Há uma semana, Nuno Borges fez história na Austrália. Depois de derrotar Grigor Dimitrov por 6-7 (3), 6-4, 6-2 e 7-6 (6), tornou-se o primeiro português de sempre a chegar à quarta eliminatória do Open da Austrália. Até aqui, só João Sousa tinha chegada à mesma fase num major, mas em Wimbledon e no Open dos Estados Unidos. A vitória colocou no caminho de Nuno Borges o russo Daniil Medvedev, com quem perdeu nos oitavos da competição.
A Forbes Portugal falou com o tenista, natural da Maia, sobre a sua conquista histórica, o jogo com o número 3 do ranking ATP, a decisão de atrasar a chegada ao circuito mundial e os momentos que marcaram a sua carreira até aqui.
Consegues descrever-me aquele momento em que o jogo termina e estás nos oitavos de final do Open da Austrália?
Eu lembro-me de me largar para o chão, o alívio que foi conseguir ganhar aquele tie break, os nervos estavam completamente ao rubro e lembro-me de estar muito ansioso. Momentos depois de ganhar o jogo, eu nem me lembro como é que joguei o ponto, de tanta emoção que estava até me esqueci. Lembro-me de, já deitado no chão, olhar para a minha equipa do género: Eu nem acredito que isto está a acontecer. Fiquei mesmo muito contente. Um alívio, uma descarga de emoção. Fiquei muito emocionado, aos berros para o público, a tentar absorver o momento que estava a acontecer. Foi mesmo incrível. Foi dos melhores momentos da minha carreira, se não o melhor.
Disseste depois do jogo que por momentos sentiste que pertencias ali. Antes isso não te passava pela cabeça?
Eu sabia que merecia estar ali e que ninguém me deu aquele lugar de poder estar a competir com os melhores, mas ainda não tinha ganho jogos suficientes para realmente sentir que estou ao nível daqueles que estão mais acima no ranking. Não estava a competir quase de igual para igual, eles eram claramente favoritos e seria muito difícil eu competir. Acho que naquele momento eu senti um bocadinho o que é estar naqueles grandes palcos, a competir com os melhores do mundo, que realmente poderia estar ali a competir com eles e se calhar até mesmo ganhar. Ter conseguido várias vitórias ali deu-me muita confiança e motivação para querer mais ainda estar naqueles grandes palcos.
E como é que olhas, agora que já passou algum tempo, para o jogo frente ao Medvedev nos oitavos?
Pareceu muito irreal, estar na jogar na Rod Laver com o ex-número 1 mundial, número 3 agora, pareceu mesmo irreal. Já o tinha visto imensas vezes a jogar naquele campo, e em outros, e agora estar eu na televisão, depois quando vi imagens parecia mesmo irreal. Nunca imaginei estar ali a competir com um dos grandes, num dos maiores estádios de ténis do mundo. É uma sensação incrível, é um orgulho poder ter partilhado o campo com ele.
Esta prestação, de alguma forma, mudou a forma como olhas para os Grand Slam?
Acho que prova que é possível ganhar jogos daqueles. Sei que não posso estar a pedir que seja sempre assim e que chegue sempre à segunda semana de Slams, são muito poucos os que o conseguem fazer e sei que tenho de trabalhar muito, mas espero que isto me dê alguma confiança para continuar e acreditar que consigo fazer mais torneios daqueles. Agora, posso não voltar a conseguir, posso demorar uns anos a voltar a fazê-lo ou pode ser já na próxima. No ténis realmente nunca se sabe e o facto de ter sequer a hipótese e a oportunidade já me dá uma motivação extra. Acho que veio abrir um bocadinho os meus olhos e fazer-me acreditar ainda mais em mim mesmo.
E gostavas que esta prestação mudasse também a perspetiva dos portugueses em relação aos tenistas nacionais?
Eu acho que aqueles que estão lá no circuito sabem que o ténis é mesmo assim. Já o João Sousa desbloqueou muitas novas etapas para Portugal. E eu fico muito contente de poder levar a bandeira portuguesa um bocadinho mais longe num torneio destes e espero continuar a poder desbloquear coisas novas não só para mim, mas para Portugal, porque acho que merecemos e acho que o ténis português está num crescendo. Espero que os mais novos também olhem um bocadinho para isso.
Não é preciso ter um caminho surreal ou algo completamente fora do normal para se conseguir chegar a estes grandes palcos. É um caminho longo e duro, mas que é possível é.
Depois disto, o quê? Quais são os teus objetivos neste momento?
Na próxima semana temos a Davis Cup na Finlândia, estou entusiasmado para isso. Basicamente é um torneio de seleções, joga-se por equipa, é um bocadinho diferente daquilo que nós temos durante o resto do ano quando competimos só para nós mesmos. Acho que Portugal está com boa equipa para poder ganhar a próxima eliminatória, estamos muito focados nisso agora. Depois vou para a América do Norte, vou jogar nos Estados Unidos e no México nas semanas seguintes. Depois disso faço a mudança do piso rápido para a terra batida com o Estoril Open, após o Miami Open. Para já, é isso que tenho planeado.
Voltando um pouco atrás, fala-me sobre o teu percurso na modalidade.
Comecei a jogar ténis aos seis anos, ia entrar na escola primária e os meus pais meteram-me num complexo de ténis, onde cresci e joguei até aos 18 anos. Eu acho que até aos 15, 16 anos nunca me vi a fazer vida a jogar ténis, só aí é que comecei a ganhar a paixão mais séria. Aos 18 anos escolho ir para os Estados Unidos, na altura não me sentia muito pronto para o circuito. Eu queria jogar ténis, mas era um bocadinho intimidante, digamos assim, os torneios eram duros, eu não sentia que tinha o nível ainda para dar o salto e largar tudo para jogar ténis profissionalmente e a tempo inteiro. Só aos 22 anos é que acabo a universidade e me mando de cabeça para jogar ténis profissionalmente. Aí eu já tinha bem desenhado que queria fazer disto a minha vida, queria competir, queria tentar jogar os maiores torneios do mundo, subir no ranking, testar-me a mim mesmo para ver até onde consigo ir.

Essa decisão de não ires logo para o circuito foi essencial? Porque há jovens que aparecem com um sucesso repentino, mas depois também têm muitas dificuldades.
Há muitos miúdos que têm muito sucesso entre os 16 e os 18, mas o circuito sénior, o circuito onde estão os melhores do mundo, é duro e o ténis não é jogado da mesma maneira, são muitas semanas a viajar, pode ser um desporto até bastante solitário e há jogadores que não conseguem fazer a transição. Eu na altura era mesmo uma questão de nível, eu queria jogar e queria fazer daquilo a minha vida, mas sabia que era complicado e que era arriscado. Na altura foi mais numa de jogar pelo seguro, sinceramente. Para mim, pelo menos, acabou por ser uma boa opção, não tenho arrependimentos nenhuns na minha carreira. Mas claro, não comecei aos 18 como muitos fizeram e tiveram logo muito sucesso. Eu na altura não me via a ter esse sucesso tão cedo, daí ter aparecido um bocadinho mais tarde. Só aos 16 é que comecei a aparecer a nível nacional. O ténis em Portugal na altura não era comparado aos melhores do mundo, em França, Itália, Estados Unidos, então eu tinha noção que a realidade ainda seria mais difícil assim que fosse para o internacional. Mas sim, há miúdos que aparecem muito cedo e têm muito sucesso e há outros que não conseguem. Essa transição é complicada muitas vezes.
Quais foram os momentos que consideras chave na tua carreira até hoje?
Este da Austrália é o highlight da minha carreira. As participações na Davis Cup, cada vitória que conseguimos lá eu valorizo imenso, é uma competição especial. As participações nos quadros principais de Grand Slam, as primeiras vitórias que tive em quadros principais, o meu título de pares com o Francisco Cabral no Estoril Open foi dos melhores momentos da minha carreira também, a vitória que eu tive no ano passado nos Challengers. Depois acabei por ganhar no final do ano passado o Maia Open, o torneio que joguei em casa, também um sonho tornado realidade poder ganhar o maior torneio que o Maia Open teve nos últimos anos, jogar no central onde cresci teve um significado muito especial para mim. São momentos muito bonitos na minha carreira que vou recordar para sempre.

É mais difícil ser tenista profissional em Portugal? É uma modalidade com o reconhecimento necessário?
Comparado com alguns países, eu considero mais difícil. O facto de a cultura desportiva em Portugal ser tão virada para o futebol, tudo isso também afeta os outros desportos. Se tivéssemos mais treinadores, mais jogadores, pessoas que sabem o que é estar no topo mundial a nível de ténis, ajuda muito os mais novos a poder ensinar-lhes e a mostrar-lhes o caminho. Eu acho que não há maior ajuda do que alguém que já esteve no topo. No que toca a isso há países que já têm uma cultura tenística desde há muito tempo, há 100 anos que já têm Grand Slam, têm torneios de Masters 1000, jogadores ex-número 1 mundiais, e acho que é difícil Portugal se comparar com isso. Acho que temos vindo a melhorar muito em Portugal e acho que o ténis está no ascendente, também graças ao trabalho que tem vindo a ser feito pela federação, a promover o desporto e a dar os torneios, e acho que os resultados dos jogadores portugueses também vêm um bocadinho fruto disso. Mas claro, acho que sem dúvida é mais desafiante para um país como o nosso, não é que tenhamos as maiores dificuldades do mundo, mas até a nível financeiro e a nível de conhecimento nós não somos, nem pouco mais ou menos, os que mais sabem. É um desafio extra, mas os portugueses têm muita raça como se costuma dizer.