No início de 2011, Vasco Teles viu-se confrontado com a possibilidade de investir um montante próximo de 2% do valor da carteira do NB Obrigações Europa em obrigações da Refer – Infraestruturas de Portugal.
O preço, pouco superior a 8o% do valor facial (preço nominal da obrigação), somado um cupão (taxa de juro), tornavam o negócio atractivo. “Como era uma posição pequena, proxy de Governo [dívida pública], achei-a inócua e promissora de um ganho de quase 20 ‘figuras’ até à maturidade”, explica o gestor do NB Obrigações. Mas não foi bem assim.
Em tempos de incerteza financeira na República, como se veio a verificar em Abril desse ano, com o pedido de assistência financeira e a intervenção da Troika, dois dias depois de concretizar o negócio, as obrigações da Refer cotavam a 50%.
Resultado: em apenas dois dias, a posição que Vasco julgava sem efeitos no curto prazo perdia quase 40%, originando um prejuízo de quase 0,7% do valor do fundo cuja rendibilidade anual aspiracional anda em torno dos 5%. “Foi um erro. Comprámos um título sem uma visão estratégica sobre ele, mas apenas porque parecia um bom negócio”, explica.
Acabou por assumir o erro e vendeu os títulos a 60% do valor nominal – e bem, pois no auge da crise financeira portuguesa as mesmas obrigações chegaram a cotar a 30%. “Assim se aprende que até em negócios aparentemente insignificantes pode-se perder muito dinheiro”, diz.
Para bem dos participantes do fundo, o mau negócio de Vasco com os títulos da Refer é uma excepção. Seja a curto, médio ou longo prazo, o NB Obrigações regista um desempenho ímpar entre a categoria de fundos de obrigações de dívida pública Euro que lhe tem valido inúmeros prémios ao longo dos anos.
Considerando os últimos 20 anos, o fundo coloca mesmo em causa a tese de que as acções são os activos mais rentáveis no longo prazo ao registar um ganho anualizado bruto de 6%, contra os 2,7% do Stoxx Europe 600, o índice que reúne as 600 maiores empresas da Europa.
O segredo dos resultados alcançados está numa mistura entre a simplicidade do posicionamento definido quinzenalmente pelo comité de investimento do Grupo Novo Banco Gestão de Activos e a liberdade dada ao gestor para agir de forma oportunista em função da visão delineada.
Fórmula trading
Para os investidores comuns, um investimento normal em obrigações é a compra de títulos ao valor nominal em ofertas públicas de distribuição para ganhar com os cupões (juros) pagos periodicamente até à maturidade dos títulos.
Porém, na óptica de um institucional, é mais complexo. As obrigações estão hoje longe de ser um activo conservador.
“Actualmente, os movimentos do mercado obrigacionista são muito violentos”, diz Vasco, sublinhando a falta de liquidez do mercado de dívida pública europeu, devido à secagem originada pelos programas de compras do Banco Central Europeu (BCE). “Não há títulos suficientes para a procura dos investidores institucionais”, afirma.
“As yields estão muito deprimidas. A não ser que exista um cataclismo qualquer, a taxa de juro terá que subir.”
Desta forma, a política do fundo assenta num portefólio com poucos títulos – 21, em Setembro de 2018 – cujo valor e volatilidade vão sendo geridos diariamente com recurso a instrumentos financeiros derivados.
Vasco revela que pode passar semanas sem transaccionar uma obrigação da carteira, mas é raro o dia em que não negoceia um derivado para alavancar ou proteger uma posição.
De acordo com o último relatório do fundo publicado em Junho de 2018, a exposição global da carteira a derivados representava 35,7% do valor líquido global do fundo àquela data. Esta estratégia tem custos, mas o gestor desvaloriza-os. Diz que não pensa no dinheiro que vai gastar quando quer proteger a carteira ou alavancar uma posição. “O que eu quero é terminar o ano a dar uma boa rendibilidade aos subscritores. Se para isso tiver de dar dinheiro a um broker de derivados, bom para ele”, explica.
E é justamente uma estratégia assente na gestão diária do fundo através de instrumentos financeiros derivados que o faz encarar 2019 com uma frieza desconcertante.
Vasco não tem receio do que 2019 trará para o mercado obrigacionista. Tem consciência de que a conjuntura do passado recente, pautada por taxas de juro historicamente baixas e pelas intervenções do BCE no mercado obrigacionista, foi única para a classe de activos que gere. Mas não teme que todo este cenário mude do dia para a noite. “As yields estão muito deprimidas. A não ser que exista um cataclismo qualquer, a taxa de juro terá que subir”, explica.
Também não se preocupa com a substituição de Mario Draghi, governador do BCE, porque “quem vier não vai ter outra alternativa senão subir a taxa de juro”, nem com o Brexit, cujo impacto julga diminuto na sua paleta de activos elegíveis para o fundo.
E também não sobrevaloriza a importância do abrandamento económico do bloco europeu, pois “para o credor, o que interessa é o equilíbrio externo e o peso da dívida sobre o Produto Interno Bruto (PIB)”.
Um dia de cada vez
As eleições europeias, o potencial aumento do peso dos partidos eurocépticos no Parlamento europeu e a subida da inflação são as suas maiores preocupações, mas, se este último está acautelado através de títulos com rendimento indexado à evolução do nível de preços, como é o caso das obrigações alemãs e gregas em carteira, sobre o primeiro diz que ainda é cedo para posicionar o portefólio para esse assunto.
Para já a estratégia é simples: “Se queremos protecção compramos Alemanha e Holanda, se queremos exposição ao risco vamos para os periféricos, como Portugal, Itália e Grécia”, explica. Tudo, claro, temperado com o uso de derivados.
Entre uma gestão aparentemente centrada nos cenários quinzenais estipulados pelo Comité de Investimento do Grupo Novo Banco Gestão de Activos, há uma aposta mais estratégica e de longo prazo: a Grécia. Para Vasco, o que sucede com as obrigações gregas é um caso de alguma disfunção nos mercados.
“A União Europeia não vai querer matar a Grécia. Já os matou uma vez e não vai cometer o mesmo erro outra vez.”
“O rating do país é muito baixo devido à elevada dívida sobre o PIB, mas cerca de 80% está nas mãos do Fundo Monetário Internacional e do BCE”, defende, sublinhando que o país, sob intervenção, está a recuperar o equilíbrio externo e a economia. Além disso, “a União Europeia não vai querer matar a Grécia. Já os matou uma vez e não vai cometer o mesmo erro outra vez”, defende.
Na prática, o caso grego é semelhante ao português em 2012 e a estratégia também. No final de 2011, a equipa de Vasco Teles decidiu investir em dívida pública portuguesa. A tese era semelhante à que têm hoje sobre a Grécia e o resultado foi o oposto ao da Refer.
Apesar de passarem algum tempo com as obrigações em carteira a um valor deprimido, no ano seguinte Mario Draghi vem a público dizer que “faria o que fosse necessário”, e saiu o jackpot ao NB Obrigações Europa que encerrou o ano com uma rendibilidade de 35%.
Apesar dos bons resultados passados, Vasco Teles não se compromete com resultados futuros. Questionado sobre se recomendaria o fundo a um investidor conservador, a resposta é clara: “só se for mais um entre os vários activos de uma carteira diversificada”.
Mas não hesita em puxar dos galões. “Em 24 anos de existência, o fundo perdeu valor apenas em dois anos e ainda na década de 1990”, diz, demonstrando confiança na equipa de gestão que o rodeia e, em consequência, no desempenho do fundo.