O primeiro vinho engarrafado do mundo foi produzido em 1679, em Portugal, na Madeira. Com cerca de quatro séculos de história, este é um sector que sempre viveu de tradições, de memórias, de hábitos intrincados.
Nos vinhos em Portugal não entrava quem queria, mas quem produtores e especialistas deixavam. Compravam-se os melhores guias anuais, que indicavam que vinhos deviam acompanhar cada prato, e esperava-se ansiosamente pelos prémios chegados das centenas de concursos internacionais em redor do mundo.
Passavam-se os olhos por fichas técnicas que só os mais entendidos compreendiam, e apostava-se em comprar os melhores vinhos daquela região particular, porque alguém dizia que era a melhor. Era irrelevante se se gostava do vinho ou não, e jamais se diria perto de um especialista que não apreciávamos um vinho medalhado.
Há uns anos tudo começou a mudar. Os velhos deram lugar aos novos, as gerações mais recentes mudaram o paradigma, dentro e fora do sector, os amantes da tecnologia – sobretudo os que gostavam de beber – quiseram juntar o útil ao agradável: a tradição à modernidade, a História à indústria 4.0, a abundância do sector primário à possibilidade de fazer dinheiro.
Foram-se multiplicando as ideias, as parcerias e as estratégias para responder a consumidores, também eles, diferentes. Os vinhos portugueses passaram a ser menos conservadores, no sabor e na imagem; os consumidores passaram a ser mais confiantes.
As características de um vinho deixaram de ser um assunto de elite e democratizou-se o consumo de produtos de muita qualidade – muitos sempre existiram, mas não chegavam ao grande público. Nasceram novas marcas, novos produtores, novos enólogos. Mas, acima de tudo, nasceu uma forma diferente de olhar para as vinhas.
Um novo mundo
O sector primário voltou a ganhar importância – os jovens regressam aos campos, “mas agora com um olhar globalizado, sabendo o que procura o mercado, e com o patamar de excelência do mercado internacional” no horizonte, explica Jorge Monteiro, presidente da ViniPortugal, à FORBES.
Perde importância a agricultura económica, continua a ganhar relevo a verticalização a que a actividade assiste desde os anos 1990. Os novos produtores e enólogos são mais exigentes e afoitos, e contam agora com a ajuda de técnicas inovadoras a que Portugal ainda não estava habituado. No entanto, avisa Jorge, as novas gerações “não expulsam o antigo viticultor”.
A sucessão é orgânica, e as vantagens estão à vista: Portugal ganhou terreno nos vinhos de mesa, que representam já dois terços das vendas no mercado extra-europeu.
“Não é certo que isso resolva os problemas ao nível do abandono dos solos”, diz o responsável, chamando a atenção para a crescente atenção dada ao retorno financeiro. E alerta: os preços dos vinhos nacionais vão ter que subir, para acompanhar o padrão de excelência a que estão a habituar o mercado.
José Telles, director-geral da Niepoort, está alinhado com este pensamento, e acredita que o preço começa, aliás, a ser um dos problemas do sector. “O que nos prejudica lá fora é o facto de ser expectável um vinho português ser barato”, diz à FORBES.
“E quando nós abrimos as nossas tabelas de preços, dizem: ‘isto é muito caro’”, nota, referindo-se aos vinhos produzidos na sua quinta e nas dos seus outros colegas da Douro Boys (ver caixa). “Nós somos muito baratos no mundo. Em Portugal, se calhar somos ligeiramente mais caros do que a média. Para remunerar o investimento e os custos que nós temos, ainda teríamos de vender mais caro”.
Seja como for, novos e velhos têm trabalhado juntos em prol de um sector que exporta metade do que produz – cerca de 2% da produção mundial de vinhos – e em comum têm o gosto por uma bebida tão antiga quanto a memória permite alcançar.
Portugal tem ganhado novos mercados e consumidores e Jorge acredita que em quatro ou cinco anos vai ser possível superar a barreira dos mil milhões de euros em exportações. Sem pressas, porque mais vale produzir em qualidade do que em quantidade, avisa o especialista.
A contribuir para as contas – e este ano as exportações deverão subir para perto dos 800 milhões de euros – têm estado, além da boa matéria-prima, alguns projectos que mudaram a forma de comunicar e vender o vinho nacional.