O mercado de Insurtechs alcançou 8 mil milhões de dólares de investimento em 2022, num total de 470 negócios, o que representa o segundo melhor ano de sempre em termos de volume de acordos. Esta é a principal conclusão do Insurtech Global Outlook 2023, relatório elaborado pela NTT Data, consultora global de negócios e tecnologia.
A NTT Data analisa os cinco desafios que a atividade seguradora enfrenta: sustentabilidade, cibersegurança, distribuição inteligente, modelos de seguro on-demand e o envolvimento das empresas após as mudanças sociais dos últimos anos.
Nuno Albuquerque e Castro, Partner, Head of Insurance Practice da NTT Data Portugal, salienta que “analisamos o setor Insurtech há sete anos e, apesar de toda a incerteza socioeconómica, os níveis de investimento continuam elevados o que demonstra a capacidade de adaptação da atividade às alterações de mercado, no sentido de suportar o setor nos desafios que têm emergido. O ecossistema segurador tem sido capaz de compreender os benefícios dos novos modelos, bem como de relevar a importância de questões fundamentais para esta indústria, tais como: a cibersegurança e a sustentabilidade, que terão cada vez mais impacto a médio e longo prazo. Esta é uma tendência que vai ganhar cada vez mais força”.
Europa aproxima-se dos EUA graças a investimentos em fases iniciais
A Europa continua a reduzir a distância em relação aos Estados Unidos, registando-se, atualmente, a menor diferença de sempre entre as duas regiões. De facto, o continente concentrou 50% das operações de 2022 em empresas nas fases iniciais de 2022, com o Reino Unido, Alemanha e França, seguidos pela Itália, Espanha e Suíça a serem os países mais ativos em rondas de financiamento (com destaque para as áreas de inovação, seguros integrados e saúde mental).
Segundo o relatório, se 2021 ficou marcado por uma onda de inovação liderada pelos Estados Unidos, em 2022 os seus investimentos diminuíram, em parte, “devido à mudança de foco das startups Insurtech do país, que estavam orientadas para a redução de despesa”.
De acordo com a NTT Data, esta aproximação do mercado europeu ao mercado norte-americano justifica-se pelo investimento em empresas que se encontram numa fase inicial, que foram as que menos sofreram este ano, “principalmente, devido à procura de investimento em modelos orientados para a rentabilidade e não para o crescimento, visando um maior retorno nas fases iniciais do que em outros anos”.
As Insurtechs europeias orientaram-se para mercados com maior rentabilidade e linhas de negócio focadas em tendências. Quanto ao resto do mundo – Ásia, África e América Latina – tem havido um ligeiro crescimento nos últimos anos em empresas que se encontram em fases iniciais.
Cinco grandes desafios
O setor dos seguros está a experienciar uma evolução sem precedentes e a avançar na utilização de tecnologias, observa a NTT Data que destaca os cinco grandes desafios do setor Insurtech:
- Sustentabilidade: as mudanças climáticas são identificadas como o primeiro risco no setor, uma vez que os fenómenos naturais catastróficos que têm ocorrido nos últimos anos causaram perdas significativas. “Por conseguinte, as seguradoras devem identificar e desenvolver soluções centradas no clima, identificando três áreas de ação: assegurar a transição para o Net Zero, criar soluções de transferência de riscos para riscos físicos crescentes e adaptar os serviços”, diz a NTT Data.
Para isso, “a tecnologia desempenha um papel fundamental, uma vez que as seguradoras utilizam IoT, stationary sensors, dados de radar ou sonar, visão computacional, drones, gémeos digitais, machine learning e análise estatística, para prever e mitigar o risco de desastres naturais, e prevenir e reduzir a perda de vidas humanas, bens e recursos”.
- Distribuição inteligente: “a distribuição é um fator chave para se conseguir uma maior retenção de clientes e lucros mais elevados. Neste sentido, ter parceiros no setor da distribuição dá às seguradoras acesso a um novo mercado – dentro de um mercado existente – graças à possibilidade de oferecer produtos à base de clientes do distribuidor. Para o proprietário do canal, os benefícios materializam-se no cross-selling, sem ter de tentar desenvolver o mesmo produto”.
- Riscos digitais: “os ciberataques estão a aumentar 50% em relação ao ano passado, levando muitos governos a estudar novas leis, apesar de a Europa apresentar a taxa de adoção mais elevada, com 91%. Neste contexto hiperligado, as empresas procuram novas formas de se defenderem de ataques nocivos e de investirem em proteção, especialmente para garantirem a segurança dos dados, que constitui a base fundamental e a motivação essencial da subscrição de seguros”.
“Embora a cibersegurança nos seguros não seja uma linha de negócio tradicional, devido ao elevado custo das tecnologias aplicadas, a realidade é que, no contexto atual, o investimento das seguradoras em insurtechs multiplicou seis vezes nos últimos três anos. Este facto é motivado pela visão de futuro da prevenção de riscos, também cibernéticos, e nos dispositivos IoT, que é um desafio que não pode ser descartado”, comenta a NTT Data.
- Modelos de seguro on-demand: a simplicidade dos modelos on-demand aumenta a probabilidade de se subscrever um seguro em 58%, conclui esta análise, pelo que “a indústria deve tirar partido destes novos modelos para aumentar a sua capacidade de atingir um público mais vasto. Neste sentido, a tecnologia desempenha um papel fundamental para o crescimento deste modelo, para automatizar tarefas não essenciais em produtos de subscrição (45% afirmam já tê-lo utilizado para estes fins), enquanto 35% indicam que a sua carga de trabalho diminuiu graças às soluções digitais”.
- Envolvimento das empresas na sociedade após as mudanças sociais dos últimos anos: “após os acontecimentos sociais dos últimos anos (com especial destaque para a pandemia COVID-19), os consumidores consideram que o bem-estar é um fator mais importante do que nunca. A adoção de tecnologias digitais em questões relacionadas com o bem-estar não para de crescer, e a prova disso é que 71% dos consumidores consideram provável a utilização de cuidados virtuais (18% mais do que em 2021)”.
Neste sentido, “as empresas são obrigadas a ser socialmente responsáveis, especialmente em assuntos relacionados com a saúde. Os investimentos em seguros empresariais, com destaque para os de saúde, continuam a crescer de forma contínua desde 2015, o que denota que o mundo dos negócios tem noção da importância das empresas estarem comprometidas com o bem-estar”, remata a NTT Data.
Nuno Albuquerque e Castro, Partner & Head of Insurance Practice NT DATA Portugal:
“Um dos grandes desafios que as seguradoras enfrentam é o de conseguirem demonstrar o valor dos seus produtos e serviços aos clientes”
O relatório refere que a distância entre Europa e EUA em termos de seguradoras com forte pendor tecnológico estreitou-se. E Portugal, como aparece no panorama europeu, nesta matéria?
Podemos extrapolar as mesmas conclusões para Portugal, que também é diretamente afetado pelo contexto global. Em tempos de grande incerteza económica, com elevada inflação e aumento das taxas de juros, acreditamos que essa distância irá diminuir, devido à previsível austeridade de investimentos por parte de todos os operadores do mercado.
Com base nesta nova realidade de menor disponibilidade de recursos, as seguradoras e os investidores vão, previsivelmente, mudar o seu foco para empresas que ajudem a melhorar a sua eficiência operacional e a reduzir custos, o que pode ser uma oportunidade para as Insurtechs com soluções focadas nesta temática.
O mercado de Insurtechs em Portugal que dimensão tem? É possível perceber isso? Como se caracteriza?
A dimensão do mercado Insurtech é indiretamente calculado pela dimensão do investimento recebido pelas Insurtechs. Com base nesta métrica e considerando variáveis económicas como o tamanho do PIB e população, embora a dimensão da amostra dos investimentos feitos em Portugal seja reduzida, conseguimos afirmar o óbvio, que o mercado português é relativamente pequeno. A título de exemplo, a Wefox recebeu só em 2022 400 milhões de dólares, montante substancialmente superior à dimensão estimada do mercado português.
Outra das grandes diferenças advém de duas importantes variáveis, o modelo de negócios das Insurtechs portuguesas e a maturidade do mercado. Observando os modelos de negócio das principais Insurtechs, como a Knok, Probely e Fluxe, vemos que são startups que complementam os negócios B2B SaaS e também o negócio das seguradoras. Claro, que as MGAs – indivíduos ou empresas que atuam como agentes ou corretores em nome de uma seguradora –, como a Mudey ou Seguros Indie, são um pouco diferentes, mas são empresas de 2019 e ainda estão em fases iniciais de investimento.
Das quatro tecnologias que destacam como sendo aquelas que maior relevância terão para o setor segurador, qual é que podemos apontar como sendo a que terá um maior peso enquanto fator de escolha determinante entre propostas de seguradoras diferentes junto do consumidor?
A utilização de novos modelos de subscrição, que tiram proveito de análises preditivas tem e continuará a ter uma enorme relevância para o setor, pois permite aos operadores processarem um grande volume de dados, com o intuito de poderem conhecer melhor o seu cliente, não só em termos daquilo que são as suas preferências/ possíveis necessidades, como também do seu perfil de risco. Conhecer melhor o cliente permite à seguradora apresentar uma melhor proposta de valor, alavancando ofertas cada vez mais personalizadas, atrativas e de acordo com as exigências dos clientes, sem perder o foco na sua rentabilidade.
E dos desafios que evidenciam, qual aquele que o ramo das seguradoras parece estar com maior dificuldade em superar?
Um dos grandes desafios que as seguradoras enfrentam atualmente é o de conseguirem demonstrar o valor dos seus produtos e serviços aos clientes. Quando essa consciência não existe o cliente não compra, o que leva a que existam falhas de cobertura de seguros em múltiplas áreas e dimensões da nossa sociedade, como o demonstra um estudo recente da ASF. O facto de existirem inúmeros pontos de contacto – agências, mediadores, websites, APP’s, etc. – e pouca compreensão sobre a proposta de valor das seguradoras dificulta o processo de compra de algo que não traz benefícios imediatos, como por exemplo a compra de uma viagem ou de um carro.
Por este motivo, embeber seguros nas transações diárias dos clientes, através de uma base de parceiros, dá às seguradoras acesso a um novo mercado – dentro de um mercado existente -, pelo que antevemos que esta será uma prioridade para as seguradoras nos próximos tempos. De acordo com o Insurtech Report, existe um mercado de 3 biliões de dólares a nível global que está por explorar e as seguradoras que tiverem capacidade de expandir a sua capacidade de integração com outros ecossistemas, “Apificando-se”, serão sem dúvidas as mais bem-sucedidas.
As seguradoras tradicionais terão inevitavelmente de se converter em insurtechs. Subscreve esta opinião?
As seguradoras detêm um conhecimento ímpar na gestão e subscrição do risco, que indubitavelmente deverá continuar a ser o seu core business no futuro. A indústria seguradora tem vindo a experienciar uma revolução tecnológica nos últimos anos e tecnologias emergentes tais como telemática, inteligência artificial, processamento de imagem aérea e automação de sinistros têm “disrompido” a indústria, com o objetivo de otimizar quer custos quer processos e, embora as seguradoras tenham dado passos sólidos nesse sentido, as insurtechs têm sido fulcrais neste processo.
Creio que existe espaço para as seguradoras continuarem a focar-se no seu core business inovando através da tecnologia, mas também trabalhando em parceria com Insurtechs para que possam incorporar os mais recentes desenvolvimentos tecnológicos na sua cadeia de valor.