Tomás, Tiago, Amélia e Sofia têm origens, idades e formações diferentes. Provavelmente nem se conhecem, mas têm algo em comum: largaram as profissões que tinham e são hoje programadores de software, bem remunerados e felizes com a actividade profissional que têm.
“Foi a mudança que eu precisava na minha vida”, diz Amélia Borges, licenciada em Gestão Hoteleira com 39 anos, natural da Ilha Terceira, local onde a Academia do Código tem um bootcamp e está a criar um pólo tecnológico de raiz, em parceria com o Governo Regional.
Antes, a empresa fez o mesmo no Fundão, um município onde a aposta no fomento de um pólo tecnológico está a contrariar a desertificação humana. Sofia Manuel é um exemplo.
No dia em que falou com FORBES, esta engenheira civil de 29 anos, natural do Porto, hoje programadora de software na Fruition Partners, uma das muitas empresas de cariz tecnológico instaladas no município, estava à espera de um telefonema de uma imobiliária.
Vai comprar casa na cidade, onde pretende viver com o marido que conheceu num dos vários bootcamps que a Academia do Código realiza anualmente naquela cidade desde 2016. Ela, que nem sabia onde era o Fundão antes de ir “estudar” para lá. “Tive de ir ver no mapa”, confessa à FORBES.
“Percebemos que as competências que os jovens tinham não eram as que a sociedade e as empresas estavam a procurar”, explica João Magalhães.
Tomás e Tiago, com 20 e 29 anos, respectivamente, só se desviam do contexto na geografia. O primeiro era um “nem-nem” (nem estudava, nem trabalhava) com o 9.º ano de escolaridade, e o segundo trabalhava na Câmara Municipal de Lisboa (CML), preso a um 12.º ano incompleto.
Hoje, ambos trabalham na Bool, uma tecnológica holandesa. Tiago está na Holanda, depois de ter passado pela Novabase, enquanto Tomás está em Lisboa, mas já podia estar em Nova Iorque se tivesse aceitado a proposta de emprego no banco de investimento JP Morgan.
E estas são apenas algumas das cerca de 500 histórias de vida que a Academia do Código mudou nos últimos anos.
Fundada em 2013 por Domingos Guimarães e João Magalhães, a Academia do Código começou a ganhar tracção em 2015, quando a ressaca do período pós-Troika espoleta a oportunidade para criar um projecto alternativo na área da formação. “Percebemos que as competências que os jovens tinham não eram as que a sociedade e as empresas estavam a procurar”, explica João.
Com cerca de 150 mil jovens desempregados no país, na sua maioria licenciados com idade inferior a 30 anos e uma escassez de 10 mil a 15 mil profissionais da programação em Portugal, o negócio parecia ter pernas para andar, mas era preciso testá-lo. Foi o que fizeram.
Propuseram a ideia ao Orçamento Participativo da CML e conseguiram o dinheiro para um curso piloto com 15 vagas. Obtiveram 600 candidaturas, um problema, que obrigou a empresa a construir um método de selecção.
Este é parte da chave do sucesso dos resultados alcançados – o processo começa com o simples preenchimento de um formulário focado nas motivações do candidato, que no passo seguinte é convidado a realizar um curso online da Universidade de Stanford, o Basics of Computer Science. “É aqui que as pessoas ficam a saber onde se vão meter”, refere João.
Os que “passam” são submetidos a um exercício e os melhores são convidados a passar um dia na Academia para um workshop em que têm de desenvolver um caso, e depois são sujeitos a entrevistas individuais.
É um processo que pode demorar até três meses. E aos que são admitidos seguem-se mais três meses e meio de trabalho intenso. “Foi muito suor e lágrimas”, descreve Amélia. “Mas compensa!”, exclama.
Emprego garantido
No último ano, empresas como a Wild Code School, a Ironhack e a Le Wagon descobriram, na escassez de profissionais e na dinâmica do ecossistema tecnológico nacional, um terreno fértil para se instalar e aproveitar um negócio que, de acordo com um relatório do sector – “Bootcamp Market Report 2017” -, irá crescer a nível mundial a um ritmo anual de 11%.
João está atento à tendência. Em 2018, a Academia do Código adquiriu a Codeplace para entrar nesta corrida pois, segundo o co-fundador da start-up nacional, o objectivo da Academia do Código é diferente.
“Na óptica destas empresas, o objectivo é formar pessoas para a criação do seu próprio negócio, enquanto nos nossos bootcamps formam-se profissionais para o mercado da TI”, diz, explicando que tal obriga a outro tipo abordagem de ensino e compromisso. “Nós temos uma metodologia que não só ensina competências técnicas, como as soft skills, que permitem transformar qualquer pessoa num profissional apto a trabalhar numa empresa de tecnologia”, defende.
E, por compromisso, leia-se emprego quase garantido – cerca de 96% dos formandos da Academia do Código encontram emprego no primeiro ano após frequentarem o curso.
Dos quatro exemplos mencionados, Tiago foi o que demorou mais – seis meses – e não foi por falta de ofertas, mas “por falta de confiança”, explicou à FORBES. “O nosso objectivo é criar pólos tecnológicos de raiz ou alimentar as empresas do sector”, afirma João.
Os casos do Fundão e da Ilha Terceira são exemplos de um negócio em que todas as partes ganham.
Por exemplo, no Fundão, os formandos que ficarem a trabalhar no município pagam apenas metade dos 5 mil euros que o curso custa – em suaves prestações, depois de começar a trabalhar – e, na Ilha Terceira, o custo dos primeiros cursos foi suportado pela Sociedade para o Desenvolvimento Empresarial dos Açores, EPER (SDEA), também na condição de ficarem a trabalhar em empresas sediadas na ilha.
O município da Praia da Vitória, na Ilha Terceira, suportou ainda o serviço de captação de empresas empregadoras – um upgrade no serviço que deverá ser internacionalizado. Embora não possa revelar onde, João adianta que está “prestes a fechar um negócio além-fronteiras para a criação de um pólo tecnológico”.
A atracção do negócio da Academia do Código está na capacidade de criação e retenção de valor localmente, pois atrai empresas, e alguns dos formandos acabam por permanecer na região, o que acaba por justificar o investimento público. O município do Fundão já aplicou 358,9 mil euros nesta estratégia que lhe valeu o primeiro prémio no concurso europeu “Regiostars 2018”, na categoria “Apoiar a transição industrial inteligente”.
A SDEA e a Câmara da Praia da Vitória aplicaram 193 mil euros, que resultou em 60 graduados e 8 empresas domiciliadas na ilha, quando antes não havia nenhuma.
Depois, como explica João, é um investimento que acaba por ser financiado ou recuperado através de fundos comunitários.
Em Lisboa e no Porto, onde os cursos têm um custo de 6 mil euros, o modelo de financiamento dos cursos assenta no financiamento bancário, através de uma solução criada pela empresa em parceria com o Banco BNI Europa e por parcerias com empresas que, em troca do direito de preferência sobre os graduados, concedem bolsas de estudo que cobrem parte ou a totalidade da propina.
Foi o que aconteceu no Porto com a Novabase.
Código próprio
Apesar de ter características de uma start-up, como a inovação do método de ensino e o rápido crescimento do volume de negócios (que ano após ano tem duplicado), a Academia do Código não seguiu o rumo normal deste tipo de empresas que, após validação do produto ou serviço, procura angariar venture capital para escalar.
Além dos fundadores, tem apenas um fundo de capital de risco como accionista, o Fundo Bem Comum FCR (com apenas 5% do capital). João confessa à FORBES que não descarta a angariação de capital para a nova fase de crescimento da empresa, que engloba o lançamento dos novos cursos e a internacionalização.
No início do negócio ainda recorreram a financiamento bancário, mas foi através de Títulos de Impacto Social (TIS) que conseguiram a implementação de projectos-chave – os TIS são um mecanismo de financiamento através do qual uma entidade do sector público acorda reembolsar um ou mais investidores pelo investimento num determinado projecto, mediante o alcance de resultados sociais concretos e mensuráveis. Foi assim que, em 2015, nasceu o projecto Academia de Código Júnior.
“A certa altura, apercebemo-nos que para resolver o problema estrutural do país era preciso começar a ensinar as bases da programação em idades mais jovens”, diz João, adiantando que aproveitou a tendência crescente da introdução das bases da programação nos programas curriculares do primeiro ciclo do ensino básico em vários países, para criar um novo produto que permitisse aos governos introduzir uma disciplina do tema nos currículos e, aos professores, ensiná-la sem grande esforço.
Hoje, a Academia do Código Júnior conta com 60 mil alunos inscritos e tem o mundo para crescer.
Também aqui começaram com um projecto piloto envolvendo três escolas lisboetas, tendo a CML como entidade pública e a Fundação Calouste Gulbenkian como investidor.
No final, a Academia de Código Júnior, como foi baptizado, não cumpriu as métricas todas o que fez com que o investidor fosse ressarcido em apenas 25% do valor investido.
Mas foi considerado um sucesso pelas partes envolvidas, o que abriu mais umas portas à start-up. O projecto seguiu para o Fundão, onde foi aplicado em várias escolas – boa parte do valor investido pelo município foi para a realização do estudo e implementação deste projecto -, seguindo depois para outras geografias.
Hoje, a Academia do Código Júnior conta com 60 mil alunos inscritos e tem o mundo para crescer. Tiago e os sócios começaram por agir globalmente, mas nunca deixaram de pensar localmente.
Desde o projecto piloto em Lisboa, a Academia do Código começou a trabalhar numa solução “chave-na-mão” aplicável a nível mundial que entrou recentemente em comercialização – a plataforma ubbu.
Com a ajuda da Microsoft e da portuguesa JP.IK, os maiores fornecedores mundiais de software e hardware para o sector da educação, a Academia do Código espera disseminá-la pelas escolas do mundo inteiro, agora sim num modelo de software por subscrição, escalável.
Além de Portugal, a empresa tem já acordos com empresas do sector da educação nos EUA, África do Sul, Espanha, Holanda, Noruega, Cabo Verde, Colômbia e Brasil, e esperando este ano chegar a 1 milhão de alunos, tornando cada um deles num programador em potência.