Opinião

O cumprimento do IVA deixou de ser um detalhe

Inês Carvalho

O cumprimento das obrigações declarativas no âmbito ao IVA continua a ser, para muitas empresas, um verdadeiro teste de resistência, e não apenas um procedimento burocrático. É um exercício que se desenrola entre prazos irrealistas, recursos insuficientes e regras que mudam com uma frequência vertiginosa. Nesta altura do ano, em pleno verão, as dificuldades normalmente sentidas podem agudizar-se: equipas reduzidas, calendários congestionados e um aumento inevitável do risco de falhas. É um cocktail perfeito para problemas que, muitas vezes, poderiam ser evitados.

Em Portugal, como noutros países europeus, a progressiva digitalização dos sistemas trouxe notórios benefícios de celeridade e transparência. No entanto, para tirar o melhor proveito destes sistemas digitais, é necessária uma adaptação por parte das empresas, o que pode revelar-se exigente para equipas de menor dimensão. Apesar do progresso alcançado, a gestão de prazos continua a ser a questão que mais dificuldades apresenta, principalmente em período de férias de verão, particularmente , quando falamos de PMEs.

Para estas entidades, a situação torna-se notoriamente mais grave quando consideramos as equipas de reduzida dimensão e menor flexibilidade e, em consequência, uma menor capacidade para absorver novos desafios ou sobrecargas burocráticas. Por outro lado, as sanções advenientes do incumprimento (ou cumprimento tardio) destas obrigações fiscais revelam-se particularmente penosas para empresas mais pequenas, o que torna mais premente a necessidade de adaptação.

Naturalmente que a digitalização fiscal trouxe ganhos claros em transparência e rastreabilidade. Mas também trouxe novas camadas de complexidade que nem todas as empresas estão preparadas para enfrentar. Ficheiros SAF-T, faturação eletrónica no setor público, obrigações de reporte eletrónico de transações a nível europeu… tudo isto exige uma coordenação afinada entre sistemas, departamentos e uma leitura minuciosa da lei. A realidade é que muitas organizações ainda dependem de processos manuais e folhas de cálculo dispersas, o que, a longo prazo, tornar-se-á insustentável.

O problema agrava-se quando falamos de empresas que operam em várias jurisdições. O IVA é “harmonizado” no papel, mas, na prática, as diferenças entre países são profundas e difíceis de gerir. Prazos, formatos, critérios de validação, requisitos declarativos, cada país tem a liberdade de definir as suas regras. Isto obriga a uma vigilância regulatória constante e a uma agilidade que, naturalmente, nem todas as empresas têm.

A verdade é que esta realidade exige uma reflexão mais ampla. O IVA já não é apenas uma linha no fecho de contas. É um elemento transversal que cruza dados, sistemas, geografias e decisões estratégicas. E isto exige não só competências técnicas, mas também ferramentas que garantam interoperabilidade, atualização constante e uma subjacente monitorização legal permanente. O desafio não está apenas no detalhe técnico da legislação, mas na capacidade de transformar essa complexidade em processos simples, fiáveis e auditáveis.

Mais importante ainda: o incumprimento raramente resulta de má-fé. Na maioria dos casos, nasce da fratura entre o que a lei exige e o que, operacionalmente, é possível executar com os recursos disponíveis. É precisamente nessa lacuna que a tecnologia, a interpretação normativa e os processos de compliance precisam de se encontrar.

O desafio não está apenas em “cumprir”, mas, sim, em antecipar. Na verdade, falar de IVA e digitalização é falar de confiança institucional, de coerência operacional e de capacidade de sobreviver – e prosperar – num ambiente regulatório cada vez mais rigoroso e interligado.

Inês Carvalho,
Senior Regulatory Counsel da SOVOS

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