Muito se falou sobre os 5,49 euros investidos na curta-metragem “Nós na Cabeça” que foi até ao Festival de Cannes e voltou com o prémio de melhor argumento. Mas a verdade é que o investimento foi muito maior que isso. Madalena Aragão fala dos equipamentos utilizados, que apesar de não terem sido comprados naquele momento, foram a determinada altura. Mas acima de tudo fala das horas dedicadas à formação e ao trabalho de uma equipa inteira, dos técnicos aos atores.
“O valor da curta é completamente incalculável”, garante Madalena, que deu a ideia para a história e protagonizou a curta.
Como surgiu a ideia?
A ideia surgiu um bocadinho de uma experiência própria, de uma relação que eu tive que aconteceu apenas na minha cabeça. Não era correspondida. Dessa ideia, eu falei com o Lucas [Dutra] e disse: ‘acho giro fazermos uma curta’. Era para um projeto escolar, mas depois vimos uma notícia do Expresso onde dizia que um em cada cinco estudantes portugueses tem uma doença do teor mental. Nós ficámos muito assustados e achámos que podíamos pegar na ideia que já tínhamos e acabar por mudar um bocadinho para a saúde mental e para a esquizofrenia.
E onde é que entra o Tiktok?
Nós já tínhamos a ideia da curta e depois vimos que de facto o concurso tinha chegado a Portugal. Que eu me lembre acho que o concurso no ano passado não estava em Portugal. Pensámos: ‘Porque não? Vamos apostar’. As probabilidades eram poucas, mas nós estávamos confiantes e a achar que eventualmente podíamos conseguir fazer alguma coisa.
Como foram as gravações?
Gravamos em dias separados. A primeira cena que gravámos foi a cena em que está a mãe e a avó, gravámos com a Carla Chambel e a Luísa Ortigoso. Depois gravámos as duas outras cenas, a primeira das silhuetas e a última que sou basicamente eu a descer as escadas e é a revelação que ela é esquizofrénica. Em termos de planos, a curta tem três cenas e quatro planos. O primeiro plano é o plano do casal, por assim dizer, o plano em que se mostra a dinâmica de casal deles. O segundo plano é o plano da avó, é a primeira geração que não falava sobre nada disto, saúde mental não era de todo um assunto. O terceiro é o da mãe, é um plano em que já se começa a falar mais, mas mesmo assim ainda é um bocadinho tabu. E o quarto plano é a revelação e é a primeira vez em que se vê a cara da nossa protagonista.
Como é que foi gravar para uma rede social?
Foi engraçado, foi um bocadinho diferente. Para mim, como atriz, até que não foi muito diferente porque era uma câmara. Ao dar a ideia, acho que foi diferente pelo facto de ter nascido a ideia de mim e o argumento do Lucas e do nado estou por trás de uma história. É uma coisa que não acontece nas séries, novelas e filmes. Normalmente o ator cai lá de paraquedas, a história já está feita, o ator vai para uma personagem especifica. Aqui estive por trás da ideia toda e foi muito giro. Em termos da técnica, acho que a única coisa diferente foi o facto de a câmara em vez de estar na horizontal estar na vertical.
E quando receberam a notícia da vitória?
Eles ligaram ao Lucas, o Lucas estava na casa de banho acho que deu um berro e ligou-me a seguir a dizer que tínhamos ganho melhor argumento e eu fiquei completamente sem palavras. Contei à minha família, fiquei histérica, mas não pudemos espalhar. Fiquei tão, tão feliz, nem sei dizer. É muito gratificante ver todo o nosso trabalho, esforço e as horas serem recompensadas.
Qual foi o valor do investimento nesta curta?
Nós investimos em equipamento, não foi é de propósito para esta curta. Já havia equipamento, eles já tinham tirado o curso. O valor da curta é completamente incalculável. Mas de facto, nesta altura nós só precisamos de comprar as pilhas do gravador porque já tínhamos investido em equipamento antes. Quando dizemos que gastámos 5,49 euros foi para as pilhas do gravador naquele momento, mas antes disso o equipamento já tinha sido comprado. É completamente incalculável.
Que mensagem é que esta vitória passa aos jovens que procuram uma oportunidade?
Acho que é importante que as pessoas criem. Como a minha mãe costuma dizer, quando a porta da frente não está aberta, vamos pela de trás, quando a de trás não está aberta vamos por uma janela. Acho que há sempre maneiras de criar e de desenvolver o nosso espírito criativo. Acho que as pessoas que têm vontade deviam apostar, deviam formar-se, tentar começar a criar coisas e experimentar coisas diferentes porque quem sabe se um dia não entram num concurso do Tiktok e vão parar a Cannes. Nós também só temos vontade de criar e de fazer coisas, gostamos é de fazer e não estar parados. Por acaso estávamos nos 40 mais vistos e tivemos esta mini oportunidade que se tornou numa oportunidade gigante.
Quais são os planos para o futuro depois disto?
Há muita vontade de continuar a fazer este tipo de coisas, sem dúvida alguma. Continuar a ir para festivais, a fazer todo o tipo de coisas. Continuar a criar e a ter ideias. Acho que esta fome de criar, de sonhar e querer sempre mais é muito importante.