A subsidiária portuguesa da Leica começou com cinco trabalhadores a montar grupos de microscopia. Mas antes do 25 de Abril fixar-se em Portugal significava ter um parceiro local, o Banco Espírito Santo (BES). Só no ano passado é que a casa-mãe, depois de quase um ano de negociações, conseguiu comprar a participação de 8% detida pelo BES desde 1973.
Dos 22 anos que leva a trabalhar em Famalicão, Carlos Mira, administrador da Leica – Aparelhos Ópticos de Precisão, contabiliza apenas um ano difícil – e não foi 2011, quando se falou da hipótese de deslocalização para a China. “O momento mais baixo da história da empresa aconteceu em 2009, com a crise económica mundial, quando tivemos de recorrer ao lay-off (redução temporária do período normal de trabalho)”, conta.
Normalmente, em Portugal, quando uma empresa entre neste processo é o princípio do fim. Porém, no caso da Leica, o desfecho foi outro. “Havia a certeza de que não era assim, porque tínhamos duas máquinas para lançar no mercado, só que ainda não estavam prontas. Se tivéssemos lançado a M9 e a S2 seis meses antes não teríamos feito lay-off”, recorda Carlos.
Numa primeira fase do processo de lay-off, a paragem da fábrica acontecia todas as segundas-feiras. Mas como não foi suficiente, os trabalhadores tiveram de ir para casa sete semanas, onde já estava incluída a paragem normal de férias. A partir daqui, foram contratadas mais 150 pessoas e a empresa não parou de crescer. E nem a ameaça de deslocalização da fábrica para a China beliscou o crescimento da unidade fabril.
“O momento mais baixo da história da empresa aconteceu em 2009, com a crise económica mundial, quando tivemos de recorrer ao lay-off”, conta Carlos Mira, administrador.
“A deslocalização não se compadece com o know-how desta empresa. O know-how que algumas destas pessoas têm é único no mundo. A outra questão é a da qualidade. Temos fornecedores em todo o mundo, mas não têm a qualidade que Lousado tem”, defende Carlos, salientando também como fundamental o forte investimento realizado por parte de Andreas Kaufmann, actual presidente do conselho de administração da Leica. “Foi ele quem salvou a unidade portuguesa em 2009. Investiu muito, mas já recuperou isso e ganhou ainda mais”, atira.
Mas Andreas foi mais longe. Em 2004, numa altura em que a Leica estava à beira da falência, decidiu colocar um ponto final numa carreira de 15 anos de professor e, servindo-se de uma herança familiar, comprou a Leica Camera AG (empresa-mãe da unidade portuguesa), tornando-se accionista maioritário da companhia.
A força da unidade portuguesa nos últimos anos está directamente ligada ao renascimento da Leica. Sob a orientação de Andreas, a fábrica portuguesa ganhou ainda mais expressão no negócio da marca alemã.
Carlos revela à FORBES que o novo dono da Leica se apaixonou pelo Porto logo no primeiro momento, e que desde então o foco da empresa-mãe tem passado por alavancar cada vez mais o investimento feito por cá. Carlos diz que a prová-lo está o investimento de 25 milhões de euros na nova fábrica em Lousado e a abertura da loja da Leica no Porto.
Confiança em Portugal
Quando a Leica decidiu abrir os cordões à bolsa para construir uma nova fábrica estava preocupada com a qualidade e não com a quantidade. Por exemplo, nas instalações antigas não havia as chamadas clean rooms, isto é, salas tão limpas como um bloco operatório, que custam facilmente 1 milhão de euros.
Ou a sala da pintura manual em ambiente limpo, que custa 1,2 milhões de euros. Tudo isso foi garantido nesta nova infra-estrutura que começou a operar em 2013 e onde trabalham, em média, 700 trabalhadores – actualmente, a empresa tem em construção duas novas secções: desenvolvimento e serviço técnico (para já só de binóculos).
“O sr. Kaufmann quer valorizar mais Portugal. A produção já está cá, mas faltava o desenvolvimento e as vendas. Ou seja, ao fim de mais de 40 anos, a Leica começa a desenvolver-se em Portugal”, explica o administrador da empresa portuguesa, já com uma objectiva no trabalho desenvolvido em Famalicão, que “é um sucesso e isso é a garantia do nosso futuro”.
A valorização de Portugal pela marca alemã também passou pela abertura de uma loja de venda ao público no Porto (Leica Store), no dia 1 de dezembro de 2016. Uma loja que é também uma galeria, uma academia e onde se faz a distribuição de produtos da marca alemã para todo o país. “Pela lógica, a loja devia ser em Lisboa, na Avenida da Liberdade, só que o sr. Kaufmann, por uma questão emocional, quis inaugurá-la no Porto”, justifica Carlos.
Só em Portugal é que existe uma verdadeira ligação entre fábrica e loja. Ou seja, os clientes da loja do Porto têm a possibilidade de ver como nasce uma Leica, peça por peça, desde o bloco de alumínio de 8 quilos até à máquina fotográfica de 800 gramas. O futuro passa por organizar visitas de clientes à fábrica, em Lousado, e ficarem a saber que estão na única empresa do grupo a fazer prismas para binóculos e para as máquinas fotográficas. Ou que não podem existir duas máquinas iguais porque na mecânica o polimento é manual.
Ao contrário do que acontecia no passado, hoje, em Lousado todos os chefes de secção são portugueses e a maioria dos colaboradores tem passaporte português. Carlos explica: “A marca é alemã, a engenharia é alemã, mas sem nós não existem. Nós, sem eles, podemos continuar a fazer a marca porque aquilo que eles fazem nós também conseguimos fazer, a finalização. Mas o que nós fazemos eles não fazem”.
“Pela lógica, a loja devia ser em Lisboa, na Avenida da Liberdade, só que o sr. Kaufmann, por uma questão emocional, quis inaugurá-la no Porto”, justifica o administrador.
Actualmente, o plano de encomendas deixou de ser anual e há que saber viver com as oscilações do mercado. Tudo o que é produzido em Lousado vai para a casa-mãe, e é a partir de lá que é feita a distribuição. Só nos binóculos é que 95% sai de Portugal directamente para os clientes. No top de vendas da Leica está a M10, apresentada ao mercado em Janeiro. Mas em Lousado também se fabricam máquinas fotográficas analógicas.
“Somos os únicos no mundo”, frisa o administrador, que vê o mercado das compactas a ser ultrapassado pelos smartphones. No entanto, para a Leica, “o mercado está estável, os nossos clientes são muito leais à marca”, que tem na Ásia o grande motor de vendas.
Mas as expectativas também são boas para o mercado europeu e, obviamente, para a loja do Porto, que ajudará a disciplinar as visitas à fábrica. Quase todos os dias Lousado tem que recusar visitas.
“Chegam aqui como se fossem a Roma ver o Papa. Produzimos produto e dizem-nos que produzimos sonhos”, regozija-se Carlos. Por isso, em parceria com a loja, será criado o Clube Leica Portugal.