Lionel Richie: “Quero fazer parte da família. Apesar de não estar em casa, estou em casa das pessoas todos os dias com a música”

Hits. História. Coração. Estas três palavras descrevem Lionel Richie. O icónico artista está em digressão pela Europa e atuará no dia 29 de julho na MEO Arena, em Lisboa, naquela que será a reta final da sua tour "Say Hello to the Hits". Entre concertos, o cantor, agora com 75 anos, arranjou tempo para falar…
ebenhack/AP
Lionel Richie vai pisar a MEO Arena a 29 de julho, com a tour “Say Hello To The Hits” e uma produção “nunca vista na Europa”. À Forbes, o artista, que vendeu mais de 125 milhões de discos no mundo, antecipa o que o público português pode esperar do concerto, fala dos seus êxitos, da carreira e desvenda futuros projetos em que está a trabalhar.
Digital Cover

Hits. História. Coração. Estas três palavras descrevem Lionel Richie. O icónico artista está em digressão pela Europa e atuará no dia 29 de julho na MEO Arena, em Lisboa, naquela que será a reta final da sua tour “Say Hello to the Hits”.

Entre concertos, o cantor, agora com 75 anos, arranjou tempo para falar com a Forbes Portugal, que foi o único meio de imprensa escrita português com quem conversou, a cerca de dois meses da sua atuação em solo nacional.

Na entrevista por zoom, para além de fazer a antevisão do espetáculo de julho, Lionel Richie abriu o coração para, num tom sempre afável e sorridente, explicar o que ainda o move, abordar questões humanitárias da atualidade e falar da química que o une a um público que vai atravessando gerações e que está à espera dele, novamente, de braços abertos, em Lisboa, em julho.

Entrevista, “Say You, Say Me”, com Lionel Richie:

No dia 29 de julho, vai dar um concerto em Lisboa, na MEO Arena.
Lionel Richie:
Estou ansioso por vir cá. Devo dizer que, sempre que vou a Portugal, é muito divertido. E, para além disso, é o fim da digressão [Lisboa é o antepenúltimo concerto da tour europeia; depois de Lisboa, o cantor segue para a Corunha, onde atua a 31 de julho, e para Madrid, a 2 de agosto]. Por isso, estou ansioso!

O que é que o público português pode esperar da digressão “Say Hello to the Hits”? O que é que nos pode dizer?
Bem, venham preparados para cantar [risos]. É só isso que vos digo, porque o que é fantástico no concerto é que não é um daqueles concertos calmos em que eu saio e canto canções de amor o resto da noite. É barulhento. E eu tive de me habituar a isso!

Durante anos, costumava pensar, ok, agora a multidão vai acalmar-se e eu vou cantar verdadeiramente. Vou cantar “Hello”. Não, é o oposto!

“As pessoas estão de pé nas cadeiras e estão a cantar comigo. E é disso que eu gosto mais. O concerto está cheio de energia”.

É o concerto mais barulhento que já vi na minha vida [risos], porque as pessoas estão de pé nas cadeiras e estão a cantar comigo. E eu digo, espera aí, tu pagaste o teu dinheiro! [risos]

As pessoas querem substituí-lo! [risos].
As pessoas querem substituir-me [risos]! ‘É a minha canção! Espera aí! [risos]’. Mas é realmente um concerto muito enérgico. E é disso que eu gosto mais. Está cheio de energia.

Há alguma coisa especial preparada para este concerto em Portugal da digressão europeia?
Há sempre. Mas não posso dizer-vos, porque se vos disser, quando chegarem lá, vão dizer, ‘ah, ele disse isso, então é disso que estamos à espera!’. Não, tenho de vos surpreender um pouco. Mas devo dizer que vai ser… A apresentação sempre foi o ponto em que gosto de levar para o próximo passo, porque, como sabem, não é só a música, não são só as canções, mas também tem de ser o visual. Por isso, acredito que o concerto no seu todo vai ser muito, muito entusiasmante.

Pode detalhar um pouco mais o conceito que querias transmitir com isto?
O que eu mais gosto é que quando algumas pessoas vêm ter connosco e dizem ‘O Lionel vai agir assim ou vai ser assim’ as consigamos surpreender. Eu gosto sempre de apanhar o público desprevenido. A reação de que não estavam à espera! Muitos artistas cantam as suas canções, falam muito pouco e depois abandonam o palco. Desse modo, não se estabelece uma conexão; a única coisas que existe é ver alguém cantar canções.

“Há um pequeno vidro entre o público e o palco. E se partirmos esse vidro e o público sentir que os conseguimos ver, dá-se a conexão”

No meu caso, gosto de estabelecer uma ligação total com o público e de o reconhecer. Por isso, usamos a frase “partir o vidro” [“break the glass”]. Há um pequeno vidro entre o público e o palco. E se partirmos esse vidro e o público sentir que os conseguimos ver, dá-se essa conexão.

Quando o público se apercebe de que eu o posso ver, faz um espetáculo que nunca experimentou antes na sua vida.

Porque a partir daí eu posso falar com eles, eles podem falar comigo, e torna-se muito íntimo porque, nessa altura, é um concurso de partilha. Essa é a parte que eu digo que muitos públicos não estão habituados, porque a maioria dos artistas sobe ao palco e apenas canta. E por isso nunca deixam o público entrar. Mas eu sou exatamente o oposto. Adoraria deixá-los entrar. Cá vamos nós!

Tem uma carreira cheia de êxitos. Quando escolhe o alinhamento de canções que vai cantar, há sempre uma canção que tem absolutamente de ser incluída?
Uau, isso é engraçado e é difícil porque há toda uma lista de canções que têm de ser incluída. Por exemplo, consegue imaginar-me a entrar em palco e não cantar “Hello”? Ou “All Night Long”. Ou não cantar “Easy Like Sunday Morning” ou “Stuck On You”. Se eu não cantar estas e outras canções, as pessoas vão perguntar ‘bem, o que é que se passa com o Lionel? O que é que ele está a pensar?’. Frank Sinatra disse-me uma coisa que é uma história que eu adoro contar por que ele tem razão no que diz: ‘Se tiveres uma canção que o público queira que cantes vezes sem conta, tens uma carreira’. Ele disse, ‘tu, meu amigo, não só tens mais do que uma, como as escreveste todas!’. Por isso é que isto é tão especial, é difícil deixar canções de fora nesta lista de canções porque toda a gente quer ouvir todas as canções.

Referiu-se agora a alguns dos seus êxitos, mas deixou ainda outros de fora. “Say You, Say Me” é só mais outro…
Sim. É isso que eu dizia há pouco: não se pode sair do palco sem dar às pessoas essas canções que elas querem.

Alguma delas tem um significado mais pessoal depois destes anos ou uma história que ainda mexe consigo? Pode partilhar alguma coisa?
Durante muito tempo alguém me dizia: ‘Quando é que vais escrever um livro? Diz-me, não vais escrever as tuas memórias? Não me vais falar sobre esta ou aquela música?’ Isso porque cada uma destas canções destaca basicamente um período da minha vida. Por exemplo, “Easy Like Sunday Morning” fala dos primeiros anos de mim e dos The Commodores.

“Cada uma das minhas canções destaca um período da minha vida. Tem um período e uma história por trás”

Essa canção, por exemplo, tem muito significado para mim porque foi a primeira vez que começámos a fazer digressões e o nome da canção chamava-se “Leave Me Alone”. E quando as pessoas começaram a dizer, ‘do que é que estás a falar?’, deram-me um livro com 366 páginas. Dessas 366 páginas, 365 páginas eram de onde íamos estar e atuar no ano seguinte, todos os dias do ano seguinte. E escrevi num papel: ‘Why in the world would anybody put chains on me?/ I’ve paid my dues to make it/ Everybody wants me to be what they want me to be/ I’m not happy when I try to fake it’/ I wanna be high, so high/ I wanna be free to know the things I do are right’ (“Porque é que alguém me acorrentaria? Paguei as minhas quotas para o conseguir. Toda a gente quer que eu seja o que eles querem que eu seja. Deixem-me em paz”) que é, a letra de “Easy Like Sunday Morning”.

O livro “Truly” vai ser publicado a 30 de setembro.

A partir daí, apercebi-me que as minhas canções, na verdade, marcam onde eu estava numa determinada fase da minha vida. Por isso, cada uma destas canções tem um período e uma história por detrás. Outro exemplo é “All Night Long” que representa trabalhar toda a noite. Eu poderia passar por cada uma das minhas músicas e contar-vos uma história. Mas é uma era. É uma parte da minha vida que agora vai resultar na publicação de um livro, tendo por detrás todas essas histórias.

O livro chama-se “Truly” [traduzido livremente para português será algo como ‘Verdadeiramente’]. E é tão interessante que, agora, podemos ter o concerto, as canções e as histórias para incluir no livro. Portanto, está a sair. [o livro está previsto ser publicado a 30 de setembro de 2025 via HarperOne, numa edição da HarperCollins].

Ficamos ansiosos! O Lionel é alguém que canta com a alma. É isso que cria a forte ligação entre si e o público. É esse o segredo da sua química com o público de diferentes gerações?
Sim. A parte mais importante de se ser um escritor, um artista, é conseguir relacionar-se com o público. ‘Será que eles se relacionam comigo? Será que eu me identifico com eles?’ E o que acontece muitas vezes é que a palavra que define a resposta a essas questões é “real”. ‘És uma pessoa real ou és uma personagem?’ Eu não quero ser uma personagem. Quero que as pessoas cheguem ao pé de mim e digam: “Meu Deus, Lionel, casei-me ao som da tua canção, ‘Hello’. Ou, então, ‘Oh meu Deus, Lionel, a minha canção favorita é All Night Long’. E assim sucessivamente. E com isso podem aproximar-se de mim.

“Quero que as pessoas cheguem ao pé de mim e digam: “Meu Deus, Lionel, casei-me ao som da tua canção, ‘Hello’. Ou, então, ‘Oh meu Deus, Lionel, a minha canção favorita é All Night Long’”

Quando viajo e aterro em qualquer país do mundo, dizem-me: “Bem-vindo a casa”. Sou um cidadão de cada país, cidade, vila. E consideram-me como um membro da família. Isso é mais importante para mim do que qualquer outra coisa. Não quero ser uma personagem que representa e que as pessoas pensem que ‘ele é um desenho animado que volta para a lua logo depois de terminar o concerto’. Não quero ser esse tipo de pessoa. Quero ser alguém que faz parte da família e que me conhece há muito tempo. Apesar de não estar em casa, estava em casa todos os dias com a música. E é isso que importa.

Este ano assinala-se o 40º aniversário de “We Are The World”, uma canção que escreveu em conjunto com Michael Jackson. Nos tempos que correm, uma nova edição desse movimento de solidariedade através da música é algo que está a planear ou que gostaria de fazer?
Não sei dizer quantas vezes as pessoas vieram ter comigo e me disseram: “Meu Deus, tens de escrever outro We Are The World porque estamos numa altura em que precisamos disso’. E a minha resposta é: vou tocar essa canção outra vez para vocês.

Porque as palavras aplicam-se hoje a tudo o que estamos a passar. ‘We are the world/We are the children/We are the ones who make a brighter day” (‘Nós somos o mundo. Nós somos as crianças. Nós somos aqueles que fazem um dia mais brilhante’). ‘Estamos a salvar as nossas próprias vidas’ (‘We’re saving our own lives’) é uma ótima frase. Estamos agora numa fase em que há refugiados vindos de todo o lado. Há imigrantes que vêm de todo o lado. Mas o que é que é comum a todos eles? São pessoas. São seres humanos. São famílias. E querem o melhor para as suas famílias.

“Digo sempre às pessoas que, antes de começarem a criticar e a darem nomes às pessoas, pensem na vossa própria família”.

E eu digo sempre às pessoas que, antes de começarem a criticar e a dar-lhes nomes, pensem na vossa própria família. Agora, se fossem uma pessoa que tivesse de deixar a vossa casa, a vossa comunidade, para ir para um lugar mais seguro, gostariam de ser rotulados como uma espécie de alienígena? Ou quereriam ser olhados como um ser humano? Por isso, para mim, se ouvirem mais uma vez estas palavras de ‘We Are The World’ compreenderão que são tão atuais hoje como eram há 40 anos, quando as escrevemos. Sinto a falta do Michael. Se eu pudesse gostava que ele estivesse aqui para o poder explicar comigo. Foi uma altura muito mágica na minha vida quando escrevemos aquela canção.

E só posso dizer que ambos partilhávamos o facto de que queríamos mudar o rumo do mundo e torná-lo um lugar melhor. Por isso, falo em nome dele, mas gostava que estivesse aqui.

“Se ouvirem mais uma vez estas palavras de ‘We Are The World’ compreenderão que são tão atuais hoje como eram há 40 anos, quando as escrevemos”.

Nos últimos anos, tem sido um juiz regular no American Idol. O que é que procura num verdadeiro talento musical para além da voz?
Ainda bem que refere isso, porque acho que o que as pessoas por vezes se enganam é dizer: ‘Meu Deus, essa pessoa era uma ótima cantora. Porquê, por que é que a expulsaram?’ Ou perguntam-me ‘porque é que a tirou do programa?’ E eu respondo, ‘porque não ando à procura de cantores’. Não estamos à procura de cantores. Estamos à procura de estilistas (‘stylists’). E isso remete para aquilo de que nos lembramos acerca de alguém: ‘Que caraterísticas é que essas pessoas têm de que nos lembramos?’ Esse é o talento.

“As qualidades únicas de alguém é o que fazem com que tenha talento e tenha uma carreira”

E vejamos o caso de ‘We Are The World’, por exemplo. A Tina Turner não soava como o Michael Jackson, e o Michael Jackson não soava como a Dionne Warwick. E a Dionne Warwick não soava como a Diana Ross. Quando se tem apenas meia linha para cantar, nem sequer um verso, o que faz com que a tua voz se destaque é a tua identificação. O teu ADN. É isso que estou à procura no American Idol. Não é o facto de atingires as notas perfeitas. Não são as notas perfeitas. É se tens um traço identificável que leve as pessoas a dizer: “Meu Deus, é o Bruno Mars’. ‘Oh meu Deus, é a Lady Gaga’. ‘Oh meu Deus, é a Beyoncé’ e por aí adiante. Em ‘We are the World” Stevie Wonder soa como o Stevie Wonder. Bruce Springsteen em duas notas, sabe-se que é o Bruce. Essas são as qualidades únicas que estamos a procurar. Porque se tiveres isso, então tens uma carreira.

Há alguma parte do seu percurso que gostasse de explorar: voltar ao cinema ou colaborar com novos artistas? Há algum aspeto da sua carreira que gostasse agora de desenvolver?
Acho que o que vai acontecer agora, é que vão ver muito mais colaborações. Vão ver muito mais escrita de canções. Julgo que já passou tempo suficiente entre a velha forma como o negócio da música costumava ser e agora este novo mundo de streaming da Internet. Parece-me que está na altura de voltar a identificar e colaborar com alguns destes artistas incríveis que andam por aí. Na verdade, estou bastante apaixonado por algumas das vozes que existem.

“Vou colaborar com alguns destes artistas incríveis que andam por aí”

Como sempre digo, ainda não terminei. Tenho mais alguns sonhos e ideias sobre o que quero introduzir porque, no fundo, para mim, ainda sou o escritor. Acho que vou voltar a tocar com alguns destes artistas.

 

Mais Artigos