De 16 a 20 de janeiro, a cidade suíça de Davos é novamente sede do encontro anual do Fórum Económico Mundial, que em 2023 se reúne sob o lema “Cooperação num mundo fragmentado”.
O evento reúne cerca de 2.500 chefes de estado e de governo, CEO de empresas, representantes da sociedade civil vindos da África, Ásia, Europa, Médio Oriente, América Latina e América do Norte com o objetivo de chegar a medidas que permitam reconstruir a confiança e moldar os princípios, as políticas e as parcerias necessárias para enfrentar os desafios de 2023.
Uma das ideias que está em cima da mesa em Davos é a tributação dos super-ricos.
Num relatório, a Oxfam sublinha que, enquanto dezenas de milhões de pessoas enfrentam a fome em todo o globo e centenas de milhões de pessoas enfrentam aumentos incomportáveis no acesso a produtos básicos ou no aquecimento das suas casas, os “muito ricos ficaram imensamente mais ricos, e os lucros das grandes empresas bateram recordes, gerando uma explosão de desigualdade”.
Alguns números que a organização apresenta:

Desde 2020, o 1% mais rico da população mundial arrecadou quase dois terços de toda a nova riqueza – seis vezes mais do que os 7 biliões de pessoas que compõem os 90% mais pobres da Terra;


As fortunas bilionárias estão a aumentar em US$ 2,7 biliões por dia, mesmo com a inflação a superar os salários de, pelo menos, 1,7 bilião de trabalhadores – mais do que a população da Índia;


As empresas de alimentos e de energia mais do que duplicaram os seus lucros em 2022, pagando US$ 257 biliões a acionistas ricos, enquanto mais de 800 milhões de pessoas passaram fome;

Apenas US$ 4 centavos de cada dólar de receita tributária em todo o mundo vêm de impostos sobre o património, e metade dos bilionários no mundo vive em países que não aplicam impostos sobre heranças, aplicado ao dinheiro que dão aos filhos;



Um imposto de até 5% sobre os super-ricos do mundo poderia arrecadar US$ 1,7 trilião por ano, o suficiente para tirar 2 biliões de pessoas do círculo da pobreza e financiar um plano global para erradicar a fome.
O relatório “Survival of the Richest” (“Sobrevivência dos mais ricos”) foi publicado no dia de abertura do Fórum Económico Mundial em Davos, num momento em que a riqueza extrema e a pobreza extrema aumentam simultaneamente pela primeira vez em 25 anos.
“Enquanto as pessoas comuns estão a fazer sacrifícios diários para ter itens essenciais como comida, os super-ricos superaram até mesmo os seus sonhos mais loucos. Passados apenas dois anos, esta década está a preparar-se para ser a melhor até agora para os bilionários — um estrondoso boom ‘dos anos 20’ para os mais ricos do mundo”, diz Gabriela Bucher, Diretora Executiva da Oxfam International.
Para ilustrar a injustiça fiscal mundial existente, a Oxfam compara a situação de um dos mais conhecidos bilionários e uma vendedora de farinha no Uganda, Aber Christine.

Elon Musk, até há pouco tempo o homem mais rico do mundo, pagou de 2014 a 2018 uma taxa sobre a sua riqueza de 3%. Aber Christine recebe como produto das suas vendas o equivalente a 80 dólares por mês e pagou 40% em impostos.
O 1% mais rico juntou quase dois terços de toda a nova riqueza no valor de US$ 42 triliões criada desde 2020, quase o dobro do dinheiro obtida pelos 99% mais pobres da população mundial, revela o relatório da Oxfam. Se alargarmos a análise à última década, o 1% mais rico capturou cerca de metade de toda a nova riqueza gerada.
Impostos sobre rendimentos dos mais ricos têm diminuído
O relatório mostra que os impostos sobre os mais ricos costumavam ser muito mais altos. Nos últimos quarenta anos, os governos da África, Ásia, Europa e Américas reduziram as taxas de imposto de rendimento dos mais ricos. Ao mesmo tempo, aumentaram os impostos sobre bens e serviços, que recaem desproporcionalmente sobre os mais pobres e exacerbam a desigualdade de género.
“Tributar os super-ricos e as grandes organizações é a porta de saída para as crises sobrepostas de hoje. É hora de demolirmos o mito conveniente de que os cortes de impostos para os mais ricos levam a que as suas riquezas, de alguma forma “escorram” para todos os outros. Quarenta anos de cortes de impostos para os super-ricos mostraram que uma maré alta não levanta todos os navios — apenas os superiates”, refere a Oxfam.

O documento destaca ainda o facto de a riqueza bilionária ter aumentado em 2022 com o rápido aumento dos lucros com alimentos e energia. O relatório mostra que 95 empresas de alimentos e energia a nível mundial mais do que duplicaram os seus lucros em 2022. Elas obtiveram US$ 306 biliões em lucros inesperados e pagaram US$ 257 biliões (84%) desses lucros a acionistas ricos.
A dinastia Walton, dona de metade do Walmart, recebeu US$ 8,5 biliões no ano passado, aponta a Oxfam.
O bilionário indiano Gautam Adani, proprietário de grandes empresas de energia, viu essa riqueza aumentar em US$ 42 biliões (46%) apenas em 2022. Segundo o documento, o excesso de lucros corporativos gerou pelo menos metade da inflação na Austrália, nos Estados Unidos e no Reino Unido. Ao mesmo tempo, pelo menos 1,7 bilião de trabalhadores vivem agora em países onde a inflação supera os salários e mais de 820 milhões de pessoas — aproximadamente uma em cada dez pessoas na Terra — passam fome.
O Banco Mundial diz que provavelmente estamos a assistir ao maior aumento na desigualdade global e na pobreza desde a Segunda Guerra Mundial.
Aceda aqui ao relatório:
O mais curioso é que, em 2022, um grupo de mais de 100 membros dos indivíduos mais ricos do planeta subscreveu uma carta aberta, na qual pediu aos governos que revissem as leis fiscais para tornar a tributação mais justa e ajudar a reduzir o abismo entre ricos e pobres.
Nessa carta, divulgada por ocasião da conferência de Davos 2022 do Fórum Económico Mundial, os signatários do chamado grupo “Milionários Patrióticos” (“Patriotic Millionaires”) referiam que “como milionários, sabemos que o atual sistema tributário não é justo” e que “a maioria de nós pode dizer que, embora o mundo tenha passado por imenso sofrimento nos últimos dois anos, na verdade vimos a nossa riqueza aumentar durante a pandemia – mas poucos ou nenhum de nós pode dizer honestamente que pagamos a nossa justa participação nos impostos”.
Este grupo de milionários exorta mesmo os governos a “taxar-nos, aos ricos, e a taxar-nos agora”.
De acordo com um estudo da “Patriotic Millionaires” juntamente com a Oxfam e outras organizações sem fins lucrativos, um imposto progressivo sobre a riqueza começando em 2% para aqueles com mais de US$ 5 milhões e subindo para 5% para os bilionários, poderia arrecadar US$ 2,52 triliões. Isso seria suficiente para tirar 2,3 biliões de pessoas da pobreza e garantir saúde e proteção social para indivíduos que vivem em países de baixos rendimentos.
Esta carta aberta, apresentada há um ano, mantém-se online, bem como o apelo destes bilionários. Contudo, nada foi feito.
Este grupo elaborou um mapa Interativo da Riqueza Extrema, com informações sobre as elevadas riquezas de diferentes países. Portugal não surge retratado nesta infografia.
Passe o rato sobre os países no mapa para ver o número de indivíduos com alto património líquido e estatísticas de impostos sobre a riqueza: