Os americanos costumam dizer (parafraseando uma célebre citação de Benjamin Franklin) que só há duas certezas na vida: a morte e os impostos. O prémio Nobel de Economia deste ano recorda-nos uma terceira certeza – os contratos.
“Hoje as economias modernas são reguladas por contratos”, refere-se nas primeiras linhas do comunicado da Real Academia Sueca que justifica a atribuição do Nobel da Economia deste ano – e o respectivo prémio monetário de 8 milhões de coroas suecas (cerca de 830 mil euros).
O júri recorda que tanto o inglês Oliver Hart, professor de Harvard, como o finlandês Bengt Holmström, do “rival” Massachussets Institute of Technology (MIT), dedicaram toda a sua carreira académica ao estudo dos contratos – e dos erros a evitar na sua concepção, visando equilibrar os incentivos financeiros como a distribuição dos riscos.
O objectivo final é chegar a uma situação em que as duas partes ganhem (a célebre win-win, expressão idiomática que os economistas adoram). As aplicações desses estudos podem ser vistas em várias áreas desde o mundo corporativo, entre empresas e clientes ou empregadores e empregados, até à sociedade em geral, entre políticos e eleitores ou casamentos e divórcios.
A generalidade dos economistas contactados pela imprensa concorda com a justiça do prémio. O também galardoado Paul Krugman foi um dos mais entusiásticos: “De tal modo o mereciam que só não entendo porque demorou tanto”, referiu ao The Wall Street Journal. Patrick Bolton, professor da universidade de Columbia, salientou ao New York Times que nos últimos anos a Academia Sueca tem preferido premiar economistas que desenvolvem estudos profundos sobre problemas concretos em detrimento das grandes teorias. “Estamos a repensar a Economia desde os alicerces, da pequena para a grande escala”, diz. Paul Romer, professor da Stern e eterno candidato ao Nobel, vai mais longe. “O prémio não me surpreendeu. Há muito que alerto para o facto de que o estudo da macroeconomia tem vindo a regredir”, justifica.
Mudar mentalidades
As investigações de Hart e Holmström centraram-se em particular nas situações em que há conflitos de interesse entre os accionistas e os gestores das empresas, entre as companhias e os detentores de seguros ou entre uma instituição pública e os seus fornecedores.
“Os laureados desenvolveram uma série de ferramentas que permitem analisar a vasta gama de temas associados ao desenho de um contrato, tal como a remuneração de um gestor de topo, que danos as seguradoras devem pagar ou a entrega a privados de actividades do sector público”, refere a Academia.
O júri salienta a importância da teoria contratual para temas igualmente importantes: que tipo de companhias podem ser objecto de fusão, como equilibrar o financiamento entre dívida e capitais próprios, ou como regular as relações de poder e decisão entre sócios.
Embora os dois galardoados sejam velhos conhecidos (chegaram a escrever em co-autoria um ensaio sobre a teoria contratual), o contributo de Holmström centrou-se em estimar a forma óptima de remunerar os executivos tendo em atenção a dificuldade de relacionar o esforço individual com os resultados da empresa. O economista salientou o risco dos salários ou o bónus de desempenho dos gestores estarem indexados a métricas financeiras como o valor das acções em Bolsa.
Isso é especialmente perigoso quando as opções de venda de acções (stock options) podem ser exercidas demasiado depressa, promovendo o foco nos resultados imediatos de curto prazo. A melhor opção, segundo o economista finlandês, é indexar os incentivos financeiros ao desempenho das empresas de indústrias similares num prazo mais longo. “Assim os gestores de topo não são premiados ou penalizados por eventos que não estão sob o seu controlo directo”, justifica num dos seus artigos.
Mais tarde ele aplicou o modelo teórico a outros casos reais. Por exemplo, quando o trabalhador é premiado com uma potencial promoção e não apenas com dinheiro, ou quando se procura promover a colaboração sem que um dos membros de uma equipa vá à boleia do esforço dos outros.
Contributo para a sociedade
Outro exemplo clássico da teoria contratual apontado por Holmström está no sector segurador, que procura o equilíbrio entre o prémio a pagar e o risco de incidentes. Só que ele alerta para outro trade-off invisível entre o grau de extensão do contrato e o eventual incentivo à utilização abusiva. “Na perspectiva das seguradoras é sempre preferível a cobertura integral. Mas as designadas franquias (em que o segurado paga uma parcela dos danos) existem para assegurar que o segurador se limita a utilizar os serviços de saúde (ou de reparação de automóveis) de que realmente necessita”, diz.
Hart, por seu lado, promoveu avanços noutra área da teoria dos contratos que lida com o seu carácter incompleto. “Como é impossível que um contrato especifique tudo, importa definir qual é o correcto equilíbrio entre a propriedade e os direitos de controlo”, refere o júri da Academia.
De referir que o trabalho de Hart foi utilizado pelo Governo americano para decidir não subcontratar os estabelecimentos prisionais ao sector privado. O economista provou que ao privatizar escolas, prisões ou hospitais corre-se o risco de se gerar um foco excessivo na redução de custos, o que prejudica a qualidade do serviço público.
Já em outras áreas, como a recolha do lixo, por exemplo, Hart conclui que, em regra, é mais interessante celebrar um contrato com um prestador externo do serviço do que manter a sua propriedade. “Há sempre um trade-off entre poupar dinheiro e perder o controlo. O tema crítico é estipular nos contratos como actuar quando há eventos inesperados, ou seja, regular os mecanismos não só de controlo, mas também de decisão”.
O trabalho de Holmström e Hart revela que a ciência está, afinal, na base da redacção de contratos precisos. Deixa expresso que para atingir um equilíbrio entre as duas partes de uma negociação não chega recorrer a bons advogados. Assim, da próxima vez que estiver perante a assinatura de um novo contrato de trabalho ou de outra índole, o melhor é seguir os ensinamentos de economistas famosos com formação em Matemática, como os dos mais recentes laureados com o Nobel da Economia.