Lucy Blakiston: “Quero dar notícias às pessoas sem deixá-las tristes”

"Something good actually happened" (algo de bom realmente aconteceu), um artigo sobre a eleição de Zohran Mamdani para 'mayor' de Nova Iorque. "The one about whether celebrities should also be activists" (sobre se as celebridades também devem ser ativistas), um ensaio que esteve durante cinco anos para ser publicado. "Elon Musk Can Be a Trillionaire,…
ebenhack/AP
Lucy Blakiston esteve presente na edição de 2025 da Web Summit, que decorreu em Lisboa entre os dias 10 e 13 de novembro.
Negócios

“Something good actually happened” (algo de bom realmente aconteceu), um artigo sobre a eleição de Zohran Mamdani para ‘mayor’ de Nova Iorque. “The one about whether celebrities should also be activists” (sobre se as celebridades também devem ser ativistas), um ensaio que esteve durante cinco anos para ser publicado. “Elon Musk Can Be a Trillionaire, but I Can’t Post News on Instagram?” (Elon Musk pode ser um trilionário, mas eu não posso publicar notícias no Instagram?), sobre um e-mail que recebeu da parte do Instagram, sobre a decisão da plataforma de reprimir contas de pessoas que partilham, explicam e comentam as notícias, na mesma altura em que a fortuna de Musk voltou a aumentar.

Estas são três dos muitos artigos que se podem ler na newsletterShit You Should Care About“, criada por Lucy Blakiston, Ruby Edwards e Olivia Mercer. Um projeto que procura levar aos seus leitores uma forma mais leve e fácil de ler as notícias. Ou, por outras palavras, uma das formas que a era da internet deu aos mais jovens de colocarem o seu cunho pessoal na profissão que escolheram e fazerem as coisas da maneira que faz mais sentido para eles mesmos.

A Forbes Portugal falou com Lucy durante a Web Summit e procurou saber como funciona este canto da internet onde os temas variam entre Harry Styles, política, livros, ativismo e muitos outros.

Para quem não conhece o teu projeto, como descreves esta newsletter?
A newsletter é uma forma de ajudar a tornar o mundo compreensível para quem se importa. Sinto que não há uma faixa etária ou demográfica específica a que me dirijo. É apenas para quem está aborrecido com as notícias ou tem dificuldade em aceder ou compreendê-las.

E como surgiu a ideia deste conceito?
Eu estava a estudar na universidade na Nova Zelândia. Estava no terceiro ano de comunicação social e relações internacionais. Tinha gasto tanto dinheiro e tanto tempo a aprender sobre isso, mas continuava sentada nas aulas a pensar: o que é que se passa nas notícias?. Então, enviei uma mensagem às minhas duas melhores amigas durante uma aula e disse: acho que devíamos começar algo chamado Shit You Should Care About, que usa palavras normais e cores vivas e faz com que as notícias pareçam ser para nós e não algo grande, assustador e difícil de entender.

Quantas pessoas recebem a newsletter diariamente?
420 mil. Elas recebem a newsletter que está no Substack e depois há três milhões e meio de pessoas no Instagram. Mas as notícias que eu mais divulgo são na minha newsletter.

E como descreves a tua comunidade?
Muitas fãs, pessoas que não têm medo de ser obcecadas por coisas e muitas pessoas que se preocupam com o mundo em que vivemos. Cerca de 80% são mulheres, mas os homens são bem-vindos.

Tens temas específicos para a newsletter ou falas um pouco sobre tudo?
Sinto que faço um pouco de tudo. Digo sempre que quero dar notícias às pessoas sem deixá-las tristes, ou seja, não quero que elas fiquem deprimidas ao ler as notícias. Por isso, gosto de oferecer um pouco de entretenimento, algumas notícias sérias, um pouco de política e, geralmente, algo agradável para encerrar a newsletter com uma nota positiva.

Neste momento, se pensarmos na última semana, que temas merecem a atenção das pessoas?
Harry Styles, sempre. A eleição para ‘mayor’ de Nova Iorque do Zoran Mamdani. Houve grandes notícias na BBC, que foram muito interessantes de acompanhar. Então, essas três coisas: Harry Styles, sempre. Zoran, porque é realmente relevante. E a BBC, porque isso pode mudar a forma como recebemos as notícias tradicionalmente.

Foto: Florencia Tan Jun/Web Summit via Sportsfile

Recentemente, tens falado sobre o Instagram e as publicações apagadas. Qual é a tua opinião sobre tudo isso?
Acho que a melhor coisa a fazer é ter uma newsletter ou algo do género que não seja ditado por um algoritmo. Eu gosto de estar nas caixas de entrada das pessoas, porque basicamente posso confiar na ideia de que lhes vai enviar algo e elas vão recebê-lo. O Instagram não me paga, então fico feliz em sair se precisar. Não é o meu foco principal. E simplesmente não gosto da ideia de que eles podem escolher quando ativar e desativar as coisas com as quais devemos nos preocupar.

Com um projeto criado nas redes sociais e que alcança milhões de pessoas, é difícil lidar com os comentários?
Não. Fui anónima durante os primeiros cinco anos em que administrei o negócio. Podia ser muito corajosa, porque ninguém sabia quem eu era, como era a minha aparência. Sentia-me muito segura. E como fiz isso por tanto tempo sem medo, agora que as pessoas sabem quem eu sou, tenho idade suficiente e estou nisto há tempo suficiente para que os comentários não me afetem. Simplesmente não me importo.

Achas que é necessário dar um rosto ao projeto?
Não. Acho que o melhor deste projeto é que não sabes quem eu sou e isso não importa. É muito bom que as pessoas te conheçam pelo teu cérebro e não pelo teu rosto. Acho que isso é bastante raro, porque vivemos numa época em que todos acham que é preciso aparecer em vídeo e diante das câmaras. Sinto-me muito orgulhosa por ter criado uma organização em que não dependemos de aparecer diante das câmaras, mas sim das nossas piadas, do nosso tom de voz e da forma como apresentamos as coisas.

Achas que a comunidade espera essa mudança para o vídeo ou conhece o projeto tal como ele é?
Acho que a comunidade não espera isso. Mas acho que, se és um meio de comunicação tradicional e queres alcançar os jovens, eles importam-se com a personalidade da pessoa que escreve. A minha comunidade não esperaria que eu aparecesse diante das câmaras. Mas isso é porque eles já são jovens, já sabem o tipo de coisas que eu valorizo e sabem mais ou menos no que se estão a meter. Mas sim, os meios de comunicação tradicionais precisam se se apoiar um pouco mais na personalidade se quiserem que os jovens se importem.

Para alguém que queira começar agora uma newsletter, sendo que em Portugal não são assim tão populares, qual é o teu conselho?
Honestamente, basta fazer. Não façam muitos planos, comecem simplesmente a escrever. Eu não me considerava uma escritora antes de começar a escrever uma newsletter diária. E acho que não planear demasiado, começar algo e aprender ao longo do caminho é a melhor maneira de descobrir como fazê-lo. E também é a melhor maneira de aumentar a audiência. Quanto mais lhes dás, mais eles vão continuar a voltar.

E acho que se as newsletters não são muito populares em Portugal neste momento, provavelmente é a melhor altura.

No palco, há uns minutos, estavas a falar sobre não teres interesse no viral, porquê?
Acho que posso dizer isso porque, entre 2020 e 2023, tudo o que eu publicava ficava viral, era uma época em que todos queriam mostrar que se importavam com as coisas. E a forma como o faziam era simplesmente publicando nas suas histórias do Instagram. Acho que posso dizer isso porque passei por essa experiência e consegui construir um público significativo fora das redes sociais, onde não é preciso tornar-se viral para ser lido ou ouvido. Mas provavelmente ainda é importante, se fores um jovem criador, ter aqueles momentos em que se disse algo diferente e teve muitas visualizações, porque obviamente isso vai atrair pessoas.

Mas ainda tens alguns artigos virais. Quando os escreves, já esperas que esse seja o resultado?
Acho que consigo perceber quando algo vai tocar as pessoas, mas é tão bom porque posso escolher se vai ser realmente significativo, como escrever sobre o Liam Payne. Quase senti que tinha de o fazer, que devia isso a todos os fãs dos One Direction e a mim mesma. Mas, por exemplo, há coisas sobre o Donald Trump… eu poderia publicar todos os dias sobre ele, se quisesse. É sempre viral, mas se não acrescentam nada à minha comunidade ou ao ciclo de notícias, parece-me preguiçoso. E eu penso: não preciso de trazer todo esse ódio para a minha vida.

Que conselhos deixarias à media tradicional, muitas vezes acusada dessa cobertura mais exaustiva sobre determinadas figuras políticas?
Acho que a media tradicional o faz provavelmente porque sabem que, quando falam sobre ele, vão obter muitas visualizações e, consequentemente, muita publicidade. Mas é bom quando se encontra uma publicação noticiosa que parece ter alma e coração e que se preocupa com as pessoas. Por isso, acho que o conselho seria simplesmente preocuparem-se com as pessoas e, no caso das fontes noticiosas tradicionais, talvez contratar alguns jovens com uma visão mais jovem do mundo. Porque se se quer tê-los como leitores, é preciso ter escritores jovens.

Mais Artigos