“Eu quero muito um dia chegar a um lugar de liderança. Tenho essa ambição de ser líder no futuro. E ser líder para mim não é gerir equipas, é gerir projetos. É muito mais nessa ideia transformacional de ser líder e não de ser manager”.
Pouco tempo depois de contar esta vontade à Forbes, Mafalda Rebordão recorreu aos dados. Tem 28 anos e no dia em que tiver filhas ou netas, sabe que nenhuma delas vai viver num mundo em que a igualdade de género é uma realidade. Segundo o Fórum Económico Mundial, a igualdade de género só será alcançada daqui a cerca de 134 anos, ou seja, por volta do ano 2158. Ao mesmo tempo, as Nações Unidas afirmam que só daqui a 140 anos é que as mulheres estarão representadas de forma igual em posições de poder e liderança no local de trabalho.
Com estes números em cima da mesa, torna-se ainda mais fácil de perceber o nível de ambição, vontade e trabalho que move Mafalda ao longo da sua carreira. Que, com certeza, não vai esperar tantos anos para chegar ao lugar onde quer chegar. Na verdade, nunca esperou.
Entre os diversos momentos que marcam a sua carreira, Mafalda chegou ao quadro superior da Google com apenas 22 anos, deu aulas na Nova SBE – onde foi porta-voz no contacto com os investidores para a construção no campus da universidade –, foi a primeira jovem portuguesa a ser distinguida pelo Financial Times, foi uma das jovens escolhidas pelo Presidente da República para discutir o futuro do país, é co-fundadora do podcast Ponto Zero e co-criou a C-Level Mentorship Academy, um projeto voltado para a liderança no feminino. No início deste ano chegou ao cargo mais sénior da sua carreira, onde tem a função de liderar a transformação digital na Microsoft para as Nações Unidas.
Mas é muito direta quando diz que, embora tudo isto pareça perfeito, o caminho nem sempre é fácil. “Nós romantizamos muito a chegada, mas o caminho não romantizamos tanto. Este processo pelo qual passei no último ano acaba por ser irónico, porque parece ser um dos anos mais bem-sucedidos da minha carreira, fiz duas TED Talks, lancei um livro, recebi imensos prémios de carreira, mas na verdade foi o ano mais desafiante da minha carreira até hoje”, afirma.
Antes de chegar onde está hoje, Mafalda estava numa busca por conseguir juntar a sua paixão pela tecnologia e negócios com a parte social, algo muito importante para si. Foi assim que chegou à equipa Tech for Social Impact.
IA para o bem
Os interesses de Mafalda já estavam alinhados quando escolheu a economia como curso superior. “A economia tem essa vertente de olharmos para os problemas a nível macro, a macroeconomia do mundo e das diferentes nações”, diz.
Mas, afinal, como é que junta todas as áreas que lhe são importantes?
“Trabalhamos com as Nações Unidas e as organizações internacionais, num modelo quase de empreendedorismo social. Eu lidero os grandes projetos que estão ligados à área de transformação digital e de inteligência artificial, de organizações como a Unicef, como a IOM. Eu cubro esta organização a nível global, quer nos Estados Unidos, maioritariamente Nova Iorque e Washington DC, e depois na Europa, maioritariamente Genebra e Roma, que são onde estão os grandes polos das organizações das Nações Unidas”, explica Mafalda.
Numa altura em que se fala muito mais dos perigos de ferramentas como a inteligência artificial, Mafalda e a sua equipa surgem aqui como a prova de que estes avanços tecnológicos têm tudo para serem algo positivo. Se forem usados dessa forma. “Um bom uso da inteligência artificial, primeiramente é para resolver problemas a grande escala, ou seja, permite-nos com a agregação de dados olhar para os problemas desta forma macro. E a segunda é garantir que não deixamos ninguém para trás”, diz, destacando a divisão que existe entre o hemisfério Norte e Sul e que levou a que algumas nações se desenvolvessem mais depressa do que outras.
“As tecnologias são sempre uma arma e, no fundo, uma ferramenta”, defende. Usando essa ferramenta para o bem, a equipa onde Mafalda está inserida já conta com uma série de casos de sucesso, por exemplo, na ajuda junto de migrantes ou na acessibilidade da tecnologia junto de crianças – ajudando, assim, no desenvolvimento da sociedade de amanhã. “Pensamos muito à escala global, como é que conseguimos escalar esta tecnologia e impactar a organização. Mas também como é que conseguimos olhar para cada uma destas organizações de um ponto de vista da comunidade, como é que impactamos a comunidade e a organização por dentro e depois as pessoas com quem trabalham. Eu acho que isso é o que me dá esperança em relação a esta tecnologia, apesar de ter este lado ambíguo, como qualquer outra tem”, diz.
Valores mais altos se levantam
“Eu não acredito em sorte em nada na vida, a não ser na família em que cresci, que me fez ser uma pessoa extremamente confiante”, afirma Mafalda. É com essa confiança que aposta numa série de projetos que surgem como consequência de uma série de valores das quais não abdica: a paixão que tem pela vida, a forma como lida com as pessoas – defendendo sempre a igualdade de oportunidades –, a dedicação, o trabalho, a ambição.
Destaque para o trabalho que faz junto das mulheres. Porque em determinado momento decidiu que até pode ser a primeira a chegar a uma determinada posição, mas vai garantir que não será a última. “Sou cofundadora de uma ONG que neste momento está a caminho das 500 mulheres a fazer o programa de mentoria”, conta. São cerca de 500 mulheres que, no final, saberão que podem sim chegar a cargos de liderança.
“Há muitas formas de impactares e de mudares o mundo e eu acho que mudar o mundo começa numa pequena escala. Começa na forma como dizes bom dia à pessoa que está na receção da tua empresa, até à forma como tu depois fazes pitchs de um projeto e pode mudar a tua organização. São esses valores pelos quais me bato, pelos quais quero continuar sempre a trabalhar. No fundo, quero acreditar que contribui um bocadinho para tornar o mundo um lugar um bocadinho melhor. É só isso, ao final do dia”, conclui.
(Artigo publicado na edição de junho/julho 2025 da Forbes Portugal)