Aterrou em terras europeias, fugida do Afeganistão, a sua terra natal. Não por medo. Mas para proteger a sua família e “para poder lutar por todas nós”. E por nós entendam-se todas as afegãs que não aceitam o regime talibã que após a tomada de Kabul, têm vindo a impor sérias restrições às mulheres.
No twitter, o discurso é bem explicito: às mulheres é proibido circular com roupa colorida atrativa em público; às mulheres é proibido cheirar bem em público; às mulheres é proibido usar sapatos altos que façam barulho ao andar. Zarifa reage. No Twitter e para a Forbes num desabafo genuíno de quem não aceita esta ou qualquer outra imposição que belisque os direitos da igualdade do género, sobretudo quando o Islamismo não o impõe: “Desde que os talibãs assumiram o poder que só falam de mulheres. Não podem estudar para além do secundário. Não podem ter cargos. Não podem vestir-se como querem. Deixem-nos. Se querem fazer algo de bom, olhem para o resto. Há muito por fazer na nossa terra”.
Dois tipos de mulheres no Afeganistão
Optou por sair para poder erguer a sua voz, viajar e denunciar. Confinada em Kabul, na sua casa, pouco ou nada já poderia fazer. Alemanha é o seu novo poiso, onde já conheceu Angela Merkel, uma das três mulheres que aponta como uma referência na sua vida, juntamente com Hillary Clinton e Michelle Obama: “Merkel é fantástica, uma mulher forte e um ser humano muito solidário”, diz a jovem afegã, ela também um ídolo para muitas, mas longe de ser consensual: “Há dois tipos de mulheres no Afeganistão: aquelas que protestam e estão a fazer barulho e aquelas que estão a apoiar os talibãs. Para estas, que são em menor número, eu digo força. Haja liberdade de escolha. Os talibãs gostam de exibi-las ao mundo para mostrar que têm apoiantes mulheres. As primeiras, que são a maioria, corajosas, só tenho pena de não estar com elas nos protestos. As mães lutam pelas filhas, querem que elas tenham educação e uma vida diferente. São de todas as idades e saem à rua”.
Zarifa Ghafari tem 30 anos. Licenciou-se em Economia na Índia, país para onde foi já com as ideias bem definidas e com um mindset de que não seria uma filha obediente do regime, porque acreditava, acredita, que pode pensar por si. Mas quando é que se deu esse clique? Faz uma pausa. Faz um flashback e diz. “Não sei. Provavelmente sempre esteve em mim. Mas recordo-me de um momento que me marcou no novo ano, quando um professor não me deu a nota que merecia por não usar burca. Isso mexeu comigo. Muito. A partir daí soube que tinha de erguer a voz”. E é isso que tem feito e é isso que quer continuar a fazer. Ser ativista. O que significa ter coragem e uma grande dose de irreverência. Tão grande que se prontifica a sentar e negociar com os talibãs, apesar de ter consciência de que está na sua black list: “Ninguém nos representa melhor do que nós próprios. Sei que consigo falar diretamente com eles. Não tenho medo. Não precisamos que o Paquistão fale por nós. Se querem os talibãs levem para o país deles. Quem é o Primeiro Ministro de Paquistão para falar por nós, quem lhe deu esse direito?!”.
“Recordo-me de um momento que me marcou no novo ano, quando um professor não me deu a nota que merecia por não usar burca. Isso mexeu comigo. Muito. A partir daí soube que tinha de erguer a voz”.
O facto de haver interesses económicos no meio desta guerra e deles prevalecerem tira do sério a afegã “Estou envergonhada pela comunidade internacional porque estão só a olhar. Especialmente as grandes potências como os Estados Unidos, a China e a Rússia. A minha missão é alertar as pessoas de todo o mundo para que estas pressionem os seus governos para fazerem algo por nós”. O seu regresso não está fora de cogitação, mas tem condicionantes: “Adorava voltar, mas preciso de confirmar se estaria a salvo. Ninguém consegue dormir bem na almofada de outra pessoa, na casa de outros. Quero voltar, mas… “. Mas por ora vai continuar a levantar a sua voz, sempre sob uma ameaça de morte iminente que atinge também os seus mais próximos. Sarifa perdeu o pai no ano passado. Abdul Wase Ghafari, um veterano militar das Forças Especiais perito em operações contra os talibãs, foi abatido perto da sua casa. É nele que vai buscar a sua inspiração. Foi ele que a levantou quando no Facebook a culparam por uma explosão acidental numa festa que organizou e onde acabou com a mão queimada. Disse-o na altura. ‘Não preciso do teu salário. Luta para o mundo mudar. Isso também exige lutar contra a mentalidade estúpida dele”.
“São poucos os momentos em que me ouço respirar, porque tenho sempre de levantar, muito e muitas vezes, a minha voz”
No emirado islâmico, como os talibãs agora o designam, o lugar das mulheres é em casa e são constantemente avisadas que é melhor não saírem à rua para protestarem. E aos jornalistas é aconselhado não passarem esses protestos. Mas as redes sociais são poderosas e não deixam escapar estes momentos. Zarifa está longe, mas atenta. Até não haver corte de informação, vai mantendo o contacto com amigos, colegas e familiares. É a mais velha de oito irmãos, vai treinando a maternidade, como nos disse com um sorriso, pois neste momento a causa consome-a. Tem pouco tempo livre e quando o tem prefere alhear-se deste mundo com um bom filme humorístico de Charlie Chaplin. Ou, em alternativa, estar apenas e só consigo própria. Porque nos diz, “são poucos os momentos em que me ouço respirar, porque tenho sempre de levantar, muito e muitas vezes, a minha voz”. #raiseyourvoice.