Ano: 2013. Local: EUA. Limor Schweitzer é convidado da Fox News para mostrar Fonzie, o robô dançarino de 30 cm de altura que criou para animar o evento de tecnologia “Gadget Show Live 2012”, em Londres. Audiência estimada: 20 milhões de telespectadores.
Com a música a tocar, Fonzie exibe-se com ritmo e movimentos sexy em cima da mesa do estúdio. Dança twerking até que, de repente… cai da mesa perante risos gerais. A mediática gafe deu ao pequeno robô humanóide o título de um dos “falhanços tecnológicos do ano em 2013”, numa nomeação dos humoristas do canal americano Comedy Central.
A situação, embaraçosa para quem estava a demonstrar as virtudes da robótica, acabou, porém, por servir de promoção da RoboSavvy, empresa fundada em 2004 por Limor que haveria ainda de dar a conhecer o seu projecto de robótica noutros talk shows e media, como a CNN e CNBC, além de dezenas de conferências em vários países. Tudo graças ao buzz em torno de Fonzie, um robô-brinquedo do qual há mais duas réplicas e que Limor ainda leva para conferências.
O maior conhecimento do mercado levou, todavia, Limor a reorientar o foco da empresa. Assim, a RoboSavvy, que nasceu como plataforma e-commerce para vender componentes de robótica, vindos do Japão e Coreia do Sul, e que também dispunha de um laboratório para desenvolver robô-brinquedos personalizados para clientes (como o Fonzie), altera o seu “chip” – passa a fornecer soluções de robótica para logística industrial, área onde esta start-up portuguesa passou a actuar, desde 2016.
Paralelamente, cerca de 12 anos após a RoboSavvy iniciar actividade, Limor funda outra start-up, a Mov.ai com um intuito: separar software de hardware. “Comecei a desenvolver software em torno do hardware que construíamos”, relembra este empresário de 50 anos que se instalou em Portugal com a família após ter sido pai.
Na prática, a Mov.ai é o software executado nos sistemas robóticos, enquanto os contractos de fornecimento do hardware de robôs são com a RoboSavvy.
Inteligência das máquinas
A Mov.ai arrancou no início de 2016, com cerca de 450 mil euros de angel investors, empregando actualmente 12 técnicos. E apesar de a sede da empresa ser em Inglaterra, a subsidiária operacional onde o desenvolvimento do software se faz, fica em Sintra.
No centro do negócio está uma programação assente na evolução do ambiente ROS (Robot Operating System) – uma ferramenta inventada nos círculos académicos e usada em experiências de robótica, mas que há quatro ou cinco anos começou a ser aplicada em robôs para fins comerciais.
Para Limor, a evolução da linguagem ROS está a conduzir a uma nova geração de robôs por contraponto aos grandes braços robóticos (automação tradicional) da indústria automóvel: “A automação é um mercado de 100 mil milhões de dólares que ajuda as fábricas a produzir em grande escala”, diz.
Face à automação tradicional, o software ROS confere ainda versatilidade às máquinas: “Um robô pode ser reconfigurado rapidamente para fazer uma tarefa diferente, em função de uma nova necessidade ou encomenda. A ROS lida com essa flexibilidade e é aí que trabalhamos”, salienta o empreendedor.
A Mov.ai criou um software que funciona em todos os tipos de robôs. Essa compatibilidade permite diluir o custo de desenvolvimento em milhares de robôs. Nessa lógica, os robôs que trabalharão com a start-up nacional serão mais baratos que a concorrência. “E fruto da adaptabilidade do ROS, podemos desenvolver uma solução robótica em dois meses, quando outros necessitarão de dois anos”, sublinha Limor.
Com a programação da Mov.ai, a RoboSavvy desenvolve diferentes veículos industriais autónomos. O primeiro, o Tugbot, foi concebido para os CTT movimentarem as cargas, assegurando o transporte autónomo das paletes com boxes até a um robô fixo e, posteriormente, das paletes vazias empilhadas até a uma zona de descarga. Os CTT têm três Tugbot, cuja autonomia da bateria de lítio com uma carga vai de 6 a 8 horas.
Cada Tugbot tem um preço entre 15 mil e 20 mil euros, dependendo do tipo de lasers e distâncias que precisa de percorrer. Os próprios CTT reconhecem que a automação introduzida tornou-se num caso de estudo que tem suscitado interesse de outras empresas e operadores postais, com pedidos de visita para apresentação do sistema. Segundo Limor, “este nosso primeiro contrato foi uma prova de confiança. Estamos a usar o mesmo Tugbot noutros projectos, um dos quais num centro de atendimento de logística de comércio electrónico na Alemanha”.
Após um financiamento do projecto “Horizon 2020” e de uma injecção superior a 2,5 milhões de euros (da israelita Viola Ventures e da NFX, de São Francisco), a etapa seguinte da Mov.ai passa por capitalizar a RoboSavvy para criar escala de mercado para o Tugbot. O objectivo é tentar um financiamento de 1 milhão de euros.
Na visão de Limor, o Tugbot “é um produto viável e há interesse comercial em várias nações, da Argentina a Taiwan. O potencial para automação usando o Tugbot, ou tecnologia similar, é enorme: da indústria alimentar aos aeroportos. É uma solução para onde há uma pessoa a puxar carrinhos em longas distâncias. Tudo isso será automatizado daqui a 5 anos”, aponta.
Limor refere que a Amazon não seria capaz de garantir milhões de entregas por dia sem essa automação como a que os robôs Kiva permitem, empilhando caixotes e levando prateleiras até ao funcionário. Sem esta automação, um funcionário de um grande armazém teria de percorrer 20 km/dia para retirar os mais variados objectos, de sapatos, livros, calças ou telemóveis pelos vários armazéns da empresa norte-americana. Com os robôs, em vez de ser o trabalhador a ir ter às prateleiras, são as prateleiras a serem trazidas a quem recolhe os produtos.
Ciente que as empresas chinesas hoje vendem mais robôs que qualquer empresa europeia jamais venderá, o responsável da Mov.ai enfatiza que “o software fará a diferença”. Uma das ambições desta start-up é trabalhar com hardware chinês.
Limor acredita que a Mov.ai no software para robôs será uma referência. Entre os vários projetos em carteira contam-se a programação de robôs empilhadores (para mover paletes) e de limpeza (estilo aspirador industrial).
“O mercado da limpeza tem um enorme potencial – no Japão, o governo está comprometido em automatizar a limpeza do espaço público até 2020, pelo que há muito dinheiro a investir na limpeza autónoma de pisos. Os robôs substituirão as pessoas nessas tarefas”, diz o presidente-executivo da Mov.ai.
E robôs humanóides? “Não. Os que desenvolvemos foram apenas para pesquisa interna e diversão. Não há viabilidade comercial nisso”. Para Limor, no futuro, “o software será uma commodity”.