A placa que indica o resto do caminho, assim que entramos na aldeia de São Bartolomeu, é pequena. Tão pequena que quase nos passava despercebida. Viramos no cruzamento da igreja e enquanto procuramos pela entrada de um resort luxuoso no meio do campo, damos de caras com o portão de ferro.
Na placa, o nome que confirma estarmos no sítio certo: Companhia das Culturas. Paramos o carro enquanto procuramos com os olhos o parque de estacionamento – que não existe – e o termómetro marca 28 graus em pleno mês de Abril. Estacionamos debaixo da árvore mais próxima e tocamos à campainha.
Quando entramos, é uma casa agrícola típica que nos salta à vista: conseguimos imaginar as debulhadoras, os lagares, os tractores que por ali andaram. Os antigos currais, vacarias e abrigos para morais são agora quartos, sala, biblioteca, restaurante e espaços de convívio. Espaços que, pelas mãos do arquitecto Pedro Ressano Garcia, mantiveram grandes pedaços de histórias enquanto se transformaram em confortáveis locais de descanso.
A primeira coisa de que nos apercebemos é do silêncio. Na Companhia das Culturas não há televisões ou música ambiente: só os sons do campo e, claro, das pessoas que por ali vagueiam.
Ao fundo ouvimos os barulhos de uma vila em movimento misturados com o chilrear dos pássaros, o cacarejar das galinhas, o zumbido dos mosquitos em azáfama contra o calor. E depois chega Eglantina Monteiro, antropóloga e artista, dona deste “anti-resort”, como lhe chama, que criou com o marido numa tentativa de regressar às origens e de preservar a história da família de Francisco Palma Dias.
Recebe-nos de braços abertos e com um sorriso tão quente quanto o sol, com inúmeras histórias que durante três dias não param de nos surpreender.
Conta-nos como os figos nascem ali e as oliveiras estão plantadas acolá. Aponta-nos os pastos que ela e Francisco puseram nas mãos de pastores da terra para que criem os seus rebanhos – é de lá que vem a carne consumida na Companhia das Culturas – e como os alperces “que vamos comer ao pequeno-almoço” já estão docinhos.
Mostra-nos os caminhos que levam às outras herdades, ao centro da aldeia e ao antigo ovil, onde agora nasceram quatro apartamentos que também pertencem ao projecto. Um deles, aliás, era o antigo lagar de azeite – que a herdade ainda produz.
Colado, num branco alvo, ergue-se o hamam (banho turco) feito com mármores de Vila Viçosa e materiais reaproveitados da herdade: os tubos de gás são agora roupeiros, os cortinados foram feitos de antigas sacas de farinha e os cochos de cortiça substituem as tradicionais taças de cobre usadas na zona dos vapores.
Aposta local desacelera o tempo
Todos os óleos essenciais usados nas massagens são produzidos com plantas da serra de entre Mértola e Alcoutim, e o espaço está aberto ao público – na verdade, dificilmente se percebe que o hamam é pertença da Companhia das Culturas.
Aqui não há grandes muros ou vedações a cortar relações. A ideia é, pelo contrário, unir as pessoas. “Fazê-las perceber que, se todos cuidarmos do que é nosso, todos ganhamos”, atira Eglantina enquanto nos leva pelas ruas da aldeia até à casa de Rita, a fiel guardadora das galinhas poedeiras dos ovos que comemos há pouco.
À mesa do almoço, preparado com esmero por Francisco Palma Dias – mentor dos idos restaurantes Terraço do Finisterra, em Lisboa, e Le Paradoxe, em Bruxelas – temos sopa de plantas ruderais (urtigas, dente-de-leão e cardos), acelgas marinadas em azeite e limão, favas marinadas em azeite e limão com presunto de porco alimentado a bolota e ainda silarca com talas de alcachofra confitadas em azeite.
Os produtos são todos da herdade ou da vizinhança, e cada prato vem com uma verdadeira aula de História sobre a dieta mediterrânica e sobre os alimentos que, parecendo estranhos, eram tão naturais à mesa, há algumas décadas. É este também um dos objectivos de Francisco e Eglantina: passar a mensagem de que é preciso ter um estilo de vida sustentável que permita maior qualidade e correcto aproveitamento de recursos.
Potenciar o que a região tem de melhor, mostrando que é possível fazer mais com menos. Multiplicaram-se os passeios pelo meio do campo, descemos até à Praia Verde, tivemos uma aula de botânica pelo meio e no final ainda houve tempo para molhar os pés na piscina de água salgada com sal de Castro Marim.
Para melhorar a experiência, vale a pena passar pela Cork Box, que em tempos guardou a máquina debulhadora. Hoje é uma sala escura, forrada a cortiça, com lâmpadas caídas do tecto que mais parecem estrelas. Aqui há aulas de yoga, tai-chi, pilates ou dança, silêncio ou então há…nada.
É um espaço guardado para a meditação, para o silêncio interior. Para aquele desacelerar tão difícil nas grandes cidades. Na Companhia das Culturas o tempo, pouco medido, parece andar mais devagar. O pequeno-almoço estende-se até às 12h, o almoço serve-se até meio da tarde. Não há relógios e também não há Internet nos quartos.
O mote é relaxar, aproveitar os ares do campo e nós atiramos mais um desafio: vá conhecer os habitantes daquela aldeia que rodeia a Companhia das Culturas e que fazem dela um lugar tão diferente para passar uns dias.