O Presidente da República vetou o conjunto de alterações legislativas no âmbito da habitação aprovadas pela maioria absoluta do PS no parlamento, expressando sobre elas um “sereno juízo negativo”, e criticou a ausência de consenso.
“Sei, e todos sabemos, que a maioria absoluta parlamentar pode repetir, em escassas semanas, a aprovação acabada de votar. Mas, como se compreenderá, não é isso que pode ou deve impedir a expressão de uma funda convicção e de um sereno juízo analítico negativos”, assinalou Marcelo Rebelo de Sousa, na mensagem que dirigiu ao presidente da Assembleia da República, disponível no site da Presidência.
O Presidente da República faz uma análise sobre as principais medidas do decreto em causa, 81/XV, considerando que confirma riscos que disse ter apontado anteriormente, resumindo, no final da mensagem a Santos Silva, que “em termos simples, não é fácil de ver de onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez”.
O diploma, considerou, “é um exemplo de como um mau arranque de resposta a uma carência que o tempo tornou dramática, crucial e muito urgente pode marcá-la negativamente”.
“Isto é, tudo somado, nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas – públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral”, criticou.
Sobre a ausência de consenso em torno do diploma – aprovado apenas com os votos do PS, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que “acordo de regime não existe e, sem mudança de percurso, porventura, não existirá até 2026”.
Em sete pontos, o Presidente da República detalhou o “juízo negativo” que fez sobre o diploma, destacando que “o arrendamento forçado fica tão limitado e moroso que aparece como emblema meramente simbólico, com custo político superior ao benefício social palpável”.
“A igual complexidade do regime de alojamento local torna duvidoso que permita alcançar com rapidez os efeitos pretendidos”, assinalou.
Para o chefe de Estado, o diploma, “apesar das correções no arrendamento forçado e no alojamento local, dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento”.
Por outro lado, escreveu, “não se vislumbram novas medidas, de efeito imediato, de resposta ao sufoco de muitas famílias em face do peso dos aumentos nos juros e, em inúmeras situações, nas rendas”.
Quanto à construção, o Presidente sustentou que, salvo de forma limitada, “o Estado não vai assumir resposta direta na construção” de habitação e que “o apoio dado a cooperativas ou o uso de edifícios públicos devolutos” implicam uma “burocracia lenta e o recurso a entidades assoberbadas com outras tarefas, como o Banco de Fomento, ou sem meios à altura do exigido, como o IHRU”.
O decreto que reúne as principais alterações à legislação sobre a habitação tinha sido aprovado pelo parlamento em 19 de julho apenas com o voto favorável do PS e sob críticas da oposição ao pacote legislativo que introduzia mudanças ao nível do arrendamento, dos licenciamentos ou do alojamento local.
PSD, Chega, Iniciativa Liberal, PCP e BE votaram contra, enquanto Livre e PAN optaram por se abster, num derradeiro dia de votação em que os partidos de oposição ainda avocaram propostas de alteração a este pacote, mas que acabaram de novo chumbadas, tal como tinha acontecido na especialidade.
Montenegro diz que Governo tem de rasgar programa e começar do zero
O presidente do PSD defendeu hoje que o Governo deve rasgar o programa “Mais Habitação” e começar do zero a definir um programa de habitação para Portugal, podendo contar para isso com a participação do seu partido.
Para Luís Montenegro, o Governo errou e “ou faz aquilo que se impõe a quem quer governar a favor das pessoas, [que é] partir do zero, rasgar literalmente o que fez até agora e começar do zero um programa de habitação para Portugal” para os próximos 20 anos, ou “comete um crime”.
“O Governo errou. O doutor António Costa tem que ter humildade e dizer ao país: ‘errei, peço desculpa. Estou aqui para começar do zero’. Se o doutor António Costa tiver esta humildade, eu, como líder da oposição, tenho também a humildade de me colocar ao lado do Governo, a favor dos portugueses”, disse o líder do PSD aos jornalistas, na primeira reação depois de o diploma contendo as principais medidas sobre a habitação ter sido vetado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Para Luís Montenegro, perante o veto, o PS “ou mantém a sua teimosia e vai confirmar no parlamento o objeto destes diplomas e, porventura, dar ao país, como o Presidente da República diz, algo que não se vai executar e que nunca atingirá os objetivos” ou “faz aquilo que se impõe a quem quer governar a favor das pessoas, (que é] partir do zero”.
“Rasgar, literalmente, o que fez até agora e recomeçar do zero um programa de habitação, para valorizar o acesso à habitação dos jovens, dos casais que têm menos recursos e até da classe média. E para isso pode contar com o PSD”, afirmou.
Presidente promulga simplificação dos licenciamentos, mas com aviso
O Presidente da República promulgou o decreto do Governo que reforma e simplifica os licenciamentos relacionados com a habitação, mas avisou que vai estar atento à “compatibilização” com a segurança e a qualidade dos edifícios.
Numa mensagem publicada hoje na página oficial da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa dá luz verde ao Governo para “simplificar, significativamente, os procedimentos urbanísticos e de ordenamento do território”, conforme previsto pelo executivo no âmbito do programa Mais Habitação.
Porém, avisa que “não deixará de ter presente, na futura apreciação do decreto-lei autorizado, a necessidade de compatibilização entre a simplificação urbanística e outros valores a preservar, como é a segurança e qualidade das edificações”.
Ao mesmo tempo, será vigilante quanto à “responsabilização dos intervenientes no processo de construção e o importante papel da Administração Local em matéria de habitação e de ordenamento do território”.
O Presidente da República diz ainda esperar que o Governo, “se possível”, aproveite para “ponderar a reunião num único diploma de toda a legislação dispersa (imensa e, em alguns casos, contraditória)”, sugerindo até algo que “aponte para um Código da Edificação”.
Marcelo Rebelo de Sousa considera que esse passo eliminaria “contradições e normas obsoletas” e melhoraria “a acessibilidade da legislação do setor”.
Com a legislação agora promulgada, o Governo propõe eliminar licenças, autorizações, atos e procedimentos “dispensáveis ou redundantes” em matéria de urbanismo, ordenamento do território e indústria.
No debate realizado em 19 de maio, na Assembleia da República, o secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, Mário Campolargo, sublinhou que “dar resposta aos desafios da habitação” passa também por esta “medida Simplex”, que pretende simplificar, uniformizar e desburocratizar os licenciamentos.
O Presidente da República vetou as restantes propostas que constam do programa Mais Habitação, aprovado no parlamento a 19 de julho, apenas com o voto favorável do PS. PSD, Chega, Iniciativa Liberal, PCP e BE votaram contra, enquanto Livre e PAN optaram por se abster.
O Presidente da República expressou um “sereno juízo negativo” e criticou a ausência de consenso sobre o Mais Habitação.
As medidas mais polémicas e contestadas do programa são a suspensão do registo de novos alojamentos fora dos territórios de baixa densidade e uma contribuição extraordinária sobre este negócio, e também o arrendamento forçado de casas devolutas há mais de dois anos.
O pacote do Governo prevê igualmente uma isenção da tributação de mais-valias aos proprietários que vendam casas ao Estado, o fim de novos vistos ‘gold’, o aumento da dedução por dependente no âmbito do IMI Familiar, alterações à taxa autónoma dos rendimentos prediais e isenções de impostos para proprietários que retirem as casas do alojamento local até ao fim de 2024.
Depois de o diploma seguir para o Palácio de Belém, era muita a expectativa em torno do que faria Marcelo Rebelo de Sousa, que decidiu não enviar o diploma para o Tribunal Constitucional.
Na mensagem hoje publicada no ‘site’ da Presidência, o chefe de Estado reconhece “a emergência da crise habitacional, que afeta, sobretudo, jovens e famílias mais vulneráveis, e começa a afetar a classe média”, bem como “a necessidade do aumento da oferta de imóveis para habitação”.
Lusa