Quando falamos de Smart cities ou cidades inteligentes ainda há um impulso para pensarmos em cidades repletas de tecnologia, com tsunamis de automação e Inteligência Artificial a gerir os mais variados serviços e a quase levar a mente a imaginar metrópoles com veículos voadores e cenários ao estilo do filme “Minority Report”.
Amédée Santalo, designer de cidades inteligentes, assume que essa era também um pouco a sua ideia no início até ter tido “a sorte”, como enfatiza na conversa que teve com a FORBES na sua passagem por Lisboa, de trabalhar com alguns empreendedores dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita.
“Eles ensinaram-me, na época em que trabalhamos juntos, o que é um verdadeiro ‘desenvolvimento’. E esse desenvolvimento tem a ver com o ser humano, sobre o que podemos fazer melhor pela humanidade, pelas pessoas e pela natureza”. E para alcançar esse desenvolvimento, “temos que encontrar uma solução que tem que ser inteligente. Portanto, a cidade tem que ser inteligente”, refere Amédée Santalo, cujo trajeto profissional fica marcado pela visão do Sheikh Tarek M. Binladen, alguém com quem trabalhou como conselheiro quase vinte anos e que Santalo considera como “um pioneiro no conceito e design de cidades inteligentes: ele criou o conceito de Al Noor há mais de 20 anos, que foi a origem e a inspiração da maioria dos empreendimentos de ‘Smart City’ em todo o mundo”.
Seguindo “as suas recomendações e conselhos, dedico o meu tempo a descobrir como podemos fornecer soluções simples e eficazes para uma sociedade melhor e mais sustentável”, declara Amédée Santalo.
Uma cidade inteligente é sobre pessoas
Este especialista deixa, assim, claro que uma cidade inteligente é sobre pessoas e sobre como melhorar a sua qualidade de vida”, o que exige “mudanças de 180º” e que a organização dos serviços e o planeamento urbano tenha de procurar, de uma forma sustentável, suprir, acima de tudo, o que são as necessidades humanas essenciais.
Na visão deste especialista, cada comunidade tem de ter capacidade de satisfazer, localmente, o mais possível, aquilo de que precisa e não ficar dependente de terceiros e da exportação de bens ou produtos, pois isso torna essa comunidade mais vulnerável a quebras na cadeia de produção e abastecimento exteriores.
“A pedra-basilar de uma cidade inteligente, para mim, é exatamente a de que cada cidade tem que estar segura nas suas necessidades elementares. E isso começa logo pelo facto de que a cidade tem que alimentar as pessoas. Segurança alimentar. Esse ponto é o número um, o que não é o caso hoje” um pouco por todo o lado, afirma este especialista que dá o exemplo, na Europa, do megamercado de abastecimento alimentar Rungis, nos arredores de Paris, que é o maior do mundo do seu género e do qual dependem milhões de pessoas. Uma falha aí coloca milhões sem alimentos.
“No mundo podemos chegar a 11 mil milhões de habitantes, mas administrar 11 mil milhões de pessoas não será fácil. E quando sabemos o que fizemos nos últimos 100 anos com os recursos, este modelo que temos não pode continuar” – Amédée Santalo
Também para ilustrar esta ideia, Amédée Santalo olha para África, região do globo que merece muito interesse deste especialista, e dá o exemplo da metrópole de Kinshasha, a capital da República Democrática do Congo, cujos cerca de 17 milhões de habitantes consomem 90% de produtos vindos de importação.
“Tudo vem de fora, com o paradoxo destes cidadãos viverem no meio de uma terra incrivelmente fértil”. Para Santalo, esta lógica está errada e tem de ser invertida: “Ao haver esta importação massiva, significa que tudo fica mais caro. Logo, estamos a gerar pobreza, desemprego e insegurança”. Tudo aquilo que não se pretende.
Em África, “os recursos são absolutamente incríveis”, pelo que, para Santalo, a realidade das cidades inteligentes africanas passa pela criação local de infraestruturas, riqueza, emprego e energia verde que ofereçam condições de habitabilidade também localmente, colocando um travão no êxodo das populações e “evitando a saída de recursos naturais e matérias-primas para o estrangeiro que acabam depois por ser transformados por outros países e mais tarde chegam a África como produtos dispendiosos que, se fossem produzidos localmente, iriam gerar riqueza e emprego”.
Oportunidade para África
Amédée enfatiza: “Se não fizermos nada em África, atendendo ao ritmo de crescimento da população, teremos um problema sério para administrar. Por isso é que é extremamente importante ter uma política ordenada e as bases certas em África”. A própria madeira para a construção, cita Amédée, poderia vir de novas plantações propositadamente feitas para servir esse fim, o que ajudaria a preservar as valiosas florestas antigas e locais.
Para Santalo, África tem, por isso, muito a ganhar em avançar para modelos de cidades inteligentes, podendo, dessa forma, mostrar ao mundo todo o potencial e qualidade de vida que as cidades, bem planeadas e bem construídas, podem, efetivamente, dar às suas populações.
Amédée refere que África está desperta para esta questão, com alguns presidentes de nações africanas a assumirem como prioridade o desenvolvimento de projetos de smart cities, como é o caso de Kitoko, no Congo. Também em Quigali, capital de Ruwanda, o presidente Paul Kagame iniciou há alguns anos o programa de uma África inteligente, já assinado por 27 chefes de Estado.
“Podemos dizer que há 27 países em África que estão a ir na direção das cidades inteligentes”, comenta Amédée. “Há uma dinâmica em África para caminhar nesse sentido, ainda que na Europa essa realidade não seja percecionada – mas ela é real”, reforça, ao mesmo tempo que indica que “The World”, projeto seu de uma cidade inteligente integrada no ambiente, motivou já o interesse na Tanzânia.
Plano para 25 anos
Amédée Santalo, que tem ao longo da sua carreira construídos protótipos de sociedades inteligentes (caso do projeto “Green Belt”), enfatiza que, para resultar, a conceção de uma “smart city” tem de obedecer a um plano de desenvolvimento para um mínimo de 25 anos que integre uma visão holística: “É necessário conhecer os recursos existentes, a população existente e o que podemos ter vinculado à região. A cidade será inteligente porque estará integrada nessa visão, respeitando a natureza”.
Aspeto que este perito deixa claro é que os projetos de cidades inteligentes devem ter uma calendarização das suas fases de construção e implementação que seja escrupulosamente cumprida: “Manter o plano mestre, não saltar etapas e não misturar as fases é vital, caso contrário o projeto tem 100% de probabilidade de ficar comprometido e ser interrompido”, diz Santalo.
Este designer entende mesmo que este conceito de smart cities é incontornável, dado que “chegamos a um limite” por causa da exploração dos recursos do planeta e da explosão demográfica a nível global. “Definitivamente, o atual modelo não pode continuar. E esse é o desafio da cidade inteligente”, cujos habitantes deverão conseguir encontrar tudo o que precisam em quinze minutos, a pé, salienta Amédée.
Nesse novo paradigma mais harmonioso de sociedade, Santalo procura traçar soluções que estejam tão unidas quanto possível à natureza: “Tenho estudado biomimetismo, porque quero muito encontrar soluções com inspiração na natureza. No meio natural não há ninguém que não tenha um papel a desempenhar. Não há desperdício. Nós, humanos, é que inventamos o lixo. Temos que ser inspirados pela natureza”.
Respeito pela natureza
Considerando que o respeito pela natureza é fundamental na construção das cidades, Santalo volta a sublinhar o potencial que o continente africano tem nesse domínio, pois “África está muito próxima da natureza”.
No arquétipo idealizado por este perito, não obstante todo o enfoque posto na natureza, a tecnologia também tem lugar “para nos melhorar a eficiência, sendo uma importante ferramenta da cidade inteligente”. Porém – acrescenta -, a tecnologia só será realmente proveitosa se estivermos a trabalhar no correto modelo de desenvolvimento: “Aí, a tecnologia é realmente útil, com os computadores a nos ajudarem a fazer uma melhor gestão. O nosso modelo ficará otimizado”. E também aí, o continente africano está bem posicionado, entende Amédée: “O desenvolvimento de tecnologia na África é incrível hoje”, indica.
E Portugal?
E Portugal, nesse modelo de cidades inteligentes como se pode posicionar, questionamos Amédée: “Quanto mais penso em Portugal, mais acredito em Portugal, devido à proteção e ao respeito da natureza que tem sido feita. Se o governo se mover na direção de impulsionar o turismo com as cidades inteligentes – e o turismo é muito importante para a economia – Portugal poderá exercer atração junto dos turistas, designadamente europeus, com um modelo muito amigo do ambiente”. Na visão de Amédée, os projetos de cidades inteligentes poderiam continuar a dinâmica de Portugal, que “já é um destino fantástico”, frisa este designer.
A visão “The World”
Um dos projetos mais emblemáticos de Amédée Santalo é o “The World”. Consiste numa “Smart city” concept pensada para uma área de mais de dois mil hectares, explanada segundo um desenho de uma flor Mandala, cujas seis pétalas corresponderiam aos vários continentes. A área correspondente a cada continente será uma expressão da cultura desse continente. Ao centro desta visão está uma Torre Vortex de 650 metros de altura, inspirada na água, com hotel de luxo, centro de negócios e um ponto panorâmico no topo.
Perfil de Amédée Santalo
Amédée Santalo nasceu em França em 1969, tendo completado a formação em engenharia de ciência da computação em 1992. Começou a sua carreira em Genebra no CERN, a Organização Europeia para Pesquisa Nuclear. Hoje, Santalo é um designer de conceito de cidades com background em arquitetura, com a sua assinatura a constar em projetos na Europa, África, Médio Oriente e Ásia. Especializou-se em Smart Cities e na conceção de arranha-céus usando a Biomimética como inspiração. Os Emirados Árabes Unidos (EAU) têm acolhido muitos dos seus criativos projetos, com Amédée Santalo a ser escolhido como conselheiro de Sheikhs nos EAU e Arábia Saudita. Sócio da Swiss Hospitality Holding Geneva SA, grupo que detém uma nova marca de rede de hotéis, Alps Hotel, ultimamente, Santalo tem vindo a debruçar-se em projetos de Cidades Inteligentes para África e em novos conceitos de alojamento.