A Polícia Judiciária (PJ) deteve quatro pessoas suspeitas de se apropriarem de cerca de 40 milhões de euros dos fundadores do grupo Chimarrão, aproveitando-se da situação de vulnerabilidade e abandono familiar dos dois donos para assumir o controlo empresarial.
A operação ‘Assinatura d’Ouro’ desencadeou na terça-feira e hoje buscas em Lisboa, Coimbra e Porto, cumprindo 25 mandados de buscas domiciliárias e não domiciliárias, com cerca de 150 operacionais da PJ envolvidos, de várias unidades desta polícia, nomeadamente a de perícia financeira e contabilística e a de perícia informática.
Aos três detidos de terça-feira juntou-se um quarto no dia de hoje, todos portugueses, com idades entre os 25 e 45 anos, que serão presentes a primeiro interrogatório judicial na quinta-feira, no Tribunal Central de Instrução Criminal, para aplicação de medidas de coação, sendo suspeitos de crimes de acesso ilegítimo e sabotagem informática, burla informática, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.
Dos quatro suspeitos, três têm entre si relações familiares e o quarto prestava serviços de segurança pessoal aos restantes, adiantou hoje em conferência de imprensa na sede da PJ José Ribeiro, coordenador de investigação criminal da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T), a propósito do esquema fraudulento de apropriação de património dos donos e fundadores do grupo Chimarrão, que se terá iniciado em 2014, durando praticamente uma década.
O alerta para o esquema fraudulento apenas surgiu no início de 2022, quando morreu o fundador Cassiano Castro, e os herdeiros se aperceberam que grande parte do património tinha sido transferida da esfera pessoal dos donos do grupo Chimarrão para terceiros, impossibilitando os herdeiros de aceder a grande parte do património e assumir a gestão e administração do grupo.
Isto, porque ao longo de praticamente uma década, explicou José Ribeiro, os suspeitos, aproveitando-se da situação de vulnerabilidade das vítimas, pela saúde fragilizada, idade avançada e abandono familiar, foram construindo uma relação emocional de proximidade com os empresários, partindo de uma posição de funcionários administrativos do grupo até chegarem a cuidadores do casal de fundadores, que lhes permitiu apropriarem-se fraudulentamente de património, segundo a tese da PJ.
Esse cuidado e acompanhamento pessoal prestado ao casal foi inicialmente premiado com a transferência de pequenas posições societárias do grupo que detém restaurantes como o Chimarrão, Churrasqueira do Campo Grande, Café In, Mexicana ou Leão de Ouro, a que os quatro suspeitos deram depois continuidade recorrendo à falsificação de documentos e assinaturas.
Vulnerabilidade e abandono familiar facilitaram fraude de 40 M€ no grupo Chimarrão
“As nossas suspeitas, a nossa tese, é de que embora os donos do grupo possam ter passado algumas pequenas participações como prémio para o acompanhamento há uns anos atrás, o que é facto é que o casal foi perdendo saúde, foi perdendo capacidade de avaliação, e pensamos nós que muitos documentos terão sido falsificados sem o conhecimento dos donos do Chimarrão. (…). E quando estamos a falar de negócios que dependem de registo, obviamente que havia necessidade de ter auxílio de (…) por exemplo de advogados, de solicitadores”, explicou José Ribeiro.
Quando se apercebeu da alegada fraude, com a morte de Cassiano Castro no início de 2022, a família apresentou queixa, “porque as suspeitas eram muito fortes relativamente à veracidade dos documentos apresentados para justificar a transferência de património”, explicou o coordenador da PJ, que acredita que será possível reverter a posse de parte dos bens novamente para a esfera familiar.
Em causa estão saldos bancários, imóveis urbanos e rurais e bens de luxo, como automóveis de centenas de milhares de euros e joias e as participações societárias, que concedem controlo empresarial, um património que José Ribeiro classificou como “incongruente com os documentos apresentados por estes suspeitos ao longo dos anos”.
A morte de Cassiano Castro assinala também o momento em que os quatro suspeitos terão cometido crimes informáticos para manter o controlo do grupo, acedendo ao sistema que já controlavam remotamente e que era utilizado pelas diversas empresas do grupo para o sabotar e impedir o acesso por terceiros e até a recolha de prova por parte da polícia.
Os cerca de 40 milhões de euros de prejuízo para as vítimas e seus herdeiros estimados pela PJ são um valor não fechado, por ainda estar a ser recolhida informação, mas segundo a polícia só a recente venda do restaurante Leão de Ouro, na Baixa de Lisboa, terá rendido 12 milhões de euros aos suspeitos.
Os crimes de branqueamento de capitais prendem-se com as atividades para tentar escamotear a transferência de património, que os suspeitos não conseguiram concluir na totalidade ao longo de uma década, nomeadamente no que diz respeito às participações societárias.
A ocultação de transferência de património foi feita através da criação de empresas e contas bancárias em países terceiros da União Europeia.
Lusa