A aprendizagem digital ganhou relevância durante a pandemia, mas o facto de a maioria dos projetos de formação não ter uma correlação direta com indicadores de negócio faz com que a visão da formação se mantenha como um “nice to have” e não um “need to have”, indica Filipe Luz, Head of Sales Strategy & Performance da CEGOC.
Em conversa com a Forbes, este responsável acrescenta ainda que “o posicionamento das direções de Recursos Humanos, muitas vezes pouco estratégico e associado a uma área administrativa que não contribui diretamente para os resultados, leva a que os projetos de formação sejam remetidos para a última das prioridades das Administrações”.
A CEGOC atua no campo da formação profissional. A aposta das organizações no desenvolvimento de competências dos seus profissionais tem crescido? Que balanço fazem e quais os principais entraves a que haja um maior investimento na formação empresarial?
Filipe Luz (FL): Estamos a sentir uma recuperação do mercado pós-pandemia, com as organizações a pegarem em muitos dos projetos que tinham ficado parados devido ao contexto dos dois últimos anos. Ainda assim, a questão do investimento na formação é mais complexa e estrutural. Por um lado, o facto da maioria dos projetos de formação não ter uma correlação direta com indicadores de negócio faz com que a visão da formação se mantenha como um “nice to have” e não um “need to have”. Por outro lado, o posicionamento das direções de Recursos Humanos, muitas vezes pouco estratégico e associado a uma área administrativa que não contribui diretamente para os resultados, leva a que os projetos de formação sejam remetidos para a última das prioridades das administrações.
As formações digitais vieram facilitar e acelerar as aprendizagens. Ganharam um incremento com a pandemia? Foi uma tendência que veio para ficar ou está em declínio com o fim dos confinamentos?
FL: Todas as mudanças são mais fáceis quando não há alternativa e, no que respeita à formação digital, durante a pandemia essa era a única solução. Por isso, sim, o crescimento foi muito acelerado e democratizaram-se as classes virtuais e os módulos de formação digital. A perceção que temos é que há uma tendência transversal para o regresso à formação presencial, muito motivada também pelo facto das equipas se terem afastado fisicamente durante estes últimos anos e ser, assim, uma oportunidade de voltarem a estar juntos. No futuro, a formação digital será apenas mais um formato que teremos à disposição para enquadrar no desenho pedagógico, quando e se fizer sentido.
“Há uma tendência transversal para o regresso à formação presencial, muito motivada também pelo facto das equipas se terem afastado fisicamente durante estes últimos anos”.
Quais os objetivos da Academia Digital Corporativa, desenvolvida pela CEGOC?
FL: A Academia Digital Corporativa foi pensada para organizações de pequena e média dimensão (50 a 350 colaboradores) que, e não tendo uma estrutura formal dedicada à formação e desenvolvimento dos seus colaboradores, pretendam estruturar uma oferta formativa eficaz que alavanque de forma integrada a performance dos seus colaboradores. Mas, também, que queiram cumprir com a obrigatoriedade legal de promover 40 horas de formação anuais por colaborador e desejem avançar para a externalização de uma equipa dedicada que incorpore as melhores práticas internacionais de aprendizagem online (síncrona e assíncrona).
Qual a recetividade que esta iniciativa tem tido juntos dos empresários?
FL: O plano de comunicação da Academia Digital Corporativa passou pela realização de duas sessões de apresentação, para as quais tínhamos previsto um limite máximo de 40 empresas em cada; mas que, em virtude das solicitações, tivemos de abrir para um total de 150 empresas. Após conhecimento da solução, os feedbacks têm sido alternados entre os que gostariam, mas não têm abertura na gestão de topo para avançar nesta direção, e aqueles com quem estamos a discutir a melhor forma de implementação.
Quais são, atualmente, as melhores práticas e tendências internacionais de digital learning?
FL: O princípio base mantém-se, identificar o job to be done e construir um percurso pedagógico que melhore a performance na sua execução. Na construção deste percurso assumimos uma abordagem human centered baseada na experiência do utilizador. Isto é, integração de diferentes tipos de recursos digitais com diferentes objetivos pedagógicos, momentos de interação humana com pares ou com o formador em contexto coletivo ou individual, possibilidade de personalização com base em preferências/necessidades individuais, compilação desta informação, de forma a devolver ao utilizador recursos mais adequados às suas preferências de aprendizagem, e identificar novas oportunidades de desenvolvimento, paralelas ou complementares.
“A obrigatoriedade das 40 horas de formação anual é um tema amplamente reconhecido no âmbito dos Recursos Humanos… o que não significa cumprimento!”
O requisito legal de 40 horas de formação anual por colaborador aplica-se a que tipo de empresas? As empresas têm consciência desta obrigatoriedade?
FL: A obrigatoriedade das 40 horas de formação anual é um tema amplamente reconhecido no âmbito dos Recursos Humanos… o que não significa cumprimento! Nós pretendemos fazer a nossa parte, ou seja, continuar a demonstrar o impacto da formação para que a mesma seja vista como um investimento. No entanto, acredito que o maior conhecimento da lei laboral e os pedidos crescentes de colaboradores em processo de saída das organizações para serem ressarcidos das horas de formação a que não tiveram acesso vá ser uma força importante na mudança destes processos organizacionais.
As soluções digitais de aprendizagem podem contribuir para assegurar o cumprimento desse requisito?
FL: Podem, na medida em que são parte das estratégias de Smart Learning, ao permitirem que cada colaborador aprenda ao seu ritmo, através de conteúdos personalizados, a partir de qualquer lugar e equipamento. É um apoio, em larga medida, porque contorna alguns dos obstáculos mais comuns à realização da formação no que é o seu formato mais tradicional.
Que benefícios fiscais têm as empresas por realizarem formações para os seus quadros? Podem recuperar parte do investimento?
FL: Em diferentes países da Europa vemos legislação variada para regulamentar a formação profissional com incentivos específicos. Em Portugal, tradicionalmente, os benefícios disponíveis existem através dos programas de financiamento nacionais ou europeus que definem quadros de atuação, e que, nesse sentido, potenciam o desenvolvimento de competências em áreas específicas. No caso específico do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) ou do Portugal 2030, a vertente da transformação digital integra os quadros de referência e é por isso que permite uma recuperação que vai até 80% do investimento na Academia Digital Corporativa.
Realizam também formações para apoiar as candidaturas das empresas aos fundos do PRR?
FL: Mais do que formações, optámos por disponibilizar esse serviço aos nossos clientes. O que sentimos é que as equipas internas já estão assoberbadas de responsabilidades e tarefas. E mais uma to do list pode levar a que importantes projetos de desenvolvimento acabem por desaparecer numa gaveta. Integramos na oferta da Academia Digital Corporativa o diagnóstico de elegibilidade e temos recursos especializados para acompanhar os nossos clientes, desde a submissão da candidatura até ao controlo do pagamento dos reembolsos por parte da entidade financiadora.