O desafio não é de agora, mas claramente nos últimos anos tem-se assistido a um desfasamento cada vez maior entre rendimentos e despesas dos portugueses. Mais recentemente, o custo de vida sobre abruptamente à boleia da inflação e da Euribor e os rendimentos líquidos sobem muito suavemente, resultando num desequilíbrio cada vez maior.
Juntando as várias boas práticas e números ideais sobre gestão de finanças pessoais, o que seria então considerado um “bom salário” em Portugal? Neste artigo vamos tentar descobrir isso.
Uma das técnicas de gestão de orçamento pessoal e familiar mais conhecidas tem o nome de 50/30/20 e diz-nos que 50% dos nossos rendimentos devem ser dedicados às despesas essenciais, 30% às despesas não essenciais e 20% à poupança e/ou investimento. Há ainda uma subdivisão que indica que devemos limitar os nossos custos com habitação a 35% dos nossos rendimentos, sendo esta percentagem também utilizada regularmente para cálculos de taxas de esforço nos créditos habitação.
O valor mediano das rendas em Portugal é, de acordo com o INE, de 7,27€/m2, o que faz com que uma casa de 100m2 custe 727€ por mês. Atenção que este é o valor da mediana nacional. Se formos para a Área Metropolitana de Lisboa, o valor é de 11,03€/m2, o que faz com que os mesmos 100m2 custem 1.103€ por mês. Há também, naturalmente, zonas em que o valor é mais baixo mas vamos focar-nos no valor nacional.
A dimensão da casa, naturalmente, vai depender de muitos fatores, principalmente os gostos e necessidades pessoais de cada um, mas se assumirmos que um jovem casal, que queira morar num T2, precise de 80m2 de habitação, então a sua renda rondará qualquer coisa como 580€. Se voltarmos atrás e aplicarmos a regra dos 35%, então o rendimento líquido mensal “ideal” deste casal deveria ser algo como 1.650€. Se a casa se situar na Área Metropolitana de Lisboa, a mais cara do país, então o seu T2 de 80m2 custará 880€, o que elevará o seu nível de rendimento “ideal” para os 2.500€.
Atualmente, várias fontes indicam que o salário médio líquido em Portugal ronda os 1.000€. Isto significa que um casal em que ambos ganhem o salário médio, deverá conseguir viver confortavelmente caso a sua habitação siga a mediana do país, mas se quiser viver na área metropolitana de Lisboa, o seu salário já será manifestamente insuficiente.
E aqui se levanta o que é, para mim, uma questão essencial em todo o problema da habitação que vivemos hoje: como tornar o país, de uma forma geral, mais atrativo para atrair e reter pessoas? Como podemos desenvolver áreas como Trás-os-Montes, em que a renda mediana é de 2,98€/m2, para que se tornem mais atrativos? Numa altura em que temos inúmeros trabalhadores digitais e remotos, e que podem desenvolver a sua atividade de qualquer parte do mundo, o que pode e deve o Governo, tanto central como local, fazer para que isto aconteça? A resposta a esta questão é, a meu ver, talvez a maior solução para o problema da habitação.