A Torre do Tombo acaba de anunciar que o historiador José Mattoso, 90 anos de idade, acabou de falecer. O atual diretor deste importante arquivo nacional, Silvestre Lacerda, destaca o papel deste historiador na modernização dos arquivos nacionais e municipais.
Nascido em 1933, em Leiria, filho do professor António Gonçalves Mattoso, também ele autor de diversos compêndios, José Matoso foi uma referência nacional no estudo das origens de Portugal e deixa inúmeras obras publicadas. Destaca-se a História de Portugal, publicada em oito volumes, pelo Círculo de Leitores, entre 1992 e 1994.
Sobrinho neto do bispo da Guarda, D. José Alves Mattoso, entre os 17 anos e os 30 e poucos anos foi monge beneditino, tendo nesse período realizado uma licenciatura em História, na Universidade Católica de Lovaina, tendo tirado depois, na mesma instituição, o doutoramento em História Medieval. Foi presidente do Instituto Português dos Arquivos entre 1988 e 1990 e diretor da Torre do Tombo entre 1996 e 1998. Ao longo da sua vida recebeu inúmeros prémios, tais com o o Prémio Alfredo Pimenta e o Prémio Pessoa. Partiu hoje, aos 90 anos de idade, depois de vários anos enfermo com a Doença de Parkinson.
José Mattoso renovou o interesse pelo estudo da Idade Média portuguesa, área sobre a qual publicou a maior parte da sua obra, nomeadamente “Identificação de um País” (1985), que apresentou novas linhas de investigação sobre a Idade Média portuguesa. Segundo o historiador, este livro nasceu “de uma insatisfação”: “a de não encontrar na historiografia portuguesa respostas para muitas interrogações que a moderna ciência histórica não pode deixar de colocar”. “Tentei dar as minhas e coordená-las num conjunto que constituísse uma visão global da História de Portugal durante os seus dois primeiros séculos. A minha curiosidade orientou-se especialmente para os homens concretos, a sua maneira de viver e de pensar. As instituições, as estruturas, as formações sociais e económicas interessaram-me sobretudo na medida em que os podem revelar”, explica no prefácio à obra.
“Mais do que exaltar a Pátria, interessa-me o relacionamento dos Portugueses uns com os outros”- José Mattoso.
Mattoso, como realçou à agência Lusa o investigador Carlos Caetano, ultrapassou o olhar positivista tradicional na historiografia portuguesa e “desideologizou o nosso olhar sobre o passado histórico português”, ultrapassando quer a tradição nacionalista, quer “alguns radicalismos próprios da historiografia marxista” e os seus modelos. Numa entrevista à Lusa, José Mattoso afirmou: “Mais do que exaltar a Pátria, interessa-me o relacionamento dos Portugueses uns com os outros”.
O historiador assinou também uma biografia do rei Afonso Henriques, publicada em 2006 pelo Círculo de Leitores, sobre a qual alertou que, para traçar a biografia de qualquer personagem medieval, “é preciso muita imaginação”, justificando com os dados documentais, que “são escassos e fragmentários”.
Foi admitido como professor auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1972 e, cinco anos mais tarde, tornar-se-ia professor catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. A produção historiográfica de Mattoso começou a ser publicada em 1968, com “Les Monastèresde la Diocèse du Porto de l’an mille à 1200”, seguindo-se, em 1970, “As Famílias Condais Portucalenses – séculos X e XI”, tema a que voltou em 1981 com a obra “A Nobreza Medieval Portuguesa. A Família e o Poder” (1981). Em 1982, publicou “Religião e Cultura na Idade Média Portuguesa”. Em 1985, publicou “Portugal Medieval” e, no ano seguinte, a sua obra de referência, “Identificação de um País” (dois volumes), que lhe valeu o Prémio Alfredo Pimenta e o Prémio Ensaio do P.E.N, Clube, em 1986.
José Mattoso é autor de mais de 30 obras, algumas em colaboração, como “O Castelo e a Feira. A Terra de Santa Maria nos Séculos XI a XIII” (1989) com Amélia Andrade e Luís Krus, e “Portugal O Sabor da Terra, um retrato histórico e geográfico por regiões” (1998), com Suzanne Daveau e Duarte Belo.
Numa entrevista à agência Lusa, referiu que o seu fascínio pela Idade Média estava na mentalidade coeva. “Como viam o mundo e se organizavam para tentarem dominar a realidade”, disse. E acrescentou que a mentalidade “é uma das chaves mais decisivas” para compreender as estruturas.
José Mattoso é autor de mais de 30 obras, algumas em colaboração, como “O Castelo e a Feira. A Terra de Santa Maria nos Séculos XI a XIII” (1989) com Amélia Andrade e Luís Krus, e “Portugal O Sabor da Terra, um retrato histórico e geográfico por regiões” (1998), com Suzanne Daveau e Duarte Belo.
Na área infantojuvenil, os títulos “Os Primeiros Reis” (1993), “No Reino de Portugal”(1994) e “Tempos de Revolução” (1995), contaram com Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada. Em 1992, o Estado português condecorou-o com o grau de Grande Oficial da Ordem de Sant’Iago da Espada. Em 2005, Mattoso publicou “A dignidade Konis Santana e a Resistência Timorense” (1995), uma das suas raras incursões na História Contemporânea, quando aceitou ser “colaborador voluntário do Instituto Português de Auxílio à Cooperação, durante os cinco anos” que permaneceu em Timor-Leste, como explica na “introdução” da biografia do combatente timorense.
“Trabalhei então na base de dados para consulta dos documentos criada pela Fundação Mário Soares e redigi milhares de sumários. Arrumar, descrever e indexar estes documentos”, acrescentou, tendo estado também, na génese do atual o Arquivo e Museu da Resistência Timorense, em Díli. Em 2002, colaborou com a Fundação Mário Soares para a realização da exposição “A Nossa Vitória é Apenas Questão de Tempo…”, por ocasião da restauração da independência de Timor-Leste, a 20 de maio.
“A minha visão da História humana, da História-vivida é contemplativa. Requer um olhar atento, global, pacífico, não interventivo” – José Mattoso.
Em 2012, publicou “Levantar o Céu – Os Labirintos da Sabedoria”, que lhe valeu o Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes, do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, da Igreja Católica, um galardão a juntar a outros com os quais foi distinguido ao longo da carreira, como o Prémio Böhus-Szögyény de Genealogia, em 1991 ou o Troféu Latino, em 2007.
Num ensaio inédito, na abertura da obra, de 2020, “A História Contemplativa”, volume que reúne palestras e artigos datados de 1996 a 2013, José Mattoso escreveu: “A minha visão da História humana, da História-vivida é contemplativa. Requer um olhar atento, global, pacífico, não interventivo. Um olhar que capta as relações do pequeno com o grande, do singular com o plural, do diferente com o semelhante, do mesmo com o contrário. Um olhar que coloca as coisas na sua ordem, que permite descobrir os géneros e as espécies, que classifica os conjuntos e lhes atribui qualidades. Um olhar que reconhece o movimento e as mutações, sem que a diferença de tempo altere a identidade. Um olhar que compreende os percursos e os destinos da Humanidade, a atração e a repulsa, o amor e o ódio”.
Com Lusa