“Liderar em tempo de pandemia tem sido um permanente desafio, mas igualmente um privilégio”

O País tem atravessado várias crises com os portugueses a verem as suas poupanças cada vez mais ‘encolhidas’. Como é que as instituições de crédito, como é o caso da empresa que gere, estão a lidar com este cenário? O problema do País nas últimas décadas reside na ausência de um caminho de desenvolvimento a…
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O presidente do Montepio Crédito garante que o desafio, durante a crise sanitária, de manter as pessoas unidas, ainda que separadas fisicamente, tem sido superado.
Negócios

O País tem atravessado várias crises com os portugueses a verem as suas poupanças cada vez mais ‘encolhidas’. Como é que as instituições de crédito, como é o caso da empresa que gere, estão a lidar com este cenário?

O problema do País nas últimas décadas reside na ausência de um caminho de desenvolvimento a médio-longo prazo, uma verdadeira estratégia que permita focar os agentes económicos nas prioridades. Só deste modo é possível a geração de valor de forma sustentável. A reduzida taxa de poupança das famílias observada até 2019 deveu-se à significativa queda das taxas de juro e a uma maior propensão ao consumo registada após a crise financeira 2008-2014. Em 2020, esta tendência inverteu-se com a taxa de poupança das famílias a crescer no terceiro trimestre para 10,8%, o que não se verificava desde 2013. Isso fica a dever-se ao primeiro período de confinamento, que fez retrair o consumo pelo encerramento de estabelecimentos e pela redução significativa das expetativas dos consumidores, adiando decisões de compra. Em 2021, espera-se nova retração no primeiro trimestre, mas não de forma tão severa como em 2020. As instituições de crédito evoluíram muito desde a crise financeira na sua capacidade de análise de risco. Por outro lado, também o quadro regulamentar evoluiu no sentido de evitar situações de desequilíbrios como o sobre-endividamento. O crédito em risco nas instituições de crédito está aos níveis mais baixos da década. No caso do Montepio Crédito, o escrutínio de operações propostas tem permitido conter os níveis de crédito em risco bem abaixo dos níveis médios observados no mercado onde opera.

Quais as soluções que têm no mercado para serem uma escolha para os portugueses?

O Montepio Crédito foi eleito pela Consumers Choice, pelo terceiro ano consecutivo, como a Escolha dos Profissionais no crédito especializado. Isto deve-se essencialmente à oferta diversificada que dispõe (crédito, leasing e renting), à capacidade de adaptar a sua oferta às necessidades dos seus parceiros e aos níveis de serviço. O Montepio Crédito posiciona-se como um parceiro financeiro português permitindo aos parceiros de negócio apresentar os seus serviços já com soluções de financiamento devidamente adaptadas a cada tipo de negócio, nomeadamente, no financiamento automóvel e financiamento de equipamentos nos segmentos de transportes e logística.

Enquanto operador de crédito, quais os segmentos de crédito onde a empresa tem registado maior procura?

No ano de 2020, o Montepio Crédito atingiu valores de novos contratos de crédito acima dos registados no ano anterior, quando o mercado registou decréscimos de forma generalizada. Destaco o crescimento de 2% no segmento de Meios de Transporte, quando o mercado caiu praticamente 30%. Mas também destaco o crédito concedido no segmento de Lar e Serviços, em que o Montepio Crédito registou um crescimento de pouco mais de 20%, quando o mercado registou um decréscimo de 13%.

Ao longo deste ano sob a pandemia foram adotadas ferramentas como as moratórias para evitar o incumprimento nos créditos. Considera esta uma solução credível ou apenas é um paliativo que irá penalizar ainda mais a situação financeira das pessoas?

As soluções de moratórias adotadas, quer por via da legislação (moratórias legais), quer por via de soluções sectoriais (moratórias privadas) foram motivadas pela travagem abrupta da atividade económica. Foi necessário encontrar mecanismos que permitissem compatibilizar os encargos com o serviço de dívida das famílias e das empresas à nova realidade de (in) capacidade de geração de rendimentos. E, nesse sentido, estas soluções serviram como resposta a uma nova realidade do mundo. Também as autoridades sentiram essa necessidade para evitar possíveis efeitos nefastos sobre a atividade do setor financeiro (com a memória ainda fresca sobre os severos impactos da crise anterior). Naturalmente que os efeitos pós-moratórias se farão sentir em paralelo com a perspetiva de recuperação da atividade económica no período pós-pandemia. Neste caso, estamos de olhos postos nos indicadores de evolução da atividade económica e do desemprego.

Como tem evoluído o setor do crédito especializado em Portugal?

O crédito especializado em Portugal tem registado anos de crescimento, travado pela crise sanitária em 2020, e no primeiro trimestre de 2021. É caracterizado pelo peso notório das instituições multinacionais com presença em Portugal. A oferta do mercado tem-se revelado adequada às necessidades, quer dos parceiros intermediários de crédito, quer dos clientes finais. Naturalmente que a evolução das tendências de consumo nos particulares, e de investimento nas empresas, estimulam à inovação na oferta. Por exemplo, com significativo crescimento da procura por viaturas eletrificadas (híbridas ou elétricas), temos vindo a adaptar a nossa oferta de financiamento direcionada especificamente para estas necessidades. No caso das empresas, a oferta tem evoluído mais para uma ótica de “pay per use”, dando, portanto, maior relevo a soluções de renting.

Quais os trunfos que o gestor de hoje deve ter para fazer a diferença, neste caso, no segmento em que atua?

Deve abstrair-se de metas de curto prazo e pensar mais na sustentabilidade da empresa. Deve procurar antecipar as dificuldades dialogando permanentemente com os seus trabalhadores, os seus parceiros e os seus clientes. Deve tomar decisões não adiando as mais difíceis. Em suma, deve ter uma predominante dose de bom senso.

As empresas são obrigadas a trabalhar no tal “novo normal”. Liderar em tempo de pandemia é um desafio ou uma oportunidade?

A expressão “novo normal” não colhe o meu particular apreço. Prefiro reequilíbrio ou “novos desafios”, pois é disso que se trata, uma vez que o “normal” é algo demasiado abstrato. O que é normal para uns, não o será para outros. Liderar em tempo de pandemia tem sido um permanente desafio, mas igualmente um privilégio. Isto, porque se conseguirmos superar as dificuldades e se conseguirmos atingir resultados, é algo que fica para as nossas vidas como uma vitória que nos encherá de orgulho, com muitas histórias para contar. A pandemia obrigou a repensar todos os processos de trabalho e a forma como as pessoas se relacionam. Nas instituições como o Montepio Crédito, estão instituídos procedimentos para assegurar a continuidade de negócio em situações extraordinárias como catástrofes ou acidentes. Esse Plano de Continuidade do Negócio instituído no Montepio Crédito viu tornar-se numa realidade em poucas horas. Sabíamos exatamente o que tínhamos de fazer perante uma pandemia. Naturalmente que os desafios foram colocados com a realidade a superar a teoria. Felizmente, todos os trabalhadores conseguiram passar por esta provação com distinção.

O Montepio Crédito tem sido distinguido no Índice da Excelência quanto às boas práticas de recursos humanos. Quais as práticas implementadas na gestão das pessoas que permitiu a distinção?

O negócio das empresas é feito com pessoas, o que quer dizer que, se não percebermos de relacionamento humano e de desenvolvimento das pessoas no contexto profissional, não percebemos nada de negócio. E tudo começa por cada um saber exatamente o que faz a empresa, como se relaciona com os seus parceiros e clientes, e quais são os seus objetivos. Uma questão que habitualmente coloco aos profissionais que trabalham no Montepio Crédito é: “Qual a razão de o Montepio Crédito existir?”. Num primeiro nível, as respostas estão relacionadas com as funções que cada um desempenha. Quando começamos a cruzar as respostas das diversas áreas, começamos a ver a formação da resposta coletiva, que se traduz num compromisso coletivo e individual. O permanente feedback gera um sentido de responsabilidade elevado e um enorme sentimento de pertença. Quando atingimos este patamar, tudo parece tornar-se mais fácil. Acresce todo o trabalho de formação, gestão de carreiras, desenvolvimento profissional, assim como o desenvolvimento de uma cultura de empresa de respeito, responsabilidade e empenho. Durante esta crise sanitária, o desafio de mantermos as pessoas unidas, juntas, ainda que separadas fisicamente, tem sido superado com iniciativas que vão desde a participação em atividades lúdicas à distância, de team building e de worklife balance. Estou verdadeiramente crente que o contributo da empresa para a felicidade das pessoas se traduz em resultados.

Como antecipa o futuro de Portugal tendo em conta a crise pandémica e económica que o País atravessa?

O futuro de Portugal passa por diagnosticar corretamente as fontes de vantagens competitivas e, a partir daí, dar espaço para que as empresas se possam desenvolver. Não consigo entender que, mesmo ideologicamente, alguém considere que é possível desenvolver o País sem dar condições às empresas para se tornarem mais competitivas. Mais de 80% do emprego gerado em Portugal tem origem nas Pequenas e Médias Empresas, pelo que o primeiro desígnio nacional deverá passar por criar condições para que possam prosperar: quer no domínio da política fiscal e contributiva, quer no domínio das condições de contexto (menor burocracia no acesso a licenciamentos, maior rapidez na justiça).

E qual deve ser o papel do Estado?

A partir do momento em que o desenvolvimento das empresas se torne uma prioridade, as funções do Estado no domínio da educação, da saúde, das infraestruturas passarão a ter uma fonte de receita mais sustentável por via da tributação decorrente da evolução da atividade económica, sem necessidade de continuamente se endividar. Cada vez que o Estado se endivida para acorrer às necessidades de despesa corrente, está a hipotecar o rendimento das gerações futuras. Ora, isto não é sustentável. Por outro lado, para que as empresas possam recorrer a financiamento junto das instituições financeiras para desenvolverem a sua atividade, precisam de ter uma base de capital sólida e devidamente adequada a esse endividamento. Naturalmente que a atividade bancária está direcionada para apoiar projetos de desenvolvimento das empresas, e não para financiar capital de risco. Esse tem de ser gerado endogenamente (através dos seus sócios ou acionistas) ou através de estímulos públicos.

Os desafios da gestão permitem equilibrar a vida pessoal com a profissional?

A gestão de uma instituição financeira é um permanente desafio que exige enorme dedicação e responsabilidade e o equilíbrio entre a vertente profissional e pessoal é fundamental. As novas gerações de gestores têm muito presente os erros cometidos no passado, e procuram assegurar a solidez das instituições perpetuando-as.

Quais os hobbies que consegue ter?

Gosto muito de fotografia e vídeo. E também de boas caminhadas.

Uma sugestão de um livro e de um filme que o tenha marcado?

Um livro fantástico “Porque falham as nações” de Daren Acemoglu e James Robinson. De forma muito simples, explicam por que razão há nações bem-sucedidas e outras que, apesar de ricas em recursos, não conseguem prosperar. Um filme fantástico “A Lista de Schindler”, realizado por Steven Spielberg e que tem como ator principal Liam Neeson no papel de Oskar Schindler, um empresário alemão que salvou mais de mil judeus do holocausto empregando-os nas suas fábricas. Um verdadeiro documentário histórico para que a memória não se apague ao longo das gerações.

Três desejos para 2021?

“Domesticar” rapidamente o SARSCov2, retomar a liberdade, retomar a economia.

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