A FlamAid nasceu da junção de fogo (flame) e auxílio (aid). Mas nasceu também da experiência pessoal de Julieta Rueff, da vontade de que mais nenhuma mulheres se encontrasse na mesma situação que ele foi obrigada a viver e de uma luta incessante contra o medo.
Hoje, a empresa conta com uma equipa de seis pessoas e prepara-se para a sua segunda ronda de investimento, programada para 2025.
O que é esta granada pacífica?
É um método de defesa pessoal passivo que nasce como uma solução que não seja defesa ativa. Uma defesa ativa seria, por exemplo, um spray de pimenta, só que o perigo desses tipos de defesa é que podem gerar mais violência. Então, o que nós fizemos foi criar um método de defesa passivo que segue o mesmo princípio dos alarmes de casa, que já usam o som, e simplesmente juntar a parte do GPS, porque a nossa casa é estática e nós somos dinâmicos. Portanto, o que nós queremos é um método passivo que dissuada a situação e que te deixe voltar a casa segura. Decidimos fazer uma granada pacífica, porque a ativação mais fácil do mundo é a granada. As pessoas que se atiram de paraquedas esticam e não pressionam, porque numa situação de emergência é muito mais fácil para o cérebro esticar. Nós seguimos só o mesmo princípio, que é se precisas de ajuda estica como se fosse uma granada de mão e ativas o som e o envio do GPS aos teus contatos de emergência.
A partir do momento que a pessoa ativa, o que é que acontece?
Na prática, tu simplesmente esticas o anel, começa a soar automaticamente um alarme de 110 decibéis, que são duas ruas numa área metropolitana, e então manda o aviso à tua aplicação. Desde a tua aplicação, manda-se a tua geolocalização aos teus contatos de emergência. A partir do momento em que tu esticas, tens 10 segundos para cancelar desde a aplicação o sinal, se tiver sido um acidente ou se tiver sido um alarme falso. Cancelas ou com o teu Face ID ou com o teu código.
Então não é um contacto direto com as autoridades, é um contacto com as pessoas que escolhes.
Tens o teu contacto direto sempre grátis aos teus três contactos de emergência. E depois, se quiseres, também tens a parte da subscrição, que vamos lançar em Portugal no final do ano. E este contacto com subscrição é o mesmo que os alarmes de casa. Cá em Espanha começámos agora também com esse sistema, em que mandamos o teu sinal GPS a uma Central Recetora de Alarmes (CRA). E desde a CRA manda-se a força de auxílio mais próxima de ti. É o mesmo sistema dos alarmes de casa, mas com o teu alarme pessoal sempre contigo.
Isso pode ser traduzido numa questão de quanto tempo?
Depende. Em zonas metropolitanas podemos estar a falar de 3 minutos. Claro, depende sempre se estás, por exemplo, numa área rural, na qual não há polícia. Mas em áreas metropolitanas, que é para onde nós recomendamos o uso da FlamAid, são 2 a 3 minutos. E depois, o que nós mencionamos muito também, porque há pessoas que ficam muito chocadas quando estamos a falar de uma subscrição para os serviços de emergência, este é um serviço que se paga, porque nós não ligamos ao 112, nós mandamos-te a ajuda mais próxima de ti. Nós estamos todos habituados há anos a pagar cada mês 39,99 euros, o preço mais barato para proteger o nosso sofá, o que nós estamos a oferecer é uma subscrição por 6,99 euros para te proteger a ti na rua, com o mesmo sistema que usas para proteger a tua casa.
Todo esse trabalho que está por trás após a ativação do alarme, traduz-se em custos muito elevados para vocês?
Sim, tal como os alarmes da casa, nós pagamos à CRA por cada contacto que está registado nessa subscrição, nós pagamos à central por poder usar esse serviço deles. Oxalá, no futuro, possamos ter uma central própria e não tenhamos de pagar a esta central por nos tramitar o sinal, mas por agora funcionamos como funciona a Prosegur e a Securitas.
E como é que surge toda esta ideia?
Esta ideia surge porque, a voltar a casa, há um par de anos eu tive uma experiência muito, muito má. Seguiram-me até casa, tentaram agarrar-me e houve um momento em que eu pensei que não ia chegar a casa. A partir desse momento, decidi que não queria que mais ninguém tivesse esta sensação, que ninguém mais passasse por isso. Depois, falando com amigas e com pessoas do meu círculo, dei-me conta que essa história não era só minha, que a maioria das mulheres já passaram por isso. Dei-me conta também que uma em cada três mulheres sofre violência na rua. Vendo todas as opções que havia no mercado e como nós protegemos as nossas casas, fazia sentido para mim ter algum tipo de proteção parecida também na rua. Portanto, nasce da necessidade pura e nasce com o objetivo de todas podermos chegar a casa.
E qual foi o passo a passo a partir daí?
A primeira coisa que fiz foi abrir um documento do word e começar a pôr todas as ideias do que eu gostaria de fazer. A granada sempre acompanhou, sempre foi o símbolo do projeto, porque foi uma das primeiras coisas que investiguei. Qual é a arma de mais fácil ativação do mundo? É a granada. Mas a granada é ilegal e eu não quero magoar, o que quero é proteger. Portanto, tendo a granada, a partir daí começámos a construir.
Agora vamos ver quais são os sistemas legais e que estão verificados que funcionam. Som, que estamos a usar há mais de 30 anos para proteger as nossas casas, vamos pôr esse som, mas mais alto. No tema das casas, já há a geolocalização, porque a casa é estática, portanto é só pôr a morada, para nós, como somos pessoas que se mexem, vamos pôr GPS. E depois o que comecei a fazer foram os esboços de como é que eu imaginava que esta granada poderia ser. A partir dessa ideia inicial, procurei engenheiros que me ajudassem a criá-la, a dar-lhe vida. E estes engenheiros começaram a trabalhar comigo de maneira totalmente pró-bono.
Nós estivemos a trabalhar neste projeto desde novembro de 2022, totalmente grátis, totalmente vocacional, até que finalmente apresentámos o primeiro protótipo, impresso em 3D, a investidores e os investidores acreditaram na nossa missão e no poder do projeto, neste poder de revolucionar a indústria da segurança e levá-la também à rua, que é onde nós estamos normalmente. Conseguimos levantar uma primeira ronda de investimentos de 500 mil euros para, então, industrializar as nossas granadas e levá-las ao mercado.
Como é que funcionou esse processo com os engenheiros, criar o objeto?
Nós fizemos mais de oito protótipos antes de chegar ao final. Sempre seguimos o princípio da granada, porque esticar é sempre a ativação mais fácil do mundo, mas modificámos bastante. Por exemplo, esticar desde cima, esticar desde o lado, esticar desde baixo, como é que é mais orgânico, onde é que é mais fácil. Tivemos imensas provas e, depois, também tivemos de passar todas as certificações europeias para poder produzir e para poder comercializar. Realmente foi um projeto bastante de laboratório durante o seu primeiro ano. E, depois, começa a parte de dar a conhecer o projeto, de falar da nossa missão, que afinal é de onde nasce tudo.
Qual é o vosso objetivo de produção?
É verdade que estou a produzir bastante mais caro do que eu gostaria de produzir. Porquê? Porque produzo entre a China e Espanha (Barcelona). O que é que isso quer dizer? Os componentes chegam da China e nós montamos tudo em Espanha e testamos cada uma das granadas. Isto foi algo que nós falamos com os nossos engenheiros e decidimos que as nossas primeiras 3 mil unidades iam ser todas testadas, e nós fazemos isto porque queremos assegurar que haja o mínimo erro possível e que toda a gente esteja segura. Agora o que acontece é que quando fazemos maiores pedidos, as granadas vão ficando mais baratas. O nosso objetivo é poder ir reduzindo o custo e reduzir também o preço.
A granada está disponível apenas em Espanha e Portugal ou também em outros países?
Nós estamos disponíveis internacionalmente. Agora, o que estamos a fazer é lançar as nossas subscrições em cada país onde temos mais presença. É por isso que começámos em Espanha e depois passámos para Portugal, que é o nosso segundo país com mais presença. A subscrição não podemos lançar globalmente porque tens um contrato diferente com cada CRA,. Mas, o tema dos três contactos de emergência e da granada, fazemos worldwide.
Há uma parte social muito importante para nós. E é por isso que a nossa aplicação de iOS e de Android são sempre grátis para todos. É verdade que a proteção diminui muito, porque tens de ativar o sinal de emergência desde o telemóvel, mas vais sempre poder ter os teus contactos grátis, sem som, só o envio de GPS. Nós recomendamos sempre ter a segunda capa de proteção, que é o som e a fácil ativação sem ter de ter o telemóvel. A aplicação é a base e depois tens camadas de segurança.
O facto de a vossa base ser em Espanha foi uma decisão estratégica ou apenas porque já vivias em Barcelona?
Tem a ver com já viver cá. Eu estava a estudar aqui e então foi-me mais fácil constituir aqui a empresa e poder lançar o projeto cá. É verdade que em termos de investimento talvez tenha mais opções em Barcelona, em Espanha. Isto não quer dizer que não exista investimento em Portugal. O que quer dizer é que, por exemplo, os produtos que têm hardware normalmente são mais heavy na parte de investimento, porque precisas de um investimento maior inicial para poder produzir então o teu molde, para produzir a eletrónica, para produzir o hardware. Nesse caso, tive a ‘sorte’ de já estar em Espanha para poder ir buscar uma quantidade mais elevada. Em média, levantam-se mais rápido investimentos em Espanha que em Portugal, mas, se estivesse em Portugal, teria adorado fundar em Portugal. E, por acaso, isso é algo que nós estamos super interessados para as nossas próximas rondas, devemos ter uma no ano que vem, adoraríamos também ter investidores nacionais, claro que sim.
Foi apenas uma ronda de investimento até agora?
Só fizemos uma, foram 500 mil euros. O meu objetivo é fazer o mínimo de rondas possíveis. A FlamAid não é uma empresa que siga a estratégia unicórnio, que quer dizer fazer rondas, rondas, rondas e ir aumentando a valorização e depois vender a um preço alto. O que nós procuramos é ser sustentáveis só com a nossa produção e com a nossa faturação. Isso permite-nos ser mais independentes, permite-nos sempre poder tomar as melhores decisões que queremos tomar para dar mais proteção aos nossos clientes e não depender de fatores externos. A nossa ideia inicial é esta primeira ronda que já está fechada com 500 mil, industrializar, produzir e vender as primeiras unidades. E então no ano que vem, final do ano, levantar uma segunda ronda que já será mais elevada para expandir para a América Latina, que é realmente em números onde está a grande necessidade agora mesmo. Gostaríamos muito de ir para o Brasil, Colômbia, México.
Quais é que identificas como os maiores desafios desde que tu tiveste esta ideia até ao momento em que estão agora?
Por um lado é a tecnologia. Nós acedemos a funções nativas do telemóvel das pessoas, isso quer dizer que acedemos a bluetooth. Vamos ter uma atualização nova, mais para a frente também, que te permite gravar o som e a imagem cada vez que ativas a tua FlamAid, para teres também imagens do que está a acontecer ao teu redor e depois podes usar para denunciar. Portanto, o nosso desafio maior foi a tecnologia. E depois é conseguir realmente ajudar as pessoas. É verdade que nós somos uma startup, mas nós nascemos com um propósito muito claro, e talvez o desafio maior é conseguir crescer como startup sem perder o que é o foco e os nossos valores e missão. E quando entras nesse jogo do investimento, e é por isso que nós também tentamos fugir desse jogo, pedem-te margens muito altas, pedem-te que reduzas o nível de proteção para poderes fazer mais dinheiro. E nós aqui sempre fomos muito firmes e talvez nos tenha feito ir mais devagar em alguns momentos, mas afinal para nós o importante é proteger as pessoas e que as pessoas cheguem a casa. Portanto, mesmo que isso nos faça ir mais devagar em alguns aspectos e ter de esperar os investidores ideais, nós vamos sempre fazer isso.
Qual é habitualmente a resposta ou a reação das mulheres quando introduzes este objeto?
A reação é muito boa. Quando falo com mulheres que têm mais de 35 ou 40 anos, recebo um comentário muitas vezes que é: oxalá isto tivesse existido na minha altura. Isso, por acaso, dói-me um bocado porque é verdade, eu gostaria muito que isto já existisse. Se isto já existisse, eu já teria três na mala e não teria de a ter criado eu. Fico com pena de não ter existido antes, mas ao mesmo tempo também penso: nunca é tarde, estamos cá. Se eu agora te posso fazer sentir segura, peço desculpa por estes últimos 20 anos não teres estado segura, mas eu quero que estejas agora. E quando falo com miúdas mais novas, há sempre uma reação de ‘uau, eu quero uma destas, eu preciso de uma destas’. Isso, para mim, realmente é um grande prazer. Recebemos muitas mensagens de agradecimento de utilizadores que dizem que se sentem muito mais seguras na rua, isso é uma satisfação enorme.
Tu és uma mulher fundadora de um negócio, és jovem e ainda tens um negócio que tem como objetivo a proteção das mulheres. Alguma vez sentiste algum tipo de preconceito, ou que não te levavam a sério, por esses motivos?
Sim, já me aconteceu. Houve, por exemplo, uma reunião muito importante que nós tivemos com um banco, um banco que queria investir em nós, e quando cheguei à reunião o senhor disse-me: obrigada por vires, mas isto é um tema muito sério, deviam mandar o vosso CEO. Foi engraçado porque eu sou a CEO. Também a maioria das mulheres demoram muito mais a conseguir investimentos do que os homens. Portanto, sim, é verdade que ainda há muitos preconceitos e eu fico feliz se a FlamAid também pode ser um precedente novo para isso. É indiferente se és mulher, se és homem, se és jovem, se és velho, se tens uma missão que é maior do que tu, tudo é possível.
E alguma vez a reação foi ‘mas isto não é necessário’?
Claro. Por acaso, quando eu ouço isso de pessoas, meio que fico feliz por elas, porque quer dizer que tiveram uma história de vida com muita sorte e que nunca tiveram de passar medo ou nunca tiveram um susto. Por um lado, fico surpreendida, não é? O mundo em que vivemos, a criminalidade está a aumentar. Acontece muito quando a economia piora, é inversamente proporcional. A criminalidade sobe quando a economia baixa. Agora mesmo nós estamos a chegar a pontos de criminalidade na Europa sem precedentes. Em Barcelona, por exemplo, há três denúncias de violência sexual por dia. Portanto, fico muito surpreendida quando ouço o ‘porquê’ ou ‘para quê’. É verdade que há este tipo de comentários, mas todos os comentários podem ser usados de maneira construtiva. Isto não quer dizer que eu depois executo todos, mas eu ouço-os todos com muito carinho e alguns deles ajudam-nos a melhorar e a construir. Outros são simplesmente agradecer e ir à procura de outro investidor.
Tens o objetivo de usar esta tecnologia com outros grupos que possam estar em alguma situação vulnerável?
Eu faço granadas contra a violência. Desde o início, cada vez que damos uma entrevista ou cada vez que falamos em público, explica-se que são granadas feministas para proteger a mulher. Eu não digo que não, mas as granadas são para proteger toda a gente que precise de proteção, nós nunca dissemos que era um produto só para mulheres. Simplesmente como é feito por mulheres, entende-se que é. As nossas granadas servem tanto para crianças, para jovens, para pessoas idosas. E nós também já estamos a trabalhar em outros modelos, como um colar. O nosso objetivo final é criar um ecossistema de segurança, que vá mais além do teu alarme de casa e que te permita estar protegido onde estejas.
E quais são os próximos passos?
Por agora é poder incorporar todo o feedback que estamos a receber dos nossos clientes. Recebemos imensas sugestões, imensos pedidos de personalização. Isso é uma parte que nós estamos agora a trabalhar, a parte estética. Descobrimos que se as pessoas querem levar isto, vão levá-lo, e por isso é importante ser estético para tu teres sempre esta segurança contigo. Também começou a expansão e outra coisa que estamos agora a começar é o posicionamento B2B. Nós vendemos sempre desde a nossa página web, e agora começámos também a vender em pontos de venda físicos, tanto em Portugal como em Espanha. A acessibilidade para nós é sempre uma prioridade, estamos também a trabalhar nisso, em poder estar em grandes superfícies comerciais para as pessoas nos poderem comprar.