O início da Manz Wine pode ser resumido numa frase apenas: André Manz estava no sítio certo à hora certa. Quando chegou a Cheleiros, em 2007, apaixonou-se pela história da região. A antiga freguesia, que passou a Igreja Nova e Cheleiros depois do agrupamento de freguesias, remonta ao século XII e tem um dos primeiros forais portugueses. Foi D. Sancho I que o concedeu, ao mesmo tempo que a Lisboa e Sintra.
“Cheleiros foi tão importante que havia 43 lagares de vinho aqui, com uma população de cerca de 800 habitantes. As adegas estavam porta sim, porta sim. Cheleiros foi responsável por atestar Lisboa com vinho durante muitos anos, várias gerações de Reis paravam em Cheleiros antes das caçadas na Tapada de Mafra. Isso está registado na Biblioteca do Palácio Nacional”, conta André Manz à Forbes.
As histórias que foi ouvindo levaram-no a comprar uma pequena vinha, mas o início da exploração dos seus terrenos acabou por levá-lo a algo mais inesperado. Encontrou 200 cepas de uma uva desconhecida aos seus enólogos, que sugeriram mesmo que André as arrancasse. “Eu tive de recorrer ao IVV [Instituto da Vinha e do Vinho], eles mandaram um técnico para fazer a identificação e descobriram que eu tinha Jampal”, diz.
Hoje a Manz Wine é a única produtora dessa uva em todo o mundo. Obviamente que nada impede que outros produtores peguem nela, mas André e a sua empresa são os responsáveis pela recuperação e regresso desta uva. E não é difícil de explicar o desaparecimento deste vinho, tendo em conta as características da própria uva.
“A Jampal é uma uva que produz muito pouco, são uvas muito pequenas, muito sensíveis. Temos de estar sempre com cuidado redobrado com o produto. É por isso que com os anos as pessoas as foram abandonando. Portugal estava especializado em produzir volume, e a Jampal não dava volume”, explica André.
E a própria Manz Wine sente essas limitações. O volume de produção dos vinhos com a jampal – como o Dona Fátima ou o Manz Jampal – é muito inferior ao dos outros vinhos. Nem todos os anos são iguais, mas a produção varia entre as 8 mil e as 12 mil garrafas por ano, cerca de 50% daquilo que é a produção dos restantes vinhos. “Já está vendido na origem. Eu exporto para 28 países, todos eles querem. Negoceio dentro do volume da compra. Estamos mais focados na exportação, então na verdade são eles que acabam por descobrir o vinho. Eu recebo pessoas do mundo inteiro todos os dias e não faço comunicação”, afirma.
De fora para dentro
A estratégia para este projeto foi, efetivamente, um pouco diferente do que o habitual, mas nem por isso deixou de funcionar. Ao abdicar de comunicar a marca em Portugal, André conseguiu ganhar relevância no mercado externo e, consequentemente, ganhar notoriedade dentro do país. “Isso fez parte da minha estratégia. Sou um produtor novo, brasileiro, sem tradição nesta área de negócio. Achei que poderia ter mais dificuldade de penetração no mercado nacional, então apostei mais no mercado externo. Comecei a ganhar protagonismo no mercado externo e agora aos poucos estou a deixar-me ser descoberto no mercado interno. Como não tenho um grande volume, não adianta massificar a comunicação aqui porque depois não tenho produto para fazer valer. As pessoas vão descobrindo, há restaurantes muito especiais que têm o nosso produto e temos preços para todos os bolsos”, afirma.
Em Portugal os vinhos, com um valor entre os 8 euros e os 100 euros, são vendidos no El Corte Inglés, Garrafeira Nacional e na loja da Manz Wine. É possível encontrá-los também em alguns restaurantes. Lá fora, os principais mercados são o asiático (China, Taiwan, Singapura, Japão), o Brasil, onde faz distribuição para o país inteiro, e o Reino Unido.
“Aqui na Europa é o Reino Unido, até porque eles se sentem quase que redescobriram a Jampal. São eles que pontuam [o vinho] pela primeira vez. Eu nem sei como descobriram, a garrafa nem rótulo tinha, pediram-nos uma amostra e passado uns meses ele foi considerado na Inglaterra um dos 50 melhores vinhos portugueses”, diz André.
Cheleiros continua a acolher o epicentro de todo o negócio, onde já fez um investimento de cerca de 7 milhões de euros. É lá que é possível visitar as vinhas, o museu, a adega e todos os espaços que André restaurou. Mais do que isto? “Não, eu parei”, garante o fundador. “O vinho é como a cozinha. Faço um prato fabuloso, vocês gostam, entretanto uso a mesma receita para 100 pessoas. Cozinhar para 100 é completamente diferente do que cozinhar para quatro. Nunca vai sair a mesma coisa. E o meu problema foi descobrir isso ao longo dos anos. Logo quando comecei, fazia muito pouco e queria vender, exportar. Depois ia para as feiras internacionais passar vergonha. Então tive de me começar a adaptar e perceber que tinha de ter volume. Fui fazendo com tempo até encontrar um equilíbrio. Consigo faturar o suficiente para ter o negócio, é um negócio para gerações, mas está todo pago, já atingi o breakeven com o novo crescimento, ganho dinheiro, está tudo bem”.
Com os vinhos fatura cerca de 1 milhão de euros, mas o principal negócio de André Manz continua a ser o desporto, onde começou como guarda-redes, e os eventos que organiza. Tem uma escola de formação para instrutores, organiza o Portugal Fit, um dos maiores eventos fitness da Europa, faz dois Iberanime por ano, um evento ligado à cultura japonesa que conta com 35 mil visitantes, e lançou recentemente um negócio de pranchas.
Pedras pelo caminho
Até chegar ao momento em que se encontra hoje, a Manz Wine enfrentou alguns desafios. O principal foi Cheleiros, o seu solo e os seus habitantes. “Nós estamos num vale, num buraco, extremamente rochoso. Muita gente ligada ao vinho vem cá e diz que nada se assemelha mais ao Douro do que este pedacinho de terra. Eu gasto muito mais dinheiro em remoção de pedras do que com o valor do terreno. Antigamente eles plantavam uma vinha aqui, outra ali, onde encontravam terra. Agora não é rentável fazer esse tipo de trabalho. As vinhas são só fósseis”, explica André.
Mas o que quase os levou a desistir de ficar em Cheleiros foi a resistência por parte da população. Apesar de terem encontrado muita coisa em ruínas, o decorrer das obras de restauro teve um grande impacto. Mesmo que André se tenha esforçado para manter a identidade do local. Foram necessários anos até serem aceites.
“Primeiro deixaram de me denunciar à Câmara ou fazer pressão, eu tive coisas embargadas três anos. Entretanto as pessoas foram reconhecendo e hoje continuo a ter uma boa relação, apoiamos sempre as atividades da igreja e da junta, do centro de dia. Só nos aceitaram passado algum tempo”, lembra.
De uma perspetiva mais geral, há um problema que está a atingir grande parte do país, mas que André conseguiu evitar até agora: O impacto das alterações climáticas.
“Eu não sofri ainda. A diferença entre o ano passado e este ano é que o início da vindima atrasou um dia. O Alentejo teve de começar sei lá quantos meses antes, o Douro o problema que teve, aqui atrasou um dia porque calhou num domingo, foi só por isso”, conta.
O único problema que teve prende-se com as chuvas fortes, que fazem as uvas inchar e aumentam a podridão da fruta. Ainda assim, a chuva que se fez sentir três dias antes da vindima acabou por não causar muitos estragos. “Este ano foi o melhor ano para nós”, garante.
(Artigo publicado na edição de fevereiro/março da Forbes Portugal)