Eventos climatéricos extremos, 99% relacionados com água, têm tendência a agravar e implicarão o aumento da mobilidade climática das populações nas próximas duas décadas, diz estudo da BCG.
Os últimos anos não têm sido fáceis no que diz respeito aos eventos climatéricos extremos que têm assolado vários países um pouco por todo o mundo. Segundo um estudo do grupo de trabalho World Weather Attribuition as alterações climáticas estão a promover eventos cada vez mais destrutivos e mortíferos nas últimas décadas, tendo provocado a morte a mais de 570 mil pessoas. Secas, chuvas intensas e inundações são os responsáveis por muitas destas mortes, que, segundo os especialistas vão continuar a acontecer. Só nas últimas semanas foram duas as tempestades que devastaram a Florida e na vizinha Espanha o fenómeno DANA, provocou um rasto de destruição em Valência.
O estudo da BCG revela que, em 2022, 99% das deslocações relacionadas com catástrofes naturais foram provocadas por eventos relacionados com a água.
Agora um estudo da Boston Consulting Group (BCG) revela que as inundações, secas e tempestades poderão obrigar anualmente cerca de 43 milhões de pessoas a deslocar-se, até 2050. Deste número, cerca de 32 milhões serão desalocadas internamente e 11 milhões obrigará à deslocação além-fronteiras. O relatório “To Understand Climate Mobility, Follow the Water”, refere que a mobilidade climática – movimento voluntário ou forçado de pessoas, em resposta aos impactos das alterações climáticas -, é uma realidade crescente.
A água é a força dominante que impulsiona esta mobilidade. O estudo revela que, em 2022, 99% das deslocações relacionadas com catástrofes naturais foram provocadas por eventos relacionados com a água. Esta tendência deverá intensificar-se nas próximas décadas, caso não se implementarem ações eficazes para mitigar o impacto das alterações climáticas.
Mobilidade climática forçada tem como causa principal desastre naturais com água
“As alterações climáticas, nomeadamente o aumento e a maior variação das temperaturas a nível global, têm afetado principalmente a quantidade, disponibilidade e qualidade da água, gerando impactos económicos, políticos e sociais”, afirma, em comunicado, Manuel Luiz, managing director e partner da BCG em Lisboa. “A mobilidade forçada das populações a nível mundial tem como sua principal causa os desastres naturais relacionados com a água, o que reforça a necessidade de acelerar a transição energética e reduzir as emissões de carbono. Além disso, naqueles eventos que não serão possíveis de prevenir, torna-se imperativa a implementação de ações sociais que aliviem o impacto dos desastres hídricos na população.”
No pior possível, se prevê pouco ou nenhum esforço para mitigar as emissões de gases com efeito de estufa, uma elevada dependência dos combustíveis fósseis e pouco avanço na adopção de tecnologias verdes.
A BCG desenvolveu um modelo orientado pelas mudanças induzidas pelo clima nos padrões de água, para prever o consequente movimento interno e externo de pessoas até 2050, em comparação com os registos de 2020. Para o fazer baseou-se em três cenários desenvolvidos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), com base em diferentes níveis de mitigação das emissões de gases com efeito de estufa.
No primeiro cenário haverá uma união de esforços para reduzir os efeitos com gases de estufa, apostando em inovação técnica. Neste cenário de respeito pelos limites ambientais e melhor gestão da água a nível mundial, prevê-se, ainda assim, um aumento de cerca de 1% da mobilidade climática interna e de 2,5% da deslocação entre diferentes países (mobilidade climática externa).
Um segundo cenário assenta na manutenção do status quo e pressupõe um pico de emissões em 2040, assumindo políticas climáticas globais e avanços tecnológicos moderados. O crescimento dos rendimentos globais será desigual e o ambiente continuará a degradar-se, apesar de ligeiras melhorias. Nesta conjuntura, é expectável um aumento da mobilidade climática interna de aproximadamente 14% e de quase 3% a nível externo.
Finalmente o terceiro é o pior possível: nele se prevê pouco ou nenhum esforço para mitigar as emissões de gases com efeito de estufa, uma elevada dependência dos combustíveis fósseis e pouco avanço na adoção de tecnologias verdes. Neste cenário, o aumento da mobilidade climática poderá ascender aos 33% do ponto de vista interno e aos 3% no que respeita a deslocação além-fronteiras.
Várias regiões do mundo enfrentam os riscos
A nível regional, África, Austrália, Médio Oriente e Europa Central enfrentam o maior risco de aumento de inundações nos três cenários, embora a frequência de tais eventos seja mais provável no cenário mais severo. Quanto ao risco de secas, a Europa Central, a América Latina e o Sudeste Asiático são as mais suscetíveis, mas o risco aumentará para outras regiões na ausência de esforços mais rigorosos de mitigação climática, sublinhando a necessidade urgente de adaptação de estratégias.
A BCG sugere três estratégias para mitigar as crises hídricas e mobilidade climática:
1-Aumentar a resiliência da água.
É fundamental conceber soluções baseadas na natureza e na restauração de infraestruturas existentes para melhorar a capacidade de adaptação a eventos hídricos extremos. É necessário aqui juntar esforços para potenciar o acesso a ferramentas e plataformas digitais que possam aumentar a resiliência ao longo da cadeia de valor da água, como tecnologias de captação, armazenamento e distribuição, e de recuperação de águas residuais de baixo custo.
2-Reforçar a resiliência social.
Para garantir que os esforços são duradouros, é necessário juntar diversas entidades, nomeadamente instituições públicas, decisores políticos e comunidades locais, para desenhar políticas e estratégias consistentes que permitam aumentar a adaptabilidade da água e criar confiança nas soluções propostas junto da população.
3-Preencher a lacuna entre a resiliência da água e a resiliência social. A colaboração é a chave para mitigar crises hídricas e a mobilidade climática. Neste sentido, deve haver uma interajuda entre fronteiras organizacionais para reunir ideias, pessoas e recursos, bem como para desenvolver mecanismos de financiamento inovadores, que beneficiem as pessoas deslocadas.