A economia mundial está finalmente a ganhar tracção, mas não há razões para grandes euforias. O nível de crescimento económico ainda está longe do registado antes da crise financeira de 2008 e a taxa de inflação continua a patinar. Em 2018, a evolução do nível de preços será a chave do comportamento dos mercados e os bancos centrais serão mais uma vez os grandes protagonistas da evolução do preço dos activos financeiros que acumulam já oito anos de ganhos consecutivos
“A cura deve-se ao tempo, mas também às circunstâncias”. A citação de Hipócrates usada pela directora-geral do Fundo Monetário internacional (FMI), Christine Lagarde, no discurso realizado no passado mês de Outubro aquando da apresentação do World Economic Outlook, espelha bem a realidade económica global. Após vários anos a avançar ao estilo de um caranguejo, a maioria dos indicadores aponta agora no sentido desejado.
Em termos de crescimento económico, as previsões do FMI dizem que a economia mundial irá encerrar 2017 a crescer 3,6% e acelerar 3,7% em 2018, continuando assim a recuperação iniciada em meados de 2016, ano em que o Produto Interno Bruto (PIB) mundial registou o menor crescimento da história recente (3,2%). “Há cerca de ano e meio, a economia mundial apresentava sinais de estagnação e enorme turbulência financeira, mas o cenário é agora muito diferente”, escreve Maurice Obstfeld, na introdução no relatório outonal do Fundo. Para o conselheiro económico da instituição, há razões para estar optimista em relação aos três blocos económicos desenvolvidos – Europa, EUA e Japão – e à evolução das economias consideradas emergentes, inclusive em relação à China, economia que nos últimos anos tem e continua a levantar dúvidas em relação à sustentabilidade do seu crescimento económico.
Como defende Lagarde, o tempo, ajudado pelos paliativos dos governos e sobretudo dos bancos centrais através das diversas “injecções” de liquidez no mercado através das várias operações de quantitative easing estão a fazer efeito, o que permite encarar o futuro próximo com optimismo. E é isso mesmo que diz o indicador avançado da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
Em Agosto, o Composite Leading Indicator (CLI), agregado para os 35 países que fazem parte da organização, marcava o valor mais elevado dos últimos dois anos. Alguns especialistas apontam mesmo para fim do período de “estagflação”, uma conjuntura económica marcada por um baixo crescimento e reduzida taxa de inflação. É isso que diz o Bank of America Merrill Lynch Survey. Em Setembro, a sondagem realizada mensalmente a vários gestores de activos de todo o mundo sobre a tendência da economia mundial revelou, pela primeira vez em seis anos, que o cenário previsto pelo famoso gestor de obrigações Mohamed El-Erian em 2009 como um “novo normal”, já não é o predominante entre os especialistas. Com o crescimento económico a subir e o desemprego a diminuir a nível mundial, 48% dos gestores sondados pelo banco de investimento norte-americano espera agora um crescimento económico acima da média recente, mas acompanhado por uma taxa de inflação inferior à média, um cenário conhecido como “Goldilocks”.
Mas, se o tempo está a desempenhar o seu papel no processo de cura da economia mundial e o crescimento começa a surgir de forma mais robusta, as circunstâncias de cada bloco são ainda bastante divergentes. Como escreve Maurice Obstfeld, “um olhar mais de perto sugere que a recuperação pode não ser sustentável – nem todos os países estão a participar, a inflação continua inferior à desejada, há um fraco crescimento dos salários, e as previsões de médio prazo são desapontantes em muitas partes do globo”. Ou seja, apesar do bom tempo, há ainda muitas nuvens no horizonte, o que obriga os investidores a temperar o optimismo com prudência.
EUA na frente do pelotão
Segundo as previsões do FMI, a economia norte-americana deverá encerrar o ano a crescer 2,2%. “Não foi um mau ano”, diz João Leite, gestor de activos do Banco Carregosa, sublinhando que apesar do mau início de ano em que o PIB do país cresceu abaixo das expectativas, o terceiro trimestre revelou um crescimento de 3%, mais do que os 2,6% esperados, e o quarto trimestre deverá também mostrar uma expansão robusta que deverá continuar a estender-se para 2018, ano em que a locomotiva da economia mundial deverá acelerar 2,3%. Apesar de serem as duas maiores taxas de crescimento desde 2014, são variações que estão longe de impressionar. No período entre 1999 e 2008, a economia norte-americana cresceu a um ritmo anual médio de 2,6%. Todavia, o mesmo não se pode dizer da sua longitude. O próximo ano será o nono consecutivo de expansão económica, um dos maiores ciclos de expansão da história económica do país.
Parte do actual sucesso da economia norte-americana deve-se ao momento vivido no mercado de trabalho. Segundo o Bureau of Labor Statistics, em Setembro, a taxa de desemprego cifrou-se nos 4,2% – a menor percentagem desde o ano 2000 -, seguindo a tendência de queda iniciada em 2010 e, tendo em conta que no próximo ano o PIB crescerá mais do que em 2017, nada aponta para uma deterioração do mercado de trabalho. No entanto, o comportamento da inflação continua a intrigar os economistas.
Em Setembro, o índice de preços core, que exclui a variação dos preços dos bens energéticos e alimentares, manteve-se inalterado pelo quarto mês consecutivo nos 1,7%, o valor mais baixo dos últimos dois anos. Isto apesar do nível salarial estar a aumentar a um ritmo médio mensal superior a 2%. “Ninguém consegue perceber como é que com o actual nível de emprego o aumento dos salários não está a reflectir-se na taxa de inflação”, exclama João Leite, sublinhando que, numa situação normal, a taxa de inflação core devia estar a reflectir o aumento dos salários. Os economistas chamam-lhe um “conundrum” económico e têm dificuldade em explicá-lo. Paulo Monteiro, responsável pela gestão de activos do Banco Invest, arrisca apontar a crescente desigualdade de rendimentos a nível mundial como uma das principais causas. “Apesar dos ricos estarem cada vez mais ricos, a sua propensão ao consumo é menor”, diz. Já João Leite levanta a hipótese do aumento do endividamento da economia global e o crescente peso da tecnologia nos factores de produção estarem na causa deste fenómeno. Porém, para o Economic Policy Institute (EPI), um think tank constituído por especialistas de vários quadrantes que analisa informação económica, é apenas uma questão de grandeza. De acordo com o EPI, “enquanto os salários não crescerem a um ritmo mensal entre 3,5% e 4%, a inflação não será uma ameaça à taxa de inflação alvo estipulada pela Reserva Federal norte-americana”, lê-se no boletim intitulado “Nominal Wage Tracker”, actualizado em Outubro. Mas, embora mais premente nos EUA, o mistério da falta de tracção da inflação é transversal às principais economias desenvolvidas e será com certeza uma das variáveis macroeconómicas para a estabilidade dos mercados financeiros no próximo ano.
Brexit abranda Zona Euro
No Velho Continente, a tendência é semelhante à existente do outro lado do Atlântico, mas persistem ainda algumas feridas da crise por sarar. No mercado de trabalho, a taxa de desemprego no conjunto dos países da Zona Euro (19) e da União Europeia (28), atingiu em Agosto 9,1% e 7,6%, respectivamente. São valores que seguem a tendência de descida face ao período homólogo e aos máximos atingidos no pico da crise da dívida em 2013, quando a economia contraiu pelo segundo ano consecutivo. No entanto, está ainda longe das taxas registadas no período pré-crise financeira, ao contrário do que acontece nos EUA onde existe já uma situação de pleno emprego.
Seja em termos de ciclo económico como de política monetária, os dois blocos enfrentam circunstâncias diferentes.
Enquanto a economia norte-americana estará a entrar no último terço do ciclo de expansão económica, a Zona Euro estará no primeiro terço, tendo ainda alguns “rabos-de-palha” por resolver.
Um deles é a recuperação do sector financeiro, ainda débil sobretudo nos países do sul do continente, e o outro será o efeito económico da saída do Reino Unido da União Europeia. Como já admitiu Joyce Anelay, secretária de Estado britânica para o Brexit, num comunicado dirigido ao Parlamento do país, “o Reino Unido tem obrigações com a União e Europeia”. Segundo os cálculos da Comissão Europeia, a factura poderá atingir os 100 mil milhões de euros, o equivalente a cerca de 4,5% do PIB britânico, e os seus efeitos vão começar a sentir-se na economia já no próximo ano.
Segundo as previsões do FMI, a taxa de crescimento da economia britânica vai descer dos 1,7% estimados para este ano para 1,5% em 2018, com o Banco de Inglaterra a ter de subir a taxa de juro – em contraciclo com o Banco Central Europeu (BCE) – para conter a inflação devido à desvalorização da libra: desde 23 de Junho de 2016, data em que foi realizado o referendo que ditou a saída do país da União Europeia, a libra já perdeu 13% para o euro e 11% para o dólar norte-americano. E, claro, esta desaceleração britânica irá ter repercussões no bloco da Zona Euro. Este ano, o conjunto das economias da moeda única deverá registar a maior expansão desde 2010 mas, no próximo ano, o FMI estima que os ventos britânicos a tragam para níveis de crescimento novamente inferiores a 2% (1,9%).
Acções em brasa
Com a economia e os níveis de confiança em alta é normal que no próximo ano as empresas cotadas aumentem as vendas e os lucros. É o que estima o Credit Suisse. De acordo os analistas do banco de investimento suíço, os lucros por acção das empresas listadas no Standard & Poor’s 500, o índice que compila as 500 maiores cotadas norte-americanas, irão aumentar entre 6% a 7%, e o índice deverá cotar nos 2978 pontos, um valor que representa uma valorização de 15% face à cotação do final de Outubro.
“A nossa visão é baseada num contexto económico de apoio, com alguns riscos benignos de recessão e aos bons indicadores para o futuro de curto prazo”, referiu Jonathan Golub, estratego-chefe do banco para o mercado accionista norte-americano, numa nota divulgada ao mercado.
Com mais um ou menos um ponto, a previsão apontada por Golub faz sentido e é a mais consensual entre especialistas do mercado, mas as valorizações acumuladas nos últimos anos aconselham prudência. Há mesmo quem defenda que os mercados accionistas estão à beira de uma correcção acentuada, e de acordo com alguns indicadores há, de facto, alguma exuberância nas cotações. Um desses indicadores é o CAPE – Cyclically Adjusted PE Ratio. Este rácio, desenvolvido pelo economista Robert Shiller,
é semelhante ao rácio P/L – Preço/Lucros por acção, mas enquanto este só tem em conta os lucros por acção do ano anterior, o CAPE baseia-se na média dos lucros da última década ajustados pela taxa de inflação, permitindo assim uma análise do valor das acções face à evolução dos seus lucros reais. E a leitura não é famosa. Actualmente, o Shiller PE Ratio, como é também conhecido, do índice S&P 500 está no valor mais elevado do século. Maior, só no auge da febre das dot.com no final da década de 1990.
“Os lucros das empresas subiram bastante nos últimos anos, mas as cotações subiram ainda mais”, diz Paulo Monteiro, confessando que fez recentemente algumas mais-valias nos fundos de investimento que lidera. ”Os preços actuais estão a incorporar lucros futuros”, adianta. A opinião é consensual. “No geral, as acções estão caras, mas isso não quer dizer que aqui ou ali não se encontrem boas oportunidades de investimento”, diz João Leite. Tal como Paulo, o gestor de activos do Banco Carregosa prefere as acções europeias face às norte-americanas. “Têm múltiplos mais atractivos”, diz, adiantando que se espera um crescimento mais acentuado dos lucros nas empresas europeias.
Na comparação do rácio P/L simples entre os índices S&P 500 e STOXX Europe 600, ambos estão “taco a taco”, mas apesar das valorizações semelhantes, o rácio no mercado europeu tem vindo a descer, o que indica que os lucros das empresas estão a crescer mais do que a cotação dos títulos. “A Europa está quase num sweet spot, dada a conjuntura económica, a política monetária acomodatícia e os bons indicadores de curto prazo ”, defende Steven Santos, especialista do Banco BIG, adiantando que é importante ter em conta as diferentes realidades na comparação dos múltiplos do mercado actuais com os do passado. “A taxa de juro sem risco está historicamente baixa. Ignorar esta realidade nas avaliações é cometer um grande erro”, afirma, defendendo que a actual conjuntura de reduzidas taxas de juro sustenta as avaliações dos mercados accionistas. E não só as dos europeus.
O sol brilha no Japão
O processo de industrialização do Japão na década de 1980 fez da economia nipónica um case study, mas hoje a economia do país do Sol Nascente devia ser novamente alvo de um estudo profundo por parte de uma meia dúzia de prémios Nobel, para tentar explicar o que se passa no país do sushi. É que desde a recessão da década de 1990, a economia japonesa nunca mais se endireitou, apesar dos imensos estímulos fiscais e monetários a que foi sujeita – desde 1999 só cresceu 2% ou mais por ano por duas ocasiões e vive a braços com uma dificuldade crónica de baixa inflação, um cenário difícil de imaginar na economia da Zona Euro ou dos EUA. Este ano e nos próximos não será diferente. De acordo com as previsões do FMI, a economia japonesa crescerá 1,55% em 2017 e deverá abrandar para um ritmo inferior a 1% nos próximos anos. Mas, por estranho que pareça, o mercado accionista do país está novamente nos radares dos investidores.
“Tenho lido boas notícias sobre o Japão”, diz Paulo Monteiro, adiantando que os fundos de investimento que lidera não têm grande exposição ao país, mas não descarta um aumento da exposição no próximo ano. No geral é o mercado accionista dos três blocos económicos desenvolvidos mais barato em termos de múltiplo P/L – Preço/Lucros por acção, o que o torna numa das opções mais racionais em termos de avaliação.
João Leite confessa que é um mercado que não acompanha mas numa análise recente verificou algumas oportunidades. “O sector da banca está muito atractivo quando comparado com os pares estrangeiros”, explicou.
Além de ser o segundo maior produtor automóvel mundial, o país alberga uma das maiores indústrias mundiais de bens electrónicos, de equipamentos de precisão e de robótica, sectores de muita influência na actual corrente económica. E dada a crónica anemia económica, o Banco do Japão (BoJ) tem em prática o programa de quantitative easing mais agressivo de todos, o que tem funcionado como rede de segurança para o mercado accionista nipónico. Com a recente eleição reforçada do Primeiro-ministro Shinzo Abe, criador do pacote de estímulos fiscais, monetários e de reformas estruturais, que tem sido elogiado pelo FMI, o principal indicador de sentimento económico do país – o Tankan Index of Sentiment – disparou para máximos de 2007, o que permite um bom augúrio para a economia do país no próximo ano. Ou seja, está céu limpo no país do Sol Nascente, mas a radiação ultravioleta está elevada.
Mercados emergentes a reboque
As ameaças ao comércio mundial, despoletadas com a eleição de Donald Trump, e a inovação tecnológica nas economias desenvolvidas prometiam um ano desafiante para as economias emergentes, mas 2017 acabará por figurar entre os melhores do passado recente. “Na maioria dos casos, o crescimento registado permitiu aumentar o rendimento e a sua distribuição em todos os decis, e o actual cenário para o comércio e para o mercado de trabalho mantém-se optimista”, escreve Maurice Obstfeld, no resumo do World Economic Outlook do FMI, atestando o bom momento vivido nas economias reais daqueles países. Em consequência, o MSCI Emerging Markets, índice que agrega o desempenho das cotações de 830 companhias naturais de 24 países considerados emergentes, soma uma valorização de 15% nos últimos 12 meses, e o mercado obrigacionista voltou a dar ganhos aos investidores apesar da conjuntura mundial difícil para os títulos de dívida.
Para 2018, o cenário macroeconómico não será muito diferente do deste ano. Depois de crescer 4,6% em 2017, como antecipa o FMI, o conjunto das economias em vias de desenvolvimento irá avançar 4,9% no próximo ano. ”As economias emergentes vão beneficiar com o intensificar do crescimento nas desenvolvidas”, defende Steven Santos.
A Ásia, onde se espera uma expansão de 6,5% em 2017 e 2018, é a região que mais irá crescer, influenciada pelas gigantes China e Índia. Nesta última aguarda-se uma desaceleração saudável, segundo os especialistas, enquanto no Império do Meio subsistem as preocupações do costume. “Se as autoridades não impedirem a actual expansão do crédito há uma elevada probabilidade de um abrandamento severo da economia com repercussões internacionais”, lê-se no relatório outonal do FMI. Paulo Monteiro partilha a preocupação. “Costuma-se olhar para o crescimento económico, mas a minha preocupação está na dívida”, explica o gestor, sublinhando que o valor da dívida chinesa ultrapassa já os 200% do PIB. Este ano, a China deverá crescer 6,6%, sensivelmente o mesmo esperado para o próximo ano, e o mercado accionista deverá encerrar o ano com uma valorização a rondar os 30%.
Na Europa de Leste, as economias emergentes deverão beneficiar do bom clima na Zona Euro, mas a região da América Latina deverá crescer pouco mais de 1,2% devido às pouco favoráveis conjunturas vividas no Brasil, a maior economia da região, na Argentina e ao desastre económico-social que se vive na Venezuela, país que mais uma vez não poderá contar com a ajuda do petróleo. Apesar do aumento do preço e do consumo recentes, a Agência Internacional de Energia estima uma menor procura e uma maior oferta em 2018, o não dá grande margem de subida ao preço da matéria-prima energética.
Além de factores específicos associados a cada economia, o dólar será sempre uma preocupação para as economias emergentes, devido ao elevado montante de dívida emitida em moeda norte-americana que estes países detêm. E no dólar manda o banco central norte-americano.
Nas mãos dos bancos centrais
Não há dúvida que boa parte da recuperação dos blocos económicos desenvolvidos deve-se às políticas de taxa de juro zero acompanhadas pelas injecções de liquidez administradas pelos bancos centrais. Foi assim no passado recente e vai continuar. Mas no próximo ano, a dessincronia poderá acentuar-se e provocar alguma volatilidade.
Na Zona Euro e no Japão, as dúvidas são poucas. Na reunião de Outubro, o presidente do BCE, Mario Draghi, anunciou que em Janeiro irá diminuir o valor mensal de compras de activos dos actuais 60 para 30 mil milhões e manteve a taxa de juro de referência a zero. “Esperamos que se mantenha [a taxa de juro] a este nível por um extenso período de tempo, até bem depois do fim do programa de compras”, disse o presidente do BCE na conferência de imprensa após a reunião. De uma forma simples, foi mel para os mercados. “Os investidores salivam com os estímulos monetários”, diz João Leite. Desde 2007, o BCE já injectou na economia da Zona Euro cerca de 2,9 biliões de euros.
No Japão, a recente vitória eleitoral, reforçada, do Primeiro-ministro Shinzo Abe, mentor do “programa das três setas” – políticas fiscais, reformas estruturais e estímulos monetários – aponta para a manutenção do agressivo programa de quantitative easing em curso. Para dar uma ideia, desde 2013, o Nippon Ginko, como também é conhecido o banco central japonês, está a comprar mensalmente cerca de 51,5 mil milhões de euros de títulos de dívida pública nacional, quase o mesmo valor do adquirido pela Fed no pico do programa norte-americano, apesar da economia nipónica ser três vezes menor do que a norte-americana. Mas não só. Além de obrigações, o quantitative easing do BoJ permite também o investimento em ETF – Exchange Traded Fund, fundos de acções cotados. Actualmente, o BoJ está a comprar anualmente cerca de 41 mil milhões de euros destes produtos financeiros. Segundo dados compilados pela Bloomberg, o BoJ deverá ser detentor de 71% do capital dos ETF comercializados no país e, por exemplo, de três quartos do free-float – capital disperso em Bolsa – da Fast Retailing, a empresa mais pesada do Nikkei, o principal índice accionista do país. Na última década, o BoJ comprou 3,1 biliões de euros em activos. Até aqui tudo bem, mas nos EUA já não é bem assim.
Enquanto na Zona Euro e no Japão as taxas de juro zero estão para durar, nos EUA o ciclo já se inverteu. Em 2017, o preço do dinheiro deverá encerrar o ano nos 1,5%, caso se materialize o aumento esperado de 25 pontos base em Dezembro, e em 2018 a Fed estima mais dois aumentos, mas tudo dependerá do crescimento económico e da taxa de inflação. “Se a Fed subir as taxas de juro mais rapidamente, o que terá impacto no dólar [contribuindo para a sua valorização], isso terá repercussões negativas nos mercados emergentes”, diz Paulo Monteiro. E não só. Por exemplo, as obrigações não se dão bem com subidas das taxas de juro.
Em Outubro, após três anos de inacção no mercado, a Fed começou a vender os activos que acumulou ao longo dos vários programas de quantitative easing a um ritmo de 0,25% por mês. “Estamos a falar de 3% anuais, cerca de 135 milhões de euros por ano. Não é nada de extraordinário”, diz o responsável do Banco Carregosa, sublinhando que a Fed não quer assustar os agentes económicos. É o que pensa também Pualo Monteiro ao afirmar que “as políticas monetárias vão manter-se, pelo menos no próximo ano, amigas dos mercados”, mesmo nos EUA apesar do contraciclo. Mas, além do optimismo sobre o desempenho dos mercados accionistas e das dificuldades no mercado de dívida, é também consensual que a volatilidade irá aumentar e que num futuro mais longínquo as taxas de juro irão subir e os bancos centrais terão que secar parte da liquidez existente no mercado. E, como disse Warren Buffett, “quando a maré baixar é que se verá quem anda a nadar nu”.