É no Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL) que se recebem, compram, vendem e partem para centenas de estabelecimentos da região a esmagadora maioria dos produtos agro-alimentares e de peixe fresco produzidos no distrito.
A partir das 17h, a azáfama nos 101 hectares de armazéns intensifica-se, num labor dura até de madrugada, hora a que o movimento começa a abrandar depois da chegada do pescado. Mas mesmo durante a noite já mais avançada, esta infra-estrutura detida pelo Estado nunca pára.
Quem lidera a empresa gestora do MARL e dos Centros Logísticos do Minho, Alentejo e Algarve é Rui Paulo Figueiredo, que faz o balanço dos últimos anos desta gigantesca infra-estrutura logística, cuja gestão se reveste de especial complexidade.
O presidente do conselho de administração da Sociedade Instaladora de Mercados Abastecedores, ou SIMAB, explica que, afastado o “fantasma” da privatização levantado a partir dos anos 2008/2009 devido à crise, foi feito um esforço para o reposicionamento dos mercados abastecedores.
O objectivo é deixarem de ser bases logísticas exclusivas do sector agro-alimentar e alargar o âmbito para a actividade logística pura e dura. Em 2017, 26% das empresas que recorriam ao MARL já eram provenientes da área da logística e dos transportes.
Tudo graças a um esforço de captação de novos clientes, como o grupo português Torrestir e o francês Petit Forestier, cujos contratos fizeram a área do MARL crescer em 13 mil metros quadrados.
A própria Bosch, decorrente do seu grande investimento no centro de tecnologia de Braga, está a construir 6500 metros quadrados para albergar a sua estrutura no Mercado. “Multiplicamos por mais de 10 o investimento anual público, mas criámos condições muito atractivas para o investimento privado, actualmente com 13 milhões de euros em investimento a correr”, explica o gestor.
Os mercados internacionais também estão na mira de Rui, com a criação de espaços no MARL dedicados a empresas de diversos países ou zonas geográficas.
América Latina, Espanha, China e a lusofonia são áreas em estudo. A SIMAB aproveita este conhecimento para dar consultoria junto de diversos países para a criação de pólos logísticos e mercantis.
Os projectos da SIMAB reflectem as linhas-mestras da diplomacia do Estado português, que reforçou recentemente as relações com Angola e com a China, uma aproximação cimentada com a visita dos presidentes dos dois países em Novembro e Dezembro últimos, respectivamente. Contratos celebrados antes destas visitas já seguiam essa linha diplomática: a empresa pública irá ser responsável pela criação uma cidade comercial na China – um acordo assinado no final de Novembro. “Os parceiros com quem estamos a trabalhar na China são líderes nos domínios” relacionados com a actividade do MARL, a logística no sector agro-alimentar, revela – esses parceiros, como não podia deixar de ser, têm todos uma relação muito estreita com o Estado chinês.
Em Angola, há um projecto mais transversal: “um acordo de parceria estratégica de apoio global”, esclarece Rui, acordo esse decorrente da aposta local de retoma da produção interna angolana, que implicará a construção de mercados abastecedores. É uma espécie de consultoria junto do país africano que ainda está em preparação.
No centro da estratégia da equipa de Rui está a exploração de soluções para melhorar o leque de serviços oferecidos internamente. À FORBES, o líder do MARL revela que já negociaram um acordo para o fornecimento de serviços de comércio electrónico para as 1500 empresas que recorrem ao Mercado – abrindo-lhes as portas a um marketplace.
O foco nos serviços acrescentados traduz uma mudança de paradigma: a SIMAB deixa de gerir apenas o espaço, cobrando simplesmente rendas a quem utiliza os armazéns, para procurar activamente soluções para clientes nacionais e estrangeiros, sublinha o gestor. Logística 2.0 no maior mercado do país.
Grandes armazéns
O MARL tem 101 hectares disponíveis de capacidade utilizada tanto por produtores de agro-alimentar como por demais empresas que escolham sediar as suas operações ali. Um exemplo é a Science4You, start-up estrela do ecossistema nacional, que ali armazena os seus brinquedos e gere as suas operações.
As empresas dispõem de diversos serviços que faz com que o ecossistema interno do Mercado se “alimente” apenas de valências internas. A existência de agências bancárias, restaurantes e outras actividades comerciais faz com que não sejam necessárias deslocações para fora do MARL.
Mas os serviços já não se restringem ao básico, relacionado com a própria natureza do Mercado. O MARL lançou recentemente um novo serviço em parceria com a start-up portuguesa Buyin, oferecendo às empresas acesso a dois marketplaces para compra e venda de produtos. Um disponível para todo o tipo de entidades, outro apenas para empresas do canal Horeca (hotelaria e restauração) e de retalho alimentar.
O MARL pretende assim, explicam, que a possibilidade de compra e venda de perecíveis que já existe ao vivo no mercado passe a ser possível também no digital.
Produtos à venda
O mercado do agro-alimentar e o mercado do peixe movimentam anualmente cerca de 750 mil toneladas. Nos corredores, circulam centenas de pessoas, carregando caixas, seleccionando víveres, ou cruzando o espaço a alta velocidade com empilhadoras, bicicletas e trotinetes.
Camiões atracam nos portões de entrada para carregarem e descarregarem os produtos. Caixotes de madeira a transbordar de frutos e vegetais coloridos mostram-se, reluzentes, em bancadas ao dispor dos clientes. Quando o sol se põe, o movimento aumenta no escuro, com carrinhas cheias de produção do dia.
Ricos mercados
Rui Paulo Figueiredo assumiu a liderança da SIMAB em 2016 e, além do “cumprimento do plano estratégico” da empresa gestora do MARL, tem como prioridade o aumento da rendibilidade e o pagamento da dívida.
Dívida essa que, em 2018, deverá rondar os 52 milhões de euros. Os dividendos não revertem para o accionista – o Estado. São antes retidos e dedicados ao abate da dívida.
O endividamento consiste, revela o presidente-executivo, em empréstimos do Banco Europeu de Investimento e em papel comercial. “Andamos à volta dos 1% em custos financeiros”, detalha. “Multiplicámos por mais de 10 o investimento anual público, mas criámos condições muito atractivas para o investimento privado”, explica Rui Paulo Figueiredo, líder do MARL.
Noite e dia
Quando o sol se põe, começa a azáfama no MARL. O Mercado funciona 24 horas sobre 24 horas como plataforma logística, mas com horas de ponta específicas relacionadas com as horas de chegada dos produtos em funcionamento.
Nos pavilhões de venda por grosso de produtos agro-alimentares, as horas de maior afluência de compradores são entre as 18h e as 21h. Já no sector hortofrutícola e das flores, e no pavilhão do pescado, o maior número de movimentos ocorre ao início da noite.
Força de trabalho
Nos três mercados abastecedores geridos pela SIMAB trabalham perto de 1500 operadores, “gerando cerca de 6 mil postos de trabalho e um volume de negócios de cerca de 500 milhões de euros”, explica Rui Paulo Figueiredo. Só o MARL conta com 900 operadores.
Além destes últimos, trabalham ainda profissionais da área da limpeza, segurança, manutenção, desinfestação, entre outros. O mercado recebe mais de 1,5 milhões de visitantes anuais.
26%
Em 2017, 26% das empresas que recorriam ao MARL já eram provenientes da área da logística e dos transportes. O objectivo é que o Mercado deixe de ser uma base logística exclusiva do sector agro–alimentar e possa alargar para a actividade logística pura e dura.
Peixe fresco
O MARL conta com um pavilhão dedicado em exclusivo à compra e venda de peixe. O Pavilhão do Pescado começa a receber as mercadorias vindas directamente do mar entre a 1 e as 3 da madrugada – e é nessa janela horária que a preparação do peixe é feita antes da compra da parte dos clientes. É a azáfama nocturna que prolonga os trabalhos frenéticos da tarde protagonizados pelos produtores agroalimentares.
Cargas e descargas
O MARL conta com uma infra-estrutura pronta a acautelar todas as necessidades relativas à manutenção e distribuição dos bens que mais movimenta: os alimentares.
Dispõe de pavilhões em painel isotérmico, sistemas de frio, cais desnivelados de carga e descarga, entre outras características. Além os clientes de base alimentar, já há alguma expressão junto dos clientes de logística do MARL, ocupando hoje “uma parte substancial da área comercial existente, com tendência para aumentar rapidamente”, explica Rui Paulo Figueiredo.
No MARL já estão instaladas 15 empresas que se dedicam especificamente ao sector da logística e transportes. Estas empresas representam uma área total edificada de cerca de 64 mil m2, explica.
Os que pouco produzem
O MARL tem um espaço dedicado a todos aqueles que produzem produtos agro-alimentares em quantidades baixas – como esta senhora, que transporta as couves da sua produção num carrinho de mão. No MARL estão inscritos 295 pequenos produtores que assim conseguem um palco para escoar os frutos das suas hortas e pomares.