Em 2012, quando a banca nacional começou a dar os primeiros sinais de fraqueza, Afonso Fuzeta Eça, José Maria Rego e António Marques tiveram uma ideia: porque não pôr os particulares a financiar directamente as empresas? “Os bancos nacionais estavam prestes a ser recapitalizados pelo Estado e as projecções para a concessão de crédito eram extremamente negativas, o que se tornava numa oportunidade”, explica José.
Três anos depois, a ideia chega ao mercado materializada numa plataforma de financiamento por empréstimo, a Raize, e com um objectivo: “ser uma alternativa à banca na concessão de crédito às micro e pequenas empresas”, diz Afonso.
O conceito é semelhante ao crowdfunding – financiamento colaborativo -, mas implica remunerar quem empresta.
No Reino Unido, onde a actividade está mais desenvolvida, o montante de empréstimos peer-to-peer (como são chamados) ascende a 6,6 mil milhões de euros, cerca de 14% do crédito ao consumo concedido no país, segundo a Peer to Peer Finance Association.
E, nos EUA, um mercado menor que o britânico, a consultora Pwc estima que atinja os 135 mil milhões de euros até 2025. “É um modelo que tem demonstrado bons resultados no estrangeiro”, sublinha Afonso, apontando exemplos britânicos como a Zopa, a RateSetter e a Funding Circle.
Empresas rendidas à solução
Tal como perspectivaram os dois empreendedores, as exigências de capital estão a impedir os bancos de “abrir os cordões ao crédito”.
Segundo os dados do Banco de Portugal, o crédito concedido pela banca às empresas não financeiras está em mínimos dos últimos oito anos – o que tem facilitado o crescimento da Raize. “Foi uma surpresa agradável”, diz Miguel Lopes, em relação à experiência que teve com a Raize.
“Hoje em dia, na banca, não é só a taxa de juro que conta. É preciso ter cuidado com as comissões, e a Raize não só se mostrou uma solução transparente, mas também rápida e eficaz”, afirma o gestor da PDC Digital, que já recorreu à plataforma por duas ocasiões para obter um total de 20 mil euros para investimento e reforço de tesouraria. Por cada um, Miguel pagou à Raize 3% do valor financiado.
Tal como perante a banca, as empresas candidatas têm que cumprir uma série de requisitos para aceder à plataforma. É necessário ter pelo menos dois anos de actividade, uma situação regular com a banca, com o Fisco e com a Segurança Social, ter capitais próprios positivos e não ter processos judiciais pendentes.
“Se não cumprir estes critérios, não é elegível”, afirma José, sublinhando que “é do interesse da Raize trazer boas empresas para a plataforma”.
Após esta primeira triagem, a informação recolhida é sujeita a uma rigorosa análise financeira e a testes de stress e, por fim, faz-se uma entrevista pessoal ao gestor da empresa. “Fazemos uma análise holística à empresa”, explica José. Se for “aprovada”, os dados recolhidos e tratados resultam na atribuição de rating de risco e uma taxa de juro indicativa, consoante o valor e o prazo do crédito solicitado.
Na maior parte dos casos, este processo demora 48 horas e depois segue para a plataforma a fim de receber licitações dos investidores. “No segundo pedido, dez dias úteis depois tinha o dinheiro na conta”, diz Miguel Lemos, sublinhando que “a rapidez não tem comparação com a banca”.
Uma Bolsa alternativa
Do lado oposto, a Raize é também uma solução de investimento, pois oferece o acesso a uma espécie de mercado obrigacionista sem custos para o investidor e acessível a todas as carteiras.
Para investir, basta aderir à plataforma e transferir no mínimo 20 euros para a conta criada. Depois basta aceder ao “Mercado” onde estão as empresas que procuram financiamento, a taxa de juro indicativa e o prazo, e toda a informação financeira da companhia, com destaque para o rating de risco de incumprimento. Sim, tal como no mercado obrigacionista, é um investimento com possibilidade de perda de capital. “Fazemos questão de sublinhar o risco inerente ao investimento”, diz Afonso, sublinhando que a melhor forma de o mitigar é através da diversificação – a plataforma tem uma solução que ajuda à tarefa, o “Tracker”.
No entanto, em caso de incumprimento, a Raize assume a responsabilidade de tentar reaver o capital investido, inclusive interpor acções judiciais para fazer valer o contrato mútuo estabelecido entre os investidores e a empresa. “Até agora não tivemos qualquer situação de incumprimento, apenas alguns atrasos de pagamento que foram resolvidos”, diz Afonso que, no entanto, não descarta a hipótese de virem a existir.
Entretanto, a simplicidade e os 6,5% de taxa anual média dos empréstimos concedidos têm convencido os investidores. António Vicente é um dos mais de 4600 registados.
“Já conhecia o conceito, pelo que não tive receio em investir”, diz. Por acaso tem formação em Gestão, mas não cré que ter conhecimentos da área seja relevante. “A avaliação das empresas deve ser da responsabilidade da Raize e não dos investidores. Estes devem apenas respeitar o princípio básico de ‘não por os ovos todos no mesmo cesto’”, diz, sublinhando que é o que faz, e que a experiência está a ser positiva.
Abertos a novos investidores
Apesar da inovação da solução, a reacção das empresas e dos investidores revela que a plataforma está no caminho da para afirmação. Em pouco mais de um ano, a Raize fez fluir mais de 2 milhões de euros em empréstimos para 150 de empresas. Todavia, tendo em conta a única fonte de receitas – cerca de 3% sobre o valor do empréstimo -, a empresa precisa de ganhar escala para criar raízes num mercado em que os principais concorrentes estão “adormecidos”.
A Raize começou com recursos dos sócios e recentemente fez um aumento de capital para 300 mil euros.
“Estamos sempre à procura de capital, é um processo contínuo”, diz Afonso, quando questionado sobre a necessidade de angariar mais dinheiro para investir no desenvolvimento e divulgação da aplicação. Lá fora, o capital de risco tem demonstrado gosto pelo sector tendo investido cerca de 1,2 mil milhões de euros nas seis maiores empresas e duas delas até já cotam em Bolsa.
Porém, para já, os fundadores da Raize querem apenas vencer uma etapa de cada vez. A próxima é chegar ao final do ano com 5 milhões de euros intermediados e a seguinte é ter lucros em 2017, “uma expectativa que está em linha com o crescimento verificado”,
afirma José.