O que é que lhe vem à cabeça quando pensa na Peugeot, o fabricante francês de automóveis? Qualidade? Talvez não. Desempenho? Hum… é pouco provável. E que tal inovação? Duvido. Perante isto é de admirar a sinceridade do português Carlos Tavares, o presidente-executivo do grupo PSA, que fabrica viaturas da marca Peugeot, Citroën e DS, e que ocupa um distante décimo lugar a nível global em termos de vendas.
“Somos uns dinossauros,” afirma de forma clara referindo-se à sua empresa com 207 anos de idade e que produzia moinhos de café e bicicletas antes dos automóveis. “E se não quisermos desaparecer como os dinossauros, temos de trabalhar de forma diferente”, conclui.
Como é que uma empresa francesa em segundo plano pode competir na era da Uber e dos Tesla? Tavares tem uma estratégia dupla. Em primeiro lugar, ter uma boa dose de eficiência: ser prudente em termos de gastos, mas assumir riscos no que toca a métodos de fabricos emergentes, como é o caso da impressão em 3D, e abraçar oportunidades de negócio pouco convencionais, como vender viaturas baratas e genéricas a serviços de partilha de viaturas, vulgo car-sharing. Em segundo lugar, ter uma base alargada de clientes.
A PSA pretende transformar compradores esporádicos de viaturas em subscritores vitalícios de transporte através do seu serviço Free2Move, que pretende constituir-se como uma única aplicação mundial de apoio a tudo e mais alguma coisa, desde partilha de viaturas e leasing a gestão de frotas comerciais.
E mais importante: o Free2Move não se limitará às marcas da PSA já que é o verdadeiro Cavalo de Tróia nos planos de Tavares para voltar a entrar no mercado norte-americano onde a PSA não vende viaturas há 26 anos. Pouco sexy? Sim. Mas trata-se de uma jogada inteligente, apesar de estar em desvantagem, por parte de um dos líderes mais cerebrais da indústria automóvel. E pode funcionar? Claro que sim. Afinal de contas, Tavares tem o condão de fazer as coisas acontecerem.
Uma nova vida
Carlos Tavares foi um dos principais braços direitos do director-executivo Carlos Ghosn aquando da aliança Renault-Nissan, e ficou conhecido por ter saído do cargo que ocupava depois de ter dito a um jornalista em Agosto de 2013 que queria ser presidente-executivo. E conseguiu o que pretendia: meses mais tarde foi escolhido para chefiar uma PSA quase à beira da falência. Na altura, deu a si próprio três anos para resolver os problemas do grupo, tendo-o feito em dois anos apenas.
Ao consolidar as instalações fabris, ao promover uma gestão da maquinaria de uma forma mais eficiente, a somar ao benefício obtido pela eliminação de 11 200 empregos por parte do seu antecessor, Tavares reduziu os custos fixos da PSA em cerca de 1,2 mil milhões de euros e reduziu o ponto de equilíbrio do negócio (break even) de 2,6 milhões para 1,6 milhões de veículos (em 2016, a construtora vendeu 3,1 milhões de automóveis).
Estas poupanças, associadas ao preço mais elevado dos modelos mais recentes, ajudou as margens operacionais da PSA a recuperarem de -2,8% em 2014 para 6% em 2016, um dos melhores resultados da indústria. E como se não chegasse a fantástica revitalização da empresa, em Março, Tavares surpreendeu o mercado ao fechar um acordo de 2,2 mil milhões de euros para comprar a Opel/Vauxhall da General Motors.
Apesar de ter operado uma boa reviravolta na empresa, o gestor está numa posição difícil. Não obstante os 54 mil milhões de euros de receitas, a PSA não é suficientemente grande para se equiparar aos avultados orçamentos em investigação e desenvolvimento (I&D) dos principais actores do sector como a Volkswagen (receitas de 217 mil milhões de euros), Toyota Motors (235 mil milhões de euros) e General Motors (158 mil milhões de euros).
Além disso, está excessivamente dependente da Europa – na China, o maior mercado do mundo, as vendas da PSA estão em queda, tendo corrigido 49% até agora durante o ano de 2017; e nem vende viaturas no segundo maior mercado do mundo, os EUA. “A Peugeot vai continuar a ser assolada por questões que sempre preocuparam os fabricantes de automóveis das categorias intermédias, tal como conseguir comprar motores novos e plataformas para veículos eléctricos,” afirma Mike Ramsey, director de pesquisa automóvel da consultora Gartner.
“Mas têm a capacidade de serem um actor de destaque numa área de negócio que está a mudar e de serem percursores. Têm a possibilidade de experimentarem sem grande ónus”, diz. Veja-se o caso da partilha de viaturas.
A Morgan Stanley afirma que a partilha de viaturas pode contribuir para 26% das distâncias globais percorridas até 2030, face a 4% em 2015. A PSA quer ser um fornecedor desses serviços “pay-as-you-go” e conta já com
1 milhão de clientes através de várias parcerias com actores franceses na área da partilha de viaturas como o TravelCar e o Koolicar.
Atento ao futuro
Carlos Tavares vê nos serviços de partilha de viaturas uma forma de a PSA entrar lentamente no mercado norte-americano. Uma vez mais, trata-se de uma abordagem pouco ortodoxa: em vez de gastar milhões a construir fábricas e criar redes de revendedores, está a começar por vender o acesso a viaturas de outras marcas. Com o tempo vai acrescentar marcas da PSA a essas frotas partilhadas até que, daqui a uma década, o grupo possa voltar às suas próprias viaturas nos EUA.
Sem uma rede pesada de revendedores, a empresa de Tavares está livre para reinventar um novo canal de vendas digital que sirva as necessidades dos consumidores modernos, afirma Larry Dominique, o executivo norte-americano que lidera estes esforços. “Não é como ter 500 ou mil revendedores e tentar convencê-los a fazer negócios de uma forma diferente.”
O líder da PSA está também disposto a ser o “rato de laboratório” da impressão em 3D numa escala industrial para melhorar a eficiência fabril da PSA. Até agora, os fabricantes de automóveis usaram a impressão em 3D sobretudo para peças de plástico de protótipos. Mas a tecnologia está a avançar rapidamente, com máquinas cada vezes maiores e capazes de produzir grandes componentes de uma série de materiais avançados, incluindo metal.
A PSA é o primeiro parceiro da start-up californiana Divergent3D, cujo fundador, Kevin Czinger, descobriu uma forma de fazer chassis de viaturas ligeiras usando juntas metálicas complexas impressas em 3D como o “tecido” que liga a fibra de carbono, ou os “ossos,” da viatura.
Com promessas de reduzir até 80% os custos de fabrico tradicionais, a tecnologia da Divergent3D tem potencial para alterar os factores económicos associados ao fabrico em massa e tornar viável produzir viaturas de forma lucrativa em pequenos lotes — algo que não faz sentido hoje numa fábrica de mil milhões de dólares que usa métodos tradicionais.
Este tipo de avanços tecnológicos está a entusiasmar o gestor, cuja aposta é de que a PSA possa instalar microfábricas em países que exigem fabrico local ou em cidades com grandes volumes de tráfego e que precisam das suas próprias frotas de carros partilhados.
Estamos a falar de uma mudança radical nesta indústria. É só uma questão de tempo até que alguém faça a impressão 3D funcionar à escala industrial no fabrico de viaturas. E essa pessoa pode bem ser ele. “Tavares mostra-se ávido,” diz Czinger. Assim como a maioria dos dinossauros – pelo menos aqueles que sobrevirem.