Não há bem-estar sem saúde física e saúde mental. É a combinação dos dois pilares que nos traz a harmonia necessária para uma vida plena. As relações sociais, a relação com o trabalho, o sono, a alimentação, as atividades de lazer, interferem com a nossa saúde, mental e física, logo têm um impacto fundamental no nosso bem-estar.
Nos últimos anos, o mundo tem despertado para uma maior consciência da necessidade de equilíbrio e nunca se falou tanto em saúde mental. A pandemia de Covid 19 foi um dos gatilhos que ajudaram a trazer esta discussão para cima da mesa, mas o que ainda se faz é relativamente pouco. A Organização das Nações Unidas (ONU), estabeleceu no seu terceiro ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) que é fundamental garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar em todas as idades, tornando prioritária não só a saúde física como a mental.
Os consumidores começam agora a tornar-se mais exigentes a todos os níveis: procuraram produtos associados à qualidade de vida, experiências transformadoras, cursos de coaching, livros de autoajuda, aplicações de bem-estar, alimentos mais saudáveis e seguros, produtos sustentáveis, com a preocupação ambiental, e até empresas empregadoras com uma missão e um propósito. Segundo o estudo “Feeling good: The future of the $1.5 trillion wellness market”, da McKinsey & Company, cerca de 79% dos consumidores inquiridos mostram interesse pela área do wellness, sendo que 42% consideram-na mesmo uma área prioritária. Em quase todos os mercados estudados os consumidores demostraram um aumento da sua preocupação nos últimos dois anos, estimando que este sector cresça a um ritmo de 5% a 10% ao ano.
Um segmento que está a crescer no mercado nacional é o do turismo de bem-estar e saúde e tem ainda muita margem para melhorar.
Segundo o último relatório do Global Wellness Institute o valor de mercado do wellness caiu em 2020, devido à pandemia, ficando pelos 4,2 biliões de euros, mas tudo aponta para que a recuperação seja acelerada e atinja os 6,5 biliões de euros em 2025. Este montante representa um peso de cerca de 5,1% do PIB mundial. Os Estados Unidos são o maior consumidor mundial de produtos de wellness, com receitas no valor de 1,1 biliões de euros, o que corresponde a 28% dos gastos mundiais. Segue-se a China com um consumo de cerca de metade deste montante: 638 mil milhões de euros. India, Indonésia, Brasil, Suíça,Austrália, Holanda, Japão, Alemanha, Reino Unido, são pela sua dimensão e capacidade económica, outros mercados em que mais se gasta em atividades e produtos de wellness.
Dentro deste mercado global, o que tem maior peso é os dos cuidados pessoais, como higiene, beleza e cosmética, com cerca de 925 mil milhões de euros, seguindo-se o da nutrição saudável e controlo de peso. A nutrição saudável é uma das áreas com maior potencial de crescimento no mundo, já que o consumidor procura cada vez mais fazer escolhas que potenciem o seu bem-estar físico. Segundo o estudo da McKinsey & Company, a nutrição sempre foi uma parte importante do sector do bem-estar, mas agora os consumidores procuram alimentação não apenas que saiba bem, mas que os ajude a encontrar um melhor equilíbrio. Mais de um terço dos consumidores inquiridos demonstram ter planos para gastar mais em aplicações sobre nutrição, programas de dietas e detox, e subscrever serviços relacionados com a alimentação nos próximos anos.
O novo consumidor, mais empoderado, não pensa apenas na sua saúde física e mental, mas também nas questões ambientais e de responsabilidade social.
Outra área importante do wellness é o turismo de bem-estar, seja turismo de saúde, de termalismo ou de SPA, que juntos valem qualquer coisa como 527 mil milhões de euros em todo o mundo, segundo os dados do Global Wellness Institute. Nos Estados Unidos, regiões como a Colorado, Califórnia e Arizona são fortes em atividades como montanhismo, retiros de ioga, retiros de perda de peso e detox. A América do Sul aposta em cruzeiros de wellness, resorts de SPA, tratamentos ligados às florestas tropicais, e ao termalismo. Na Europa destacam-se os retiros espirituais, o bem-estar associado às montanhas, nomeadamente nos Alpes, talassoterapia (tratamentos com água do mar), termalismo (há cerca de 1.400 termas) sauna e tratamentos nórdicos. A África e Médio Oriente aposta muito nos banhos de areia, nos safaris de ioga, nas termas e SPA, e a Ásia é forte nos destinos de termalismo de água quente, terapias ayurveda e retiros de ioga e de meditação. Na Austrália, o investimento vai para o termalismo de águas quentes e retiros de surf e ioga.
Saúde mental movimenta cerca de 127 mil milhões de euros
Esta é uma das áreas de maior crescimento, pois a preocupação com o bem-estar mental tem vindo a aumentar junto das pessoas e das empresas. Solidão, stress, depressão e ansiedade são questões na ordem do dia. Segundo o relatório Defining the Mental Wellness Economy, do Global Wellness Institute, o mercado global da saúde mental envolverá receitas na ordem dos 127 mil milhões de euros, e abrange áreas como a autoajuda, espaços de relaxamento, sono, a meditação, suplementos para o cérebro e fitofarmacêuticos. A autoajuda é um segmento que movimenta cerca de 32,3 mil milhões de euros em todo o mundo e está a crescer, tal como a meditação e mindfulness, que já atingem os 2,7 mil milhões de euros de receitas. As vendas de livros de autoajuda, autoconhecimento e motivacionais têm aumentado a olhos vistos, sendo que autores como Deepak Chopra faturam vários milhões de euros ao ano. Neste segmento incluem-se ainda sessões de coaching, aplicações para meditação e crescimento pessoal.
Em Portugal, o setor do wellness também começa a mexer-se e a posicionar-se com o aparecimento de inúmeros projetos nestas áreas de bem-estar.Um segmento que está a crescer no mercado nacional é o do turismo de bem-estar e turismo de saúde, que apesar de ainda pouco explorados têm muita margem para melhorar. João Viegas Fernandes, autor, entre outros, do livro “Turismo de Saúde e Bem-Estar no Mundo”, refere que o mercado do turismo e bem-estar caiu bastante com a pandemia, mas está a recuperar os seus volumes. Incluem-se aqui as termas, os SPA e o turismo médico.
É necessário rejuvenescer alguns conceitos, atrair novos públicos, apostar mais na comunicação digital para dinamizar esta área.
Vânia Sousa, coordenadora em Portugal do World Wellness Weekend, e autora do livro “Turismo, Competitividade e Destino Portugal”, refere a propósito que um dos fatores críticos do sucesso do turismo nacional é precisamente o segmento da saúde e do bem-estar. “Esta é uma área chave para o país explorar, e a hotelaria tem introduzido vários produtos relacionados com a saúde e o bem-estar, registando maior procura. Está a verificar-se uma alteração de mentalidade e o consumidor está a valorizar mais a sua qualidade de vida”, afirma esta especialista.
As novas gerações estão mais ligadas a estes valores, mas mesmo assim ainda há algumas organizações que não estão a comunicar bem os seus produtos para estas faixas etárias. “Ainda há muito a ideia de que o turismo de saúde, como o caso das termas, é muito vocacionado para os mais velhos, apesar de algumas empresas do sector estarem a reestruturar as suas infraestruturas”, explica. É por isso necessário rejuvenescer alguns conceitos, atrair novos públicos, apostar mais na comunicação digital para dinamizar esta área. “Não basta vender o produto, há que vender igualmente o destino Portugal. Há necessidade de criar uma rede local que crie envolvência para manter as pessoas que procuram os tratamentos de bem-estar”, refere. Portugal é um destino de elevada segurança, tem uma boa relação preço qualidade e tudo isso de ser aproveitado para ser um destino reconhecido no setor do wellness. “Somos vistos pelos turistas como um povo hospitaleiro, genuíno, que acolhe bem, e já existe uma preocupação ao nível da sustentabilidade. Temos paisagens incríveis, que podem ser aproveitadas para retiros espirituais ou outras atividades na natureza”, afirma Vânia Sousa. Para esta especialista, o novo consumidor, mais empoderado, não pensa apenas na sua saúde física e mental, mas também nas questões ambientais e de responsabilidade social. “O wellness é um modo de vida. Temos de torná-lo acessível a todas as pessoas, pois ainda é visto como um luxo”, afirma. Por outro lado, esta especialista refere que, em Portugal, o sistema de saúde privado tem elevados padrões internacionais, e por isso há turistas que vêm ao país apenas para fazer curas e tratamentos, porque fica mais económico e ainda conhecem um destino novo.
Portugal necessita de ter mais talassoterapia
João Viegas Fernandes, autor, entre outros, do livro “Turismo de Saúde e Bem-Estar no Mundo” refere que o mercado do turismo e bem-estar caiu bastante com a pandemia, mas está a recuperar os seus volumes. Incluem-se aqui as termas, os SPA, a talassoterapia e o turismo médico, este último tem crescido em Portugal, e tem grande potencialidade de crescimento, e pode competir com outros destinos internacionais. Este autor refere ainda que Portugal tem bom termalismo, mas que na área da talassoterapia, sendo um dos países com maior potencialidade, não está a desenvolver esta área, não havendo aqui grande investimento, como há na França e na Tunísia – neste último país existem mais de 50 centros. “Portugal só tem seis espaços deste género, mas tem uma costa extensa e melhor do que a do Norte de África, com melhor água do mar, menos poluída”, refere. O turismo médico e o turismo estético são duas áreas de crescimento também em Portugal, sobretudo no Algarve, destinos que começam a competir com a Turquia, a Tailândia e o Brasil. “Porém, há ainda muito a ser feito para promover o destino Portugal. Acredito que na área da talassoterapia não estamos a aproveitar o nosso imenso potencial”.
“Acredito que, na área de talassoterapia, não estamos a aproveitar o nosso imenso potencial”, refere João Viegas, professor e autor.
Com ele concorda João Pinto Barbosa, presidente da associação Termas de Portugal, dizendo que efetivamente temos um excelente potencial para a talassoterapia que não está a ser aproveitado, por falta de regulação de base. Porém, no que ao termalismo diz respeito, a área que conhece melhor, afirma que o mercado está a recuperar bem, e que em 2023 se chegará ao nível pré-pandémico. Em velocidade de cruzeiro o sector, que tem 48 termas, e contanto apenas os serviços de tratamentos, sejam médicos ou de wellness e lazer, tinha um volume de negócio de cerca de 14 milhões de euros. “Se contarmos com toda a economia circundante, como hotelaria e restauração, esse negócio sobe para os 24 milhões. E, se em 2022, o sector ainda ficou 15% abaixo, em 2023 deverá igualar os valores de 2019”, revela. Cerca de 30% dos utentes fazem tratamentos terapêuticos e ficam cerca de 12 dias, sendo que os restantes são mais ligados ao bem-estar, sobretudo na faixa dos 35 aos 55 anos, e fazem fins de semana de relaxamento, atividades de natureza, entre outros. Embora sejam em maior número, este grupo apenas vale 20% do volume de negócio.
Outro mercado a crescer no país é o dos spas, existindo já inúmeros espaços dedicados a este tipo de bem-estar. Liliana Ferreira, da recém-criada Associação Portuguesa de Spa (APSPT), afirma que Portugal tem feito um bom trabalho com a criação de produtos diferenciadores, cada vez mais exclusivos e genuínos para atrair visitantes e atrair notoriedade do país. “Os spas não se limitam a oferecer as clássicas massagens e cuidados de corpo e rosto. Procuram ser mais competitivos, desenvolvendo programas de bem-estar, com acompanhamento personalizado, retiros espirituais, experiências na natureza e atividades de mente-corpo-espírito, que enriqueçam quem os visita. Há também uma crescente preocupação com a sustentabilidade que é outro ponto valorizado e fator decisivo na escolha destes turistas”, explica esta especialista.
Desenvolvimento pessoal e bem-estar corporativo
Na área do desenvolvimento pessoal e espiritual têm surgido igualmente inúmeros projetos, quer na área dos livros de autoajuda, do coaching pessoal, profissional e até de alimentação saudável. Susete Estrela é engenheira alimentar e coach na área de alimentação e bem-estar integrativo. Autora das obras “Sabe o que Anda a Comer” e a “Roda da Felicidade”, dedica-se a dar cursos e consultas nas áreas de alimentação segura e bem-estar integrativo.“Percebi, quando trabalhava no Dubai, que as pessoas ganhavam bem, mas não eram naturalmente felizes, e que afogavam a parte emocional”, explica. Fez então um curso de coach na área da saúde integrativa e está agora a aplicar aos portugueses os seus ensinamentos. Esta especialista transmite a mensagem de que parte da solução de uma alimentação saudável pode estar fora do prato, pois no “baquete da vida, os alimentos tanto podem ser servidos num prato emocional como num prato nutricional, e sempre que o primeiro está mais vazio vingamo-nos no segundo”, explica esta autora. Esta é uma das formas de a coach ajudar os seus clientes a procurarem o seu «eu saudável». Explica ainda que o coach não vai resolver a vida das pessoas, mas ajuda a levantar questões que obrigam a que o próprio encontre a solução certa para si, encontrando o seu bem-estar.
“Percebi, quando trabalhava no Dubai, que as pessoas ganhavam bem, mas não eram naturalmente felizes, e que afogavam a parte emocional”, explica Susete Estrela.
Igualmente as empresas portuguesas começam a mostrar sinais de preocupação com o bem-estar dos seus colaboradores e este é um movimento que vem crescendo, afirma Virna Martins, da BeWell Portugal, projeto presente no mercado nacional há 19 anos. O mercado do corporate wellness, que há uns anos era quase inexistente, agora valerá perto dos dois ou três milhões de euros. Programas de bem-estar, oferecidos aos colaboradores das empresas começam cada vez mais a fazer sentido, seja através de relaxamento, com massagens, de ioga, ginástica, gestão de stress, e alimentação saudável. O mercado norte-americano sempre foi mais forte neste tipo de oferta, mas a Europa começou já a fazer o seu caminho no bom sentido. “As pessoas começaram a investir mais na sua saúde e bem-estar e as empresas acompanharam este movimento, porque é importante ter colaboradores saudáveis”, afirma Mirna Martins. Explica ainda que o mercado empresarial tem cada vez mais a noção de que o seu grande património são as pessoas e que no caso de empresas em algumas áreas, como as de Tecnologias de Informação (TI) necessitam destes programas de bem-estar para atrair e reter o seu talento.