Tiago Barroso é um exemplo de sucesso raro numa empresa tecnológica por ter começado como júnior e chegado à posição de CEO num curto espaço de tempo. O líder da NTT Data Portugal olha para o seu trajeto, não hesitando em considerar à FORBES que, do ponto de vista mais pessoal, o principal desafio foi “ir aprendendo, com diferentes níveis de responsabilidade, até ser hoje o responsável da empresa em Portugal, a gerir pessoas super capazes, supertalentosas, algumas delas, com toda a certeza, mais capazes do que eu, mais talentosas do que eu”.
E enquanto gestor de pessoas, Tiago Barroso considera que o país precisa de segurar o talento que tem, mas para isso as empresas têm de se expandir, “acrescentar valor lá fora e as pessoas têm de ter e sentir esse reconhecimento cá dentro”.
Para além de focar a realidade da NTT Data Portugal, Tiago Barroso transmite a sua visão acerca de liderança, motivação nas empresas, reconhecimento profissional e bem-estar dos colaboradores, num conjunto de respostas francas de alguém experiente que subiu, com mérito, mas demonstra ter a capacidade de não se deslumbrar com o posto.
Como é que foi o início da sua carreira na NTT DATA e o que o motivou a permanecer na empresa durante tantos anos?
Tiago Barroso: Quando estava a terminar a universidade pensei que fazer investigação talvez fosse uma opção, até por influência familiar, até cheguei mesmo a dar alguns passos nesse sentido. Inscrevi-me no programa de mestrado com possibilidade de seguir para doutoramento, fiz toda a parte escolar e cheguei até à fase de, vou dizer, pré-investigação. Foram mais de sete anos de universidade e percebi depois que um caminho mais solitário e isolado não era o que me entusiasmava e, portanto, decidi fazer o oposto…decidi, ok, vou fazer consultoria, que é exatamente o contrário; terei de lidar com clientes, vou ter de trabalhar em equipa com outras pessoas, e foi o que aconteceu. Comecei na NTT DATA em 2003, na altura com outro nome, a DMR Consulting. Nós éramos muito poucos nessa altura, eu sou o número 47 e devíamos ser uns trinta e poucos. Havia um espírito muito empreendedor, muito de conquista, de conquista de espaço, de mercado, e foi isso que me entusiasmou muito nos primeiros anos. Depois fui crescendo, foram-me dando desafios de responsabilidade crescente, que abracei, e o caminho foi sendo feito ocupando esses espaços, digamos assim. Se me perguntar se me zanguei com a companhia algumas vezes durante estes 20 anos, zanguei e algumas vezes pensei em ir-me embora – já chega, já fiz aqui o meu percurso e vou fazer outra coisa, ou vou para outro sítio. Mas no final do dia, aquilo que era essa cultura inicial de empreendedorismo, de colaboração, de uma preocupação muito grande com as pessoas, com o seu desenvolvimento, com o seu bem-estar, que era e é a matriz cultural da companhia, é uma coisa muito forte, eu identifico-me muito com essa forma de estar, e diria que isso, conjugado com o facto de ter tido a sorte e o mérito de ter desafios completamente diferentes ao longo do tempo e em crescendo de responsabilidade, essas duas coisas foram aquelas que acabaram por fazer com que, mesmo que algumas vezes zangado, tivesse optado por continuar.
“Se me perguntar se me zanguei com a companhia algumas vezes durante estes 20 anos, zanguei-me e algumas vezes pensei em ir-me embora”
Quais foram os principais desafios que enfrentou durante este percurso na empresa?
O grande desafio, ao longo de todos estes anos, foi de facto fazer a cada dia qualquer coisa que marcasse a diferença para a afirmação da empresa, para a conquista de espaço no mercado, para a conquista de reconhecimento. A empresa, quando eu comecei, era uma empresa pequena, e, portanto, crescer, atrair pessoas e vender um novo projeto a um cliente eram sempre desafios tremendos. Na altura, ainda não havia a lógica das start-ups e embora como multinacional, em Portugal, acabávamos por ser uma start-up, com alguma semelhança. Diria que ao longo destes 20 anos, os meus desafios pessoais acabam por se confundir um bocadinho com os desafios da própria empresa, que foi conquistar espaço, conquistar mercado, conquistar reconhecimento, conquistar marca, conquistar a atenção das pessoas, conquistar a atenção dos clientes e fomos conseguindo isso ao longo dos anos, e com muito sucesso creio.
Do ponto de vista mais pessoal, o principal desafio foi, ao longo do meu percurso de carreira, ir aprendendo com diferentes níveis de responsabilidade, até ser hoje o responsável da empresa em Portugal, a gerir pessoas super capazes, supertalentosas, algumas delas, com toda a certeza, mais capazes do que eu, mais talentosas do que eu. Conseguir gerir esse conjunto de pessoas e ter a sua confiança foi a principal tarefa, e também o principal ganho de competência individual no meu percurso profissional.
“Principal desafio ao longo da carreira foi ir aprendendo a gerir pessoas super capazes e talentosas, algumas delas, com toda a certeza, mais capazes e talentosas do que eu. Gerir esse conjunto de pessoas a ter a sua confiança foi a principal tarefa”
Como descreveria a sua visão para o negócio da NTT DATA e quais são os seus principais objetivos para a empresa?
A NTT DATA ocupa hoje em Portugal um espaço de coliderança do mercado de consultoria e tecnologias de informação em conjunto com outras empresas nossas concorrentes. Neste espaço o grande objetivo é continuar a crescer acima da média do mercado e afirmar cada vez mais esta condição de liderança. Mas isto não chega. A economia portuguesa tem a dimensão que tem, pequena, e nós desde a nossa operação em Portugal queremos ter um contributo para o grupo NTT DATA maior que apenas o volume de negócio que geramos localmente – temos a ambição de ter um peso que seja maior do que a nossa própria dimensão. Mesmo sendo uma multinacional em Portugal, também nós temos objetivos de exportação, como todas as empresas neste país. Temos talento connosco, na empresa em Portugal, e outro disponível e que é preciso atrair, que é muito diferenciado e reconhecido lá fora, para de facto termos um papel de maior responsabilidade dentro do grupo. Estamos a fazer este caminho pela criação de centros de excelência sobre determinados domínios de conhecimento sectorial e tecnológico, colocando esses centros de excelência ao serviço das outras operações internacionais NTT DATA. Temos hoje centros de excelência reconhecidos dentro do grupo a nível internacional em áreas tão diversas e abrangentes como sejam por exemplo Low Code Development, Data&Analytics, Cloud Services, Transformação Digital em Seguros, Soluções de Trading de Energia e outros. Tem sido um caminho de sucesso, mas que tem muito por onde evoluir e crescer.
“O ‘nós’ é o que conta, sendo o melhor exemplo disso o facto de que os bónus são calculados em função de resultados globais e não em função de resultados individuais”
Em paralelo e por outro lado há objetivos internos que são o alicerce de tudo. Sobretudo foco em preservar e acentuar esta cultura de empresa que já era muito diferencial há 20 anos e que, felizmente, hoje em dia, tem uma abrangência quase global em todas as organizações, o que é bom. Inclusive ao nível NTT DATA EMEAL (Europa, Médio Oriente e América Latina), a região onde se insere a NTT DATA Portugal, e da qual fazem parte diferentes empresas que foram adquiridas pela NTT DATA nos últimos anos, está em curso a disseminação de um novo marco cultural, que tem na base os princípios de liderança e fundamentos que já aplicávamos na everis. É uma grande conquista e a demonstração de que o nosso caminho neste campo era o certo. Refiro-me a uma cultura de preocupação com as pessoas, de que as pessoas estão no centro da organização, de solidariedade e em que partilhamos desafios e o “nós” é o que conta, sendo o melhor exemplo disso o facto de que os bónus são calculados em função de resultados globais e não em função de resultados individuais. É uma cultura de proximidade, que nos une, mas que não significa que tenhamos de ser todos iguais, significa sim que cada um pode ser aquilo que é, respeitando a diversidade e inclusão que nos caracteriza. Somos hoje e queremos continuar a ser uma empresa que não tem estereótipos – não existe o estereótipo do consultor NTT DATA e isso é uma coisa que a mim, pessoalmente, me preenche muito e que trabalho para que continue a ser assim. Neste campo não há tempo para relaxar e, mantendo os princípios e fundamentos, há que ir adaptando aos tempos do presente.
Como é que o mercado de tecnologia evoluiu ao longo desta década e meia anos e quais foram as mudanças que considera mais significativas?
Comecei a trabalhar um bocadinho depois do bug do ano 2000, que era assim uma coisa que ia ser catastrófica…o bug do ano 2000…. Parece-me que a principal diferença reside no próprio espaço que ocupa a tecnologia. A tecnologia e as tecnologias de informação estão hoje embebidas em tudo e já não são uma coisa de uma área de suporte. Hoje a tecnologia é o próprio negócio, é a própria organização e a própria atividade. Isso também acontece na nossa vida, de cada um.
“A tecnologia e as tecnologias de informação estão hoje embebidas em tudo e já não são uma coisa de uma área de suporte”
Não conseguimos viver sem estar conectados, não conseguimos imaginar o mundo sem poder fazer compras online, sem poder fazer o check-in de uma viagem de avião no telemóvel, sem usar um software de navegação quando andamos de carro – não sei se os meus filhos sabem usar um mapa de estradas… A tecnologia está embebida no nosso dia-a-dia e essa é a principal diferença. A tecnologia passou a estar embebida nas organizações, nos negócios, na nossa vida e há 20 anos ainda não era assim. Essa é a principal diferença, o que para uma organização como a nossa, cuja atividade são serviços de consultoria e de tecnologias de informação, é um privilégio, porque significa que temos um mar de oportunidades pela frente, para fazer crescer o nosso negócio, para aumentarmos o nosso impacto na sociedade. Eu digo algumas vezes, aqui na empresa, que nós temos de saber ser privilegiados. Temos de assumir que somos um conjunto de pessoas privilegiadas, porque trabalhamos num setor de atividade que não há forma de que não cresça, que não evolua, que não se desenvolva e é preciso ter essa consciência e ter essa responsabilidade também.
“Eu digo algumas vezes, aqui na empresa, que nós temos de saber ser privilegiados”
Na sua opinião, como é que Portugal se posiciona no setor tecnológico e quais são as vantagens e desvantagens competitivas do país?
A grande vantagem competitiva são as pessoas. O talento em Portugal, sobretudo o talento das áreas tecnológicas, deriva de uma aposta na formação e no reforço dos percursos académicos, que existem em Portugal. Esse reconhecimento é grande, eu sinto-o claramente no seio de uma multinacional. Creio que noutras empresas concorrentes isso se passa exatamente da mesma maneira, portanto, a nossa grande vantagem competitiva é o talento das pessoas e não podemos perder isso. Estamos a perder algum, com as pessoas que estão a sair do país. Temos de encontrar forma de que as pessoas cá dentro possam ser valorizadas e que possam também ter um reconhecimento económico mais próximo do que acontece nos restantes países da europa.
“A grande vantagem competitiva de Portugal é o talento das pessoas e não podemos perder isso. Estamos a perder algum, com as pessoas que estão a sair do país”.
A grande desvantagem competitiva é o tamanho do mercado. Nós na NTT DATA em Portugal, em número de colaboradores, somos menos de 1% dos colaboradores globais da NTT DATA, mas queremos que o nosso peso dentro do grupo seja muito superior a esse 1% do ponto de vista de impacto e essa deve ser, parece-me, a visão de todas as empresas em Portugal, sejam multinacionais ou empresas locais. Somos um mercado pequeno, mas temos muito talento, e precisamos de encontrar formas de ter impacto lá fora e utilizar esse talento. Este talento é tão grande que temos em Portugal empresas nativo-digitais de enorme sucesso, que são um êxito pelo talento das pessoas, portanto, é a prova provada de que é possível. É necessário ter foco, acreditar nisso e tentar segurar estas pessoas em Portugal, mas para as segurar, temos de nos expandir, temos de acrescentar valor lá fora e as pessoas têm de ter e sentir esse reconhecimento cá dentro.
“Somos um mercado pequeno, mas temos muito talento, e precisamos de encontrar formas de ter impacto lá fora e utilizar esse talento”
Vê-se como um exemplo de sucesso raro numa empresa tecnológica por ter começado como júnior e chegado à posição de CEO em tão curto espaço de tempo?
Eu assumo esse percurso, primeiro, com muito orgulho, mas também com muita humildade. É um caso de sucesso, sem dúvida. Mérito terei, sem falsas modéstias, porque acho que o tenho, mas também é preciso reconhecer que estas coisas acontecem com alguma sorte. É preciso que alguém aposte em nós ao longo do caminho e é preciso estar também algumas vezes no lugar certo no momento oportuno. Eu só sou hoje responsável da empresa em Portugal, porque o meu antecessor resolveu abraçar um novo desafio internacional dentro da companhia; deixou-me este espaço. Mas sim, parece-me um percurso de sucesso, um percurso positivo.
Nem toda a gente consegue chegar ao lugar de topo de uma organização, nesse sentido é raro, mas é um bom exemplo daquilo que não queremos que seja raro dentro da NTT DATA. Nós queremos que as pessoas evoluam, queremos que as pessoas cresçam, queremos que as pessoas andem para a frente. Creio que proporcionamos isso a todos os nossos colaboradores, no mínimo lutamos por isso todos os dias. Outros fizeram isso antes de mim e agora é minha missão continuar a fazê-lo.
“Queremos que as pessoas andem para a frente. Creio que proporcionamos isso a todos os nossos colaboradores, no mínimo lutamos por isso todos os dias. Outros fizeram isso antes de mim e agora é minha missão continuar a fazê-lo”.
Que conselhos daria aos profissionais que desejam progredir numa carreira tecnológica?
Todos os meses, tenho uma sessão de boas-vindas com todas as pessoas sem experiência que entraram na companhia. São consultores juniores, saídos das universidades ou dos programas de upskill ou de reskilling, e em todas estas sessões, que mais não são que conversas abertas, foco sempre este aspeto: nós queremos que cada pessoa influencie o seu caminho cá dentro, não podem ficar à espera que seja a organização a decidir o caminho delas, têm de ser as pessoas a decidir o seu caminho e para isso é preciso ter muita vontade de aprender e ter muita curiosidade, para mais num contexto tecnológico sempre em transformação e uma transformação muito rápida. Eu diria que são os dois fatores essenciais: ter muita curiosidade, muita vontade de entender aquilo que ainda não conhecemos, de experimentar coisas que ainda não experimentámos, de trabalhar em contextos em que ainda não trabalhámos até à data, de sairmos da nossa zona de conforto.
“Queremos que cada pessoa influencie o seu caminho cá dentro, não podem ficar à espera que seja a organização a decidir o caminho delas”
O que é mais importante para conseguir evidenciar-se num setor tão competitivo como este?
Sem conhecimento e competência é impossível, e deste ponto de vista, num mercado tão competitivo e tão exponencial e de tecnologias emergentes como o que temos hoje, a capacidade de adaptação é fundamental. Ter uma capacidade extrema de estar atento àquilo que é a realidade, que está a evoluir a um ritmo frenético e ter a capacidade de nos adaptarmos e de internamente mudar a forma como estamos organizados, incorporar novas competências, novas capacidades, estudar novas tecnologias e de as aprender é chave. Temos de ter ciclos mais curtos de adaptação e isso é um esforço tremendo, mas, se o mundo evolui a um ritmo muito acelerado, nós temos de acompanhar ou ficamos para trás. Mas, na verdade, esta é uma realidade comum a todas as organizações do setor, ou têm conhecimento, competência e capacidade de adaptação, ou morrem e, neste sentido, para se evidenciarem, é preciso algo mais, é preciso que o comportamento das pessoas e das lideranças se paute por uma cultura comum, que sirva de alinhamento entre todos e sirva o propósito da organização, e, nesse âmbito, diria que há três pilares que para nós são fundamentais: coerência, transparência e generosidade. Estes três eixos aplicam-se tanto à nossa relação com clientes, como à relação com os nossos parceiros, como à relação com as nossas pessoas. No caso das pessoas, ser muito coerente com aquilo que é a nossa forma de estar, no dia-a-dia, não dizer uma coisa e fazer a outra, ser generoso naquilo que é dar a oportunidade às pessoas para falharem, dar a oportunidade para as pessoas crescerem, porque num contexto desta natureza elas vão libertar-se e vão ter mais capacidade para exponenciar aquilo que é o seu talento – o talento elas já o têm. Do ponto de vista da relação com os nossos clientes e com os parceiros, a mesma coisa, ou seja, ser muito coerente com aquilo que se diz, ser coerente com aquilo que se faz, não se prometer aquilo que não se é capaz de fazer, quando se falha saber reconhecer que se falhou, construir relações de compromisso e relações solidárias em prol de objetivos comuns. Para isso, ser coerente, transparente e generoso, eu diria que são os principais fatores para uma empresa, uma organização conseguir ter sucesso.
Como analisa o surgimento das start-ups e o seu impacto no setor tecnológico estabelecido? Como é que as empresas estabelecidas tiveram que reagir a esse fenómeno?
Como algo positivo. Nós na NTT DATA nunca vimos as start-ups como uma ameaça. Vimos as start-ups como algo que faz parte deste ecossistema. Tanto assim é que, desde o aparecimento do fenómeno das start-ups, aquilo que procurámos fazer foi colaborar. E até mais do que colaborar, ajudar com os nossos meios e conhecimento. Na NTT DATA há muito anos que apoiamos o empreendedorismo com um prémio anual global, que todos os anos é divulgado em Portugal, exatamente para apoiar start-ups (os eAwards – uma iniciativa global da Fundação NTT DATA, que tem mais de 20 anos), e cujo apoio se traduz no robustecimento dos planos de negócio das empresas participantes, mas também de financiamento a fundo perdido, networking, e relações de parceria sempre que faça sentido do ponto de vista de negócio conjunto.
“Desde o aparecimento do fenómeno das start-ups, aquilo que procurámos fazer foi colaborar. E até mais do que colaborar, ajudar com os nossos meios e conhecimento”
A nossa visão enquanto empresa é de não estamos sozinhos no mundo, nem queremos estar. Vivemos num ecossistema e temos de saber colaborar nesse ecossistema e não vemos o surgimento de uma nova start-up ou de uma empresa de tecnologia, ou do que seja, como uma ameaça. No limite, aumenta-nos a responsabilidade de continuarmos a inovar, continuarmos a progredir, e isso é benéfico, caso contrário perderemos valor.
Quais são as metas de carreira que pretende alcançar após ter atingido o cargo de CEO em Portugal tão depressa?
Eu nunca fiz planos de carreira. Fui navegando com alegria nos níveis de responsabilidade que fui tendo e acho que também com a dose certa de receio, que é natural e faz falta para estarmos mais alerta e sermos mais capazes. Sempre fui muito ambicioso, muito mesmo acho, na procura de espaços para fazer coisas que ainda não tinha feito, para evoluir, para aprender, caso contrário também não teria tido as oportunidades que tive, mas nunca fiz planos de carreira. Tenho consciência de que este lugar não é eterno, não faz sentido. Haverei de estar aqui por mais alguns anos e depois haverá alguém que me irá substituir, isso faz parte e é preciso dar espaço a outras formas de pensar para as organizações evoluírem. Isso é natural, mas não estou preocupado com o que vier a seguir. Posso ter oportunidades dentro do Grupo NTT DATA, posso ir fazer outra coisa qualquer que não tem nada a ver com consultoria, quem sabe, poder partilhar com outros o que aprendi… Não é uma coisa na qual pense no dia-a-dia. Tenho muito claro que há um tempo para ser responsável pela empresa em Portugal e que esse tempo terá um fim. O que é que irei fazer a seguir, hei de fazer alguma coisa que me preencha, certamente.
“Haverei de estar aqui por mais alguns anos e depois haverá alguém que me irá substituir, isso faz parte e é preciso dar espaço a outras formas de pensar para as organizações evoluírem”
O que é que fez com que conseguisse essa ascensão tão rápida? O que é que tornou isso possível?
Acho que sempre fui muito humilde e muito confiante ao mesmo tempo. Pode parecer um paradoxo…, mas muita curiosidade, muita vontade de aprender, muita capacidade de reconhecer quando é que não estava a fazer alguma coisa bem, e ter aprendido com isso, mas muita confiança naquilo que eram as minhas convicções, a minha forma de pensar e depois alguma sorte, como disse há pouco. É preciso estar no lugar certo à hora certa. Por outro lado, e ao longo deste percurso, acabei por ter inúmeros desafios distintos. Como consultor fiz desde projetos de estratégia até projetos de desenvolvimento de aplicações e em contextos organizacionais muito diferentes, como Diretor e depois como Partner fui responsável por áreas muito distintas e em modelos de colaboração internacional, como a de consultoria de negócio, de desenvolvimento do negócio internacional desde Portugal ou do setor de negócio de energia e utilities. Enfim, a curiosidade e vontade de aprender e a confiança também me levaram a experienciar muitos e diversos contextos o que acaba por ser fundamental para quem fez o seu percurso sempre na mesma empresa.
Quais são os fatores preponderantes que levam um funcionário a optar por permanecer numa empresa tecnológica, com base na sua própria história pessoal?
As pessoas permanecem numa empresa, porque se reveem na cultura e num projeto coletivo que se adapte às suas ambições individuais. Claro que há condições de retribuição que são essenciais garantir, sobretudo num mercado supercompetitivo como aquele onde atuamos, mas isso é uma base e não o que faz verdadeiramente a diferença. Temos pessoas que atraímos porque vêm ganhar mais, temos pessoas que saem para ganhar mais, mas temos ainda mais pessoas que se querem juntar a nós pelo que já conhecem desde fora, pessoas que não saem mesmo perante propostas financeiras mais vantajosas ou outras ainda que regressam perdendo até liquidez. E isso acontece porque aqui se sentem bem e porque acreditam no nosso projeto coletivo.
“As pessoas permanecem numa empresa, porque se reveem na cultura e num projeto coletivo que se adapte às suas ambições individuais”
O principal fator, para mim, é a cultura e as pessoas reverem-se nos valores e princípios da empresa. Identifico-me e gosto muito da cultura da NTT DATA. Não tenho a visão de que exista uma cultura que garanta sucesso à partida, há culturas distintas, há empresas tecnológicas com culturas semelhantes à nossa e há outras com uma forma de estar se calhar mais hierarquizada e mais rígida e ambas podem ter sucesso. O que considero fundamental é que se assuma uma cultura e se seja coerente com essa postura no dia-a-dia. Por outro lado, parece-me também importante destacar as perspetivas de evolução de cada pessoa e a adaptabilidade da própria organização face a essas expectativas individuais. Essa é uma preocupação que temos na NTT DATA, de não ter um modelo único de progressão e de evolução, mas “n”. Temos uma latitude muito abrangente de possíveis modelos de evolução, até porque as pessoas têm perfis e expectativas diferentes e é importante adequar a progressão de cada um à sua própria ambição, acompanhando-a naturalmente de uma evolução também do ponto de vista da remuneração. A chave está em casar toda essa diversidade de perfis e expectativas. E uma organização que tenha uma cultura forte, que seja muito coerente no dia-a-dia com essa cultura, seja ela qual for, e que consiga ter esta adaptabilidade para perfis diferentes e níveis distintos de ambição e de progressão profissional dos colaboradores, certamente terá mais capacidade de reter e de atrair talento.
“É importante destacar as perspetivas de evolução de cada pessoa e a adaptabilidade da própria organização face a essas expectativas individuais. Essa é uma preocupação que temos na NTT DATA”
Quais são as estratégias que adota para manter a equipa motivada e comprometida na NTT DATA?
Tenho a sorte de liderar uma empresa de gente altamente qualificada e com talento extraordinário e essas pessoas não é preciso motivá-las, são motivadas por natureza, são ambiciosas, querem fazer coisas, querem fazer acontecer, e, portanto, a principal estratégia da empresa tem de ser a de criar um projeto coletivo com o qual as pessoas se identifiquem, a par de criar um ambiente onde se sintam bem. O objetivo é garantir que as pessoas não se desmotivam porque motivadas estão por natureza. Esta ideia simples ouvi-a várias vezes na palavra do fundador da empresa em Portugal. Se calhar, nas primeiras vezes que ouvi, não concordei com ele, mas hoje concordo em absoluto. Liderar uma empresa de pessoas com enorme talento como a NTT DATA passa sobretudo por criar condições para que elas continuem motivadas e criar um contexto de trabalho em que se sintam alegres, apaixonadas por aquilo que fazem, felizes por fazerem parte deste projeto coletivo, satisfeitas por virem, atualmente nem todos os dias, mas com regularidade aos escritórios da empresa, orgulhosas pelo seu trabalho e pelos sucessos dos colegas. Parece uma coisa simples, mas dá muito trabalho e é uma preocupação do dia-a-dia. Não é uma preocupação que se tem à segunda-feira, é uma preocupação que se tem permanentemente em todas as decisões, em todas as atitudes, em todas as políticas internas, enfim, em todas as opções que tomamos. Este é o nosso principal fator de decisão, o primeiro fator de avaliação de uma determinada mudança, de uma oportunidade de negócio, é sempre ponderar o que vai provocar nas pessoas e no projeto de empresa que temos.
“O objetivo é garantir que as pessoas não se desmotivam porque motivadas estão por natureza. Esta ideia simples ouvi-a várias vezes na palavra do fundador da empresa em Portugal”
Como lidou com os desafios trazidos pelo aparecimento da COVID-19, assumindo o cargo de CEO apenas um mês após o início da pandemia?
Assumi o cargo em março de 2020. O nosso ano fiscal começa em abril e era suposto assumir a responsabilidade de CEO nessa altura, mas tivemos de antecipar a mudança, exatamente por causa da pandemia, porque o meu antecessor, que ocupou um cargo de responsabilidade a nível internacional, ficou retido no país onde estava e, portanto, criou-se aqui um vazio e não fazia sentido que, numa altura tão complicada, o Miguel Teixeira estivesse a liderar a companhia à distância e antecipou-se a mudança. Este episódio é só ilustrativo da turbulência que todos vivemos e sim, foi um desafio tremendo. Assumir uma companhia naquelas circunstâncias…. Tenho a sorte de conhecer muito bem a empresa, manteve-se, ainda que com ajustes, uma equipa de gestão extraordinariamente capaz, e isso foram fatores decisivos. Outro fator decisivo, que experienciámos na NTT DATA, mas que acho que foi comum a nível global, todas as pessoas se empenharam muitíssimo e ficaram imbuídas de um grande espírito de entreajuda, de companheirismo, de um espírito diferente do que, se calhar, em termos de sociedade, alguma vez vimos e isso, de facto, foi um grande catalisador para enfrentar as dificuldades que tivemos durante esse período, sobretudo, as dificuldades iniciais de adaptação, de reorganização, enfim, de reconstrução de formas de trabalhar. Diria que esses foram os fatores fundamentais para me ajudar a ultrapassar esse período. O outro foi ter muito a consciência da necessidade de estar atento a tudo o que passava internamente e no contexto, e de assumir a tomada de decisões de forma muito rápida e algumas vezes reequacionando decisões recentes. Em resumo, conhecer muito bem a empresa, o espírito de compromisso, de entreajuda e resiliência das pessoas e esta visão de que… ok, é um período em que vou estar todos os dias a mudar coisas e tenho de conviver bem com isso. Tive também a sorte, e este aspeto foi fundamental, de muito suporte e compreensão familiar numa altura em que me dediquei muitíssimo à minha atividade profissional. Não me posso esquecer deste aspeto quando me perguntam por esse período.
Passado este tempo, tenho de reconhecer que foi um período de muita resiliência, muito empenho, muito compromisso e isso teve alguns custos para as pessoas e posso dizer que, por exemplo, a meio da pandemia, no segundo confinamento, fiz uma reunião geral online em que disse a todos os colaboradores que a empresa estava muito comprometida com eles, que eles tinham de estar muito comprometidos com a empresa, mas que se calhar devíamos todos trabalhar um bocadinho menos, porque nos estávamos a autodestruir individualmente e que isso não fazia sentido. Pode parecer um paradoxo. Foi aquilo que interiormente achei que devia fazer como responsável e foi aquilo que disse a todos nessa altura. Acho que é demonstrativo da necessidade de estar permanentemente atento, e de tomar decisões completamente distintas daquelas que eram a norma, digamos assim.
“No segundo confinamento, fiz uma reunião geral online em que disse a todos os colaboradores que a empresa estava muito comprometida com eles, que eles tinham de estar muito comprometidos com a empresa, mas que se calhar devíamos todos trabalhar um bocadinho menos, porque nos estávamos a autodestruir individualmente e que isso não fazia sentido”
Como é que vê o impacto da inteligência artificial e da automação no setor de tecnologia e nos empregos existentes?
Com entusiasmo! Como sociedade temos sempre o receio de que a tecnologia vai estragar qualquer coisa… A tecnologia não destrói nada, a tecnologia ajuda sempre a construir, a evoluir e a andar para a frente, portanto, entendo como positivo este fenómeno da inteligência artificial e sobretudo da inteligência artificial generativa, que é aquilo que nos chegou a todos, nos últimos meses, muito depressa, com todas estas plataformas, o ChatGPT, agora o Bard e outras. Vejo tudo isto com muito entusiasmo, porque abre portas novas, e, sim, há empregos que vão mudar, mas há outros que vão aparecer. A história sempre foi assim. A evolução tecnológica, do meu ponto de vista, é sempre boa, temos é de a saber aproveitar para criar um mundo mais equilibrado, do ponto de vista social, do ponto de vista económico, do ponto de vista ambiental. E não é só a inteligência artificial, há uma panóplia grande de tecnologias que estão a ganhar maturidade em simultâneo, como sejam a cloud, a Internet of Things, a realidade aumentada e virtual, o 5G, a computação quântica….
“Vejo tudo isto com muito entusiasmo, porque abre portas novas, e, sim, há empregos que vão mudar, mas há outros que vão aparecer. A história sempre foi assim”
Estamos a viver um momento de grande transformação. Só teremos essa consciência um pouco mais à frente, porque provavelmente estamos num processo de viragem tão grande quanto aquele de há duas décadas com a conectividade massiva, com os telemóveis e com a internet, ou como outro de há quarenta anos com a disseminação dos computadores pessoais. Podemos estar exatamente num ponto de disrupção e, portanto, só posso estar entusiasmado, com vontade de que as coisas avancem e com a expectativa de que saibamos utilizar toda essa inovação em prol, como disse, de um mundo mais justo, mais equilibrado, tanto do ponto de vista social, como do ponto de vista económico e ambiental.
Que principais dificuldades é que as empresas tecnológicas enfrentam atualmente e como pretende superá-las na NTT DATA?
A NTT DATA é uma empresa de serviços, não somos uma empresa de produto, não desenvolvemos produtos, prestamos serviços de consultoria e serviços de tecnologias de informação, portanto, o nosso principal desafio é acompanhar a evolução da tecnologia e estar sempre na vanguarda da tecnologia. Isto requer uma adaptação e investimento constantes na incorporação de novas capacidades e novas competências na companhia, tendencialmente “cinco minutos” à frente do mercado, porque é isso que depois nos distingue. Em complemento, outro grande desafio é a falta de talento e como lidar como o gap de pessoas qualificadas nos domínios tecnológicos, que hoje já é muito grande e que se estima que seja muito maior no futuro. Esses são os dois principais desafios e que estão muito interrelacionados. Para o primeiro, é essencial que a organização esteja estruturada para estar constantemente atenta, a estudar as novas tecnologias, em contacto com o meio de investigação, globalmente em todo o universo NTT DATA e também em Portugal com estruturas que se alinham e estão em permanente contacto internacional. No fundo, estar na vanguarda tecnológica e com uma agilidade de adaptação interna para conseguir incorporar todas as novidades e inovações, garantindo que estamos aptos a prestar serviços diferenciais aos nossos clientes. Do ponto de vista do talento, as empresas – e nós já assumimos isso e temos de o acentuar ainda mais no futuro – para além de serem empregadoras, também têm de ser formadoras, portanto, temos de assumir o papel de formar pessoas, requalificar pessoas, investir muito na formação, seja em parceria com Universidades ou Politécnicos, seja por nossa própria iniciativa e este é um papel que as empresas, neste domínio, têm de assumir. Devem estar cientes que além de empregadoras, também faz parte do seu negócio formar, qualificar e capacitar para aquilo que são os domínios tecnológicos.
Quais são os próximos passos e planos de crescimento para a NTT DATA no curto e longo prazo?
A NTT DATA Portugal está enquadrada na região EMEAL, onde está definido um plano estratégico com horizonte temporal até 2025 e que colocou em marcha um ambicioso projeto de desenvolvimento e crescimento com o objetivo de duplicar o volume de negócios até ao final desse período. Estamos mais ou menos a meio do período do plano estratégico e em Portugal estamos acima das metas definidas com crescimentos médios anuais superiores a 15% e acima da média do mercado. Queremos manter esta tendência e superar os objetivos que foram definidos. O mercado de Consultoria e Tecnologias de Informação em Portugal é cerca de 1% do mercado total na região EMEAL, mas dentro do grupo queremos representar muito mais. Já representamos acima dos 2% e é um caminho que queremos continuar a percorrer, que para além do orgulho que gera, é uma forma de abrir possibilidades internas de crescimento para as nossas pessoas em Portugal. Para isto temos de trabalhar com enorme compromisso todos dias no sentido de reforçar a confiança dos nossos colaboradores e do mercado de Talento no que é a cultura e o projeto coletivo NTT DATA e também no sentido de acentuar a confiança que os clientes e parceiros nos depositam.