Medidas do Governo para a habitação: “Há boas intenções, mas também oportunidades perdidas”, aponta especialista

“As novas medidas para a habitação trazem avanços em algumas frentes, mas também levantam sérias dúvidas quanto à sua eficácia e aplicabilidade”, afirma Rafael Ascenso, Founder e Partner da Porta da Frente Christie’s, em declarações à Forbes Portugal. Sobre a redução do IVA para 6% na construção, Ascenso considera que “a proposta é, em teoria,…
ebenhack/AP
Rafael Ascenso, Founder e Partner da Porta da Frente Christie’s, faz uma análise às novas medidas anunciadas pelo Governo para o mercado da habitação, elogiando algumas iniciativas, mas alertando para riscos de fraude, execução difícil e impacto negativo no investimento estrangeiro.
Imobiliário Negócios

“As novas medidas para a habitação trazem avanços em algumas frentes, mas também levantam sérias dúvidas quanto à sua eficácia e aplicabilidade”, afirma Rafael Ascenso, Founder e Partner da Porta da Frente Christie’s, em declarações à Forbes Portugal.

Sobre a redução do IVA para 6% na construção, Ascenso considera que “a proposta é, em teoria, positiva”, mas aponta que “a forma como está a ser implementada levanta muitas questões”. O especialista sublinha que a medida só se aplica a imóveis vendidos até 648 mil euros ou colocados no mercado de arrendamento por até 2.300 euros, o que poderá abrir portas a abusos: “Como se vai controlar que um apartamento construído com um valor de mercado de 3 ou 4 milhões de euros seja arrendado por 2.300 euros durante um ano, apenas para depois ser vendido pelo seu valor real? Quem fiscaliza isto?”

O empresário alerta ainda para a complexidade de aplicar a taxa reduzida em empreendimentos com frações de valores diferentes. “O IVA começa a ser pago desde o momento em que se colocam os tapumes e se inicia a escavação. Na maioria dos empreendimentos, as casas ainda não estão vendidas nessa fase. Como se vai dividir o IVA entre frações abaixo e acima dos 648 mil euros? A medida, tal como está, é confusa e de difícil execução.” Para Ascenso, “a solução mais justa e eficaz seria aplicar a taxa reduzida de 6% a toda a construção, sem exceções.”

No campo do arrendamento, o fundador da Porta da Frente Christie’s reconhece avanços: “A redução do IRS para os senhorios é uma boa iniciativa, mas poderia ter ido mais longe. Seria desejável criar escalões de IRS consoante a duração dos contratos: quanto mais longo o contrato, menor a retenção. Isso seria um verdadeiro incentivo ao arrendamento de longa duração.”

Por outro lado, questiona o limite de 2.300 euros para beneficiar das medidas fiscais: “Hoje em dia, esse valor corresponde à classe média e média-alta em muitas zonas urbanas. Limitar os incentivos a esse teto é ignorar a realidade do mercado.” Já a eliminação do limite de 2% para o aumento das rendas é, para Ascenso, uma decisão acertada: “Esse teto estava a travar a entrada de novos imóveis no mercado de arrendamento e a desincentivar os proprietários. Esta mudança representa uma libertação do mercado de uma lógica excessivamente intervencionista.”

A maior crítica, no entanto, vai para o aumento do IMT para cidadãos estrangeiros. “Trata-se de uma decisão discricionária e inédita em Portugal. Estamos a afastar investidores que, nos últimos 10 a 15 anos, contribuíram de forma decisiva para o desenvolvimento do mercado imobiliário e da economia em geral. Penalizá-las agora é um erro estratégico com impacto negativo não só no imobiliário, mas em toda a economia nacional.”

Ascenso reconhece como positiva a intenção de simplificação dos licenciamentos, mas mostra-se cauteloso: “Resta saber como será concretizada. A burocracia continua a ser um entrave significativo, e as tentativas anteriores de simplificação ficaram aquém do necessário.”

O gestor lamenta ainda que não tenha havido avanços na mobilização de património público para habitação: “Existem edifícios devolutos nas principais cidades, pertencentes ao Estado e às Forças Armadas, que poderiam ser concessionados ao setor privado para reabilitação e colocação no mercado com rendas acessíveis. O mesmo se aplica a terrenos classificados como agrícolas dentro das cidades, sem qualquer cultivo há décadas, que poderiam ser requalificados para uso habitacional. Estas seriam medidas com impacto real na oferta de habitação.”

Em jeito de balanço, Ascenso conclui: “Em suma, há boas intenções, mas também medidas mal desenhadas e oportunidades perdidas. O setor precisa de estabilidade, clareza e incentivos eficazes. Não de mais confusão.”

Mais Artigos