Quando o elevador se abre, ao chegarmos ao 9.º andar do edifício sede da antiga Bolsa de Valores de Lisboa, procuramos o lote “A”. A numeração indica “IX A”.
Hesitamos pois a porta está escancarada. Ao invés das outras. Aliás, num relance até parece que nem porta há. Espreitamos e vemos um logo da Muzzley, hoje Habit.
À medida que entramos não é só a “falta de porta” a marcar a diferença. Além de um open space, há legos, tartarugas ninja, uma velha TV, um joystick antigo, um Spectrum e dois insufláveis – um canguru e uma zebra. Há ainda doces à disposição num ambiente com luz natural e vista panorâmica sobre Lisboa. Quase tudo como no primeiro dia, excepto o nome e os clientes-alvo.
É naquela atmosfera informal, ao estilo da Google, que Domingos Bruges e Sasha Dewitt nos recebem. São os rostos da Habit, uma tecnológica focada na Internet das Coisas (Internet of Things – IoT).
Ele é português e presidente-executivo; ela americana e responsável pelo departamento de operações. Ambos fundadores da Habit.
E, afinal, onde se encaixa a Muzzley? “Houve um rebranding e hoje não somos Muzzley. Somos Habit”, diz Domingos Bruges (37 anos) que esclarece que a Muzzley ainda existe como produto da Habit.
O rebranding não se deveu, todavia, a uma acção de marketing. Implicou uma alteração do foco da empresa: “A Muzzley foi fundada em 2013 como empresa de IoT, para B2C. Estávamos direccionados para pessoas com casas e veículos inteligentes ou animais com coleiras de tracking. Mas o espaço B2C nesta área tornou-se competitivo e não tínhamos mercado”, explica Domingos.
“Houve um rebranding e hoje não somos Muzzley. Somos Habit”, diz Domingos Bruges, que esclarece que a Muzzley ainda existe como produto da Habit.
A empresa passa então por uma transformação que o leva a rumar a Nova Iorque ao programa de aceleração de start-ups, Techstars. Aí conhece Sasha Dewitt, neurocientista de 30 anos que, na altura, trabalhava numa empresa de tecnologia de informação da saúde. É no seio da Techstars que é decidido usar o mesmo produto, mas identificar uma indústria e reorganizar a estrutura de investidores. “Mudámos de marca e passámos de Muzzley para Habit Analytics”, diz.
Assim, a Muzzley, que em B2C não estava a vingar, passa a Habit, para B2B. A transformação dá-se em meados de 2016, ainda que o nome de Habit só surja em Março de 2018. Com esta alteração, a empresa passou de vendas próximas do zero para cash flow positivo.
Refazer tudo
No arranque, a Muzzley teve como investidores a Portugal Ventures e a Espírito Santos Ventures, começando com perto de 4,5 milhões de euros. Para o processo de reestruturação, os dois empreendedores realizaram uma ronda de investimento, em Abril de 2018.
A Habit adquiriu a Muzzley e os dois fundadores compraram a participações da Espírito Santo Ventures e da Portugal Ventures na empresa. Além de Domingos e Sasha, ficaram como accionistas da start-up portuguesa um family office de Nova Iorque (grupo de seis investidores individuais), a FundersClub (de Silicon Valley) e três investidores nacionais: Bright Pixel (grupo Sonae), Novabase e BiG Start Ventures. “Mantivemos a Muzzley para designar a plataforma de IoT de conectividade com os aparelhos”, aponta Sasha.
E se enquanto Muzzley era uma aplicação (app) para o consumidor automatizar a casa, a Habit virou-se para as seguradoras. “Fazemos o mesmo, mas na perspectiva das empresas. Ajudamos as seguradoras a criar novos serviços”, declara Domingos.
Entre essas valências estão serviços de assistência a idosos e à casa. No cuidado a seniores, a seguradora pode colocar uma solução de monitorização na casa do idoso, em que percebe, pelos consumos eléctricos, se a pessoa está acordada ou não. “Quando este comportamento sai do padrão, enviamos alarmes que chegam à seguradora que liga a um familiar ou à própria pessoa para saber se está bem”, explica Domingos.
E se enquanto Muzzley era uma aplicação para o consumidor automatizar a casa, a Habit virou-se para as seguradoras.
Tudo via dispositivos inteligentes que monitorizam as funções da habitação, desde um alarme a uma fuga de água.
“Os nossos clientes, as seguradoras, contactam o cliente final, o consumidor, informam-no do que se passa e enviam assistência”, refere o líder da Habit, acrescentando que “estamos a ajudar a seguradora a ter mais pontos de contacto com o cliente, além dos tradicionais ‘pontos de dor’, o da cobrança e da gestão de incidentes. Fazemos com que a seguradora saiba, remotamente, que a pilha do alarme da casa está a acabar e envie uma pilha gratuita a dizer: tem aqui uma nova, queremos protegê-lo”. Outro dado: “Mantemos operacional a app gratuita da Muzzley, pois o seu uso gera dados que nos permitem afinar os algoritmos para melhorarmos os serviços que apresentamos às seguradoras”, refere Domingos.
Segundo o presidente-executivo da empresa, formado em Engenharia de Telecomunicações, uma lâmpada que se pode controlar com um telefone “é um dispositivo de vaidade. Mas quando associamos a lâmpada a um serviço, de assistência a casa, de simulação de presença para reduzir a possibilidade de intrusão, ou emergência, que acrescenta valor, as pessoas dão utilidade ao equipamento”.
Um passo de cada vez
Sobre os clientes, Domingos e Sasha não revelam tudo, até porque há parcerias em análise, incluindo um grupo de três empresas grandes e de cujo teste-piloto sairá uma marca a meio de 2019, a lançar em Portugal.
Ainda assim, adiantam que trabalham, para já, mais com grupos internacionais, como é o caso da seguradora Allianz. Em Portugal, a empresa está ainda a dar os primeiros passos.
Um caminho possível para ganhar tracção por cá poderá passar por um namoro junto de grupos seguradores a operar em Portugal que estejam a procurar criar marcas para um serviço, em IoT. E a Habit pode estar por trás. Mas até que se concretize algo em concreto, ainda será preciso um longo caminho.
Ainda que a sede da Habit seja em Nova Iorque, o cérebro é em Lisboa. É aqui que está a equipa de desenvolvimento: 16 colaboradores, de cinco nacionalidades.
A ideia da empresa surge em 2013, quando Domingos e Eduardo Pinheiro (ao tempo co-fundador da Muzzley, que saiu aquando do reposicionamento da firma) viam televisão. “A experiência de carregar no botão da box e ter de esperar não era a melhor. Pensámos que havia espaço para criar uma melhor experiência. A relação entre pessoas e máquinas pode melhorar. Assim nasce a Muzzley como plataforma que liga pessoas a dispositivos”, recorda Domingos.
Ainda que a sede da Habit seja em Nova Iorque, o cérebro é em Lisboa. É aqui que está a equipa de desenvolvimento: 16 colaboradores, de cinco nacionalidades.
“Não produzimos ou vendemos lâmpadas ou sensores. Garantimos que o nosso software de IoT é compatível com esses produtos”, diz Domingos.
No espólio de produtos da Habit está também a engenharia de suporte ao produto. Quando estas soluções estão em casa do cliente, analisam dados que se traduzem em indicadores de risco. “Quando dizemos à seguradora: 3% dos vossos clientes têm este comportamento ou 3% têm animais de estimação ou conduzem de modo agressivo, permite às seguradoras promover condutas mais seguras”, salienta Domingos.
Esta informação gera enormes oportunidade de negócio aos seus clientes, pois, ao saber que alguém tem animais, a seguradora pode apresentar um seguro específico. Com os dados recolhidos, a Habit influencia o modelo de cálculo dos prémios.
Enquanto equipa, Domingos e Sasha admiram “não quem inventa coisas novas, mas quem tem a capacidade de as massificar na rua. A invenção é interessante, mas metê-la em 10 milhões de pessoas é mais”.
E é isso que vocês querem, perguntamos? “Queremos massificar o acesso e o controlo dos dados para benefício de todos”, diz Domingos.