o fabrico de diferentes objetos torna essas plataformas de bioprodução inerentemente sustentáveis. A parceria com a natureza também permite que o tecido empresarial crie produtos melhores com novas propriedades, como ecrãs de telefone que se dobram sem partir, ou faça nascer objetos variados aproveitando o trabalho de micróbios que transformam resíduos em itens úteis.
A Zymergen, uma empresa que usa micróbios para desenvolver produtos inovadores, apelida esse processo de biofatura. A biofatura produz, assim, novos materiais usando microorganismos com novas instruções genéticas. “Manu”, de manufatura, não faz parte do nome porque os processos não podem ser feitos manualmente.
Sustentabilidade para a vida no século 21
“As minhas motivações pessoais, bem como a das pessoas que trabalham para a Zymergen, são tornar o mundo mais sustentável”, diz Zach Serber, cofundador e diretor de ciências da Zymergen. Para Serber, o desafio é “manter a qualidade da vida humana e da civilização ao mesmo tempo que se fornecem produtos e experiências que as pessoas procuram e são sustentáveis”.
A maioria das pessoas considera que levar uma vida sustentável significa desistir dos luxos modernos. A Zymergen está a alterar essa ideia, mostrando que é possível ter sustentabilidade e desfrutar dos produtos ao mesmo tempo. Para Serber é claro que a qualidade e a função não podem ser sacrificadas por um rótulo ecológico.
“Além da sustentabilidade, a razão pela qual muitos dos nossos clientes desejam os nossos produtos é porque eles oferecem um melhor desempenho”, diz Serber.
A maioria das pessoas considera que levar uma vida sustentável significa desistir dos luxos modernos. A Zymergen está a alterar essa ideia.
Zymergen trabalha na indústria química para criar novas biomoléculas que podem ser incorporadas em novos materiais com diferentes aplicações. A empresa possui atualmente um pipeline de 10 produtos que planeia lançar nos próximos anos.
No ano passado, a Zymergen lançou Hyaline, um dos primeiros produtos eletrónicos fermentados do mundo. Hyaline é um filme de poliamida transparente que pode ser usado em dispositivos eletrónicos e oferece resistência mecânica, clareza ótica e resistência à temperatura.
“Hyaline é transparente, incrivelmente durável e flexível. Graças à biologia, podemos criar películas melhores e renováveis”, diz Serber. “Hyaline pode ser usado como uma tela de telefone ou tablet que pode ser dobrada ou enrolada facilmente. Também pode ser um ecrã sensível ao toque com nano fios de prata incorporados”.
Zymergen está a trabalhar em películas adicionais no campo da eletrónica de consumo que também serão à base de poliamida com novas biomoléculas e propriedades diferentes.
Repelente de insetos mais seguro
Os produtos eletrónicos não são o único foco da Zymergen. A empresa também prevê lançar um repelente de insetos atóxico em 2023. Ao contrário das soluções convencionais, o novo produto não é à base de petróleo.
A vantagem do novo repelente de insetos da Zymergen é a ausência de toxicidade, o que significa que pode ser aplicado livremente. Além disso, pode ser formulado conjuntamente com outros produtos, podendo ser combinado num único frasco com um protetor solar.
O repelente pode ser incorporado em produtos como loções e cremes para a pele para que as pessoas se possam proteger dos mosquitos nas suas rotinas diárias. Isso pode ser particularmente importante para pessoas que habitam em regiões em desenvolvimento, as quais correm maior risco de doenças transmitidas por mosquitos, mas que não têm acesso suficiente a repelentes seguros ou eficazes.
Como a bioengenharia está a crescer
Zymergen é um exemplo de como a indústria de bioengenharia está a amadurecer e a rentabilizar todo o investimento em pesquisa e desenvolvimento. A crença destes especialistas é de que muitos problemas poderiam ser resolvidos recorrendo à biologia, pelo que a perspetiva é que haja muito espaço na indústria para que todos possam crescer. A lógica é que a resolução dos problemas de nicho que a Zymergen está a resolver de mão dada à biologia, como telas de telefone flexíveis e repelentes de insetos mais seguros, pode, pois, ser alargada a outras áreas.
“Esperamos que a bioeconomia seja a mudança económica mais importante do mundo no século 21″, diz Zach Serber.
Usar em escala os antigos sistemas de “manufatura da natureza” parece ser, assim, o primeiro passo para interromper e substituir a insustentabilidade da manufatura petroquímica. Todavia, escalar é um grande desafio.
“Esperamos que a bioeconomia seja a mudança económica mais importante do mundo no século 21. Mas não vai acontecer da noite para o dia, é claro, porque a capacidade de fermentação está a impedir-nos”, refere Serber que cita a Culture Biosciences para explicar que, atualmente a capacidade de fermentação no mundo é de 62 milhões de litros. “Fazer apenas carne por meio da fermentação exigiria 80 milhões de litros. Para fazer todos os produtos químicos seriam precisos 400 bilhões de litros “, diz Serber.
Apesar da Biofatura ter passado na prova de conceito, a questão que se coloca é como dar o passo seguinte para a massificação. Como é que as empresas podem chegar lá a tempo, quando o relógio da crise climática continua a avançar?
Investir em processos mais avançados de pesquisa e desenvolvimento poderá ser a chave para permitir acelerar o tempo de lançamento no mercado de produtos alternativos focados no cultivo de cultura de células, de microorganismos e à base de fermentação.
Garantir que micróbios com design biológico possam lidar com testes de alto rendimento e produção em grande escala ajuda a colocar esses materiais mais sustentáveis no mercado de forma mais rápida, sem tentativas e erros repetidos. E como os sistemas, semelhantes aos que a Zymergen utliza, são mais sustentáveis porque são construídos com biologia, o impacto ambiental do desenvolvimento do produto é muito menor.
À medida que a indústria de bioengenharia cresce, a capacidade de fermentação expandir-se-á se houver procura do consumidor e tecnologia capaz de aproveitá-la. O futuro pode ser sustentável e útil se deixarmos a biologia assumir a liderança, parece ser a lição.