Júlia Palha: Regresso ao presente

Se esta entrevista tivesse acontecido há cerca de dois anos, a Forbes apresentava-lhe uma Júlia Palha um pouco diferente daquela que conheceu neste momento. Hoje, falamos da atriz que valoriza mais a coesão e a longevidade do que um sucesso repentino e limitado. A dona de uma presença nas redes sociais que cuida a influência…
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Começou com uma pequena participação na novela “Jardins Proibidos” e hoje protagoniza novelas e filmes de grande sucesso no país. Júlia Palha falou com a Forbes sobre a sua carreira, os seus projetos e os temas que têm marcado a sua geração.
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Se esta entrevista tivesse acontecido há cerca de dois anos, a Forbes apresentava-lhe uma Júlia Palha um pouco diferente daquela que conheceu neste momento. Hoje, falamos da atriz que valoriza mais a coesão e a longevidade do que um sucesso repentino e limitado. A dona de uma presença nas redes sociais que cuida a influência com a responsabilidade de quem tem realmente consciência de que é ouvida por muitos. E a pessoa que encontrou uma forma mais calma de viver a vida, que não acontece no passado ou no futuro, acontece no presente.

“Esta fase de sucesso que eu estou a viver na minha carreira é uma consequência de muito trabalho, muito respeito, muita consideração e muitas cedências no passado. Esta fase que eu estou a viver feliz, amorosamente, é consequência de ter aprendido bem as minhas lições, de ter valorizado as coisas certas nas pessoas que tenho à minha volta”, diz Júlia Palha à Forbes.

O que é que as novelas dão a um ator que dificilmente se ganha num outro formato?
Dão muita resiliência, porque são de facto projetos muito desgastantes, que duram muito tempo, com horários muito intensos e com uma certa incerteza do que é a tua vida nesses oito ou nove meses em que estás a fazer o projeto. Nós funcionamos com folhas de serviço que recebemos às sextas-feiras, fica muito difícil conciliar outras coisas, ficas muito preso a este projeto. Mas, acima de tudo, é a escola. As novelas são a escola da representação. Tu num dia fazes, às vezes, vinte e tal cenas, que é quase uma esquizofrenia emocional, dá-te, de facto, uma estaleca que nenhuma outra coisa te dá. Começas o dia às nove da manhã e a primeira cena é a chorar, a segunda é a rir, a terceira é a irritares-te, a quarta é a chorar outra vez, depois tens cinco a rir. Tudo isso, às vezes, quando estás a ter um dia bom e a última coisa que te apetece é chorar e ir para uma zona má, ou em dias em que estás em momentos maus a nível pessoal. Portanto, é uma escola emocional, onde aprendes mesmo a usar o teu corpo, a tua voz, a usar as tuas emoções como uma ferramenta. Da mesma forma que um médico que tem muita experiência é melhor do que um médico que tem menos, claro que o talento é uma coisa que existe, mas quanto mais trabalhas, mais consegues melhorar o teu trabalho.

Nessa altura inicial já estavas certa de que era a representação que querias para a tua carreira?
Não, definitivamente, representação não era uma coisa que ambicionasse. Já fazia alguns anúncios, participações em projetos, alguns trabalhos em moda, estava já habituada de alguma forma às câmaras, mas eu dizia que queria ir para a gestão. Quando apareceu o casting do meu primeiro filme [John From], acabei por ficar e foi a meio do projeto que percebi: isto é muito interessante. Não tinha formação, não tinha raízes nem bases para o que estava a fazer, trabalhava muito por intuição, também tinha 15 anos e quando és muito novo trabalhas muito com o instinto e com o que tu achas que sentirias nessa situação. Eu gostei muito e percebi logo que gostaria de explorar e fazer mais, mas se calhar só ao fim de quatro ou cinco anos a trabalhar, já com algumas novelas, séries e filmes no currículo, é que percebi que isto é o que eu quero fazer para a minha vida. Também se calhar por antigamente haver um bocadinho aquele estigma de que para este tipo de profissões tinhas que ter um plano B, eu ao início também não queria ver isto como o meu plano A, e de repente percebi: a vida está incerta para todos nós, atualmente já não há aqueles trabalhos de uma vida inteira, portanto incerteza por incerteza é realmente nisto que eu sou feliz e é realmente isto que eu quero fazer.

Mencionaste a questão da formação, foi uma coisa que, mais tarde, foste procurar, achas que é importante no percurso de um ator?
Acho que sim. Como eu disse, as novelas dão-nos uma escola, uma prática que eu acho sinceramente que nenhuma escola dá. Isto para dizer que quem já trabalhou tanto como eu, isto não deixa de ser uma formação também, porque estás ali a aprender diariamente com outros atores mais velhos, mais experientes, aprendes também sobre câmaras, planos, iluminação e tudo isso é importante para a nossa profissão. Mas, efetivamente, eu já fui fazer formação depois disso, fui para Madrid viver, estive no Corazza e no Centro del Actor, que são duas escolas de teatro muito respeitadas. O que eu percebi foi: isto é uma profissão na qual eu vou ter de estar constantemente a estudar, a formar-me, porque há sempre coisas novas para descobrir. E é um conselho também que eu tento dar a pessoas que queiram entrar na área. Acho que ao longo da vida o que eu for sentindo, se acho que a minha projeção ou a minha colocação de voz está menos boa, ou acho que poderia desprender-me um pouco no corpo, vou procurando formações mais curtas e mais específicas para melhorar aquilo que eu sinto que me está em falta.

O quão difícil é dar os primeiros passos nesta área em Portugal?
Eu costumo dizer que sinto que isto é uma bolha. Diria que os primeiros passos não são fáceis, mas depois quando entras na bolha e és um bom profissional facilmente consegues mover-te e trabalhar cá. Mas, efetivamente, até se conseguir uma agência, por exemplo, não é fácil. Por acaso, o meu primeiro casting não foi através de agência, foi na altura em que os castings funcionavam melhor no Facebook e as coisas ganhavam outra dimensão. Mas eu acho que arranjar uma agência é definitivamente o essencial, porque já quase não existem estes castings públicos. Formação também é essencial. É como tudo, não é? Também ninguém vai ser médico sem ter formação.

Eu tenho consciência que não é fácil, principalmente para jovens que vivem fora de Lisboa, onde acabam por estar as agências principais e a maior parte das produtoras e das oportunidades. Mas eu acredito que quando uma coisa é para ser nossa e quando realmente queremos muito uma coisa, se não desistirmos, acabamos por consegui-la. Claro que não podemos correr atrás de sonhos irreais e não trabalhar em mais nada ou viver frustrados porque não estamos a conseguir entrar numa certa área, mas não devemos desistir dos nossos sonhos, devemos trabalhá-los. Se não posso neste momento, se não estou a conseguir nenhum trabalho enquanto atriz e não me posso dar ao luxo de não estar a trabalhar, vou tentar fazer ambos em paralelo. Vou arranjar um outro trabalho noutra área e vou tentar investir em formação paralelamente, ou vou investir nas minhas redes sociais porque a visibilidades ajuda, vou procurar um trabalho que seja na área do cinema, mesmo que não seja enquanto atriz, vou tentar estar dentro da área. É estar no sítio certo à hora certa e conhecer as pessoas certas.

Quando nós temos um sonho, não podemos ser muito agarrados ao objetivo final, temos de saber abrir janelas perto desse sonho, que sabemos que mais tarde nos podem conduzir até lá.

Ao longo do teu percurso passas por vários formatos – cinema, novelas, séries. Com qual te identificas mais?
Isso é uma pergunta que me fazem muito e acho que as pessoas que estão do outro lado não percebem, porque é mesmo difícil escolher. Todos te dão coisas diferentes. Definitivamente, o cinema é sempre uma zona que nos é especial na medida em que, como são projetos mais curtos, consegues entregar coisas diferentes a um personagem É completamente diferente tu teres de fazer um personagem, um grande vilão, durante um mês ou durante nove meses, que é o que dura uma novela. Tens mais margem para explorar e mais tempo até, porque temos sempre menos cenas durante o dia em cinema. Mas na novela também crias laços e relações muito mais fortes com as pessoas, porque estás lá muito mais tempo, tens uma proximidade ao público muito maior. Tenho consciência que grande parte da visibilidade que tenho de carreira vem das novelas, as pessoas que me reconhecem na rua é pelas novelas, portanto traz um retorno e um carinho do público gigantesco. As séries são um bocadinho um intermédio entre esses dois formatos. Normalmente são coisas que fazemos umas em dois meses, outras às vezes em cinco, onde se calhar tens mais espaço para explorar, mas não é uma correria tão grande como as novelas. Diria que se calhar é talvez o formato mais confortável para estar. Mas são todos muito especiais. Há pessoas que dizem: se um dia pudesse deixava de fazer novelas. Não, eu acho que vou fazer novelas uma vida inteira. Claro que se puder ter o privilégio de escolher as que realmente me desafiam e me fazem sentido, melhor. mas eu, por mim, vou sempre querer continuar a trabalhar em todos os formatos.

Tens algum projeto que consideres que foi um ponto de viragem na tua carreira?
Não sei bem. Eu costumo dizer que a minha carreira tem sido muito coerente, muito coesa, e é das coisas que eu mais gosto. Aliás, a minha agente uma vez disse esta frase e é mesmo por ela que me movo: as carreiras constroem-se a longo prazo. Eu nunca quis, de repente, ficar a pessoa mais falada ou mais conhecida, porque acho que muitas vezes estes booms de fama podem ser perigosos, porque se as pessoas te veem a ter muito mérito e muito sucesso um bocadinho “do nada”, podem não o valorizar tanto e tender a desmerecer a tua carreira. Eu comecei muito nova, comecei com papéis bastante pequenos, fui crescendo, fui ganhando papéis com cada vez mais importância, fui picando um bocadinho todas as áreas. Diria talvez que quando a SIC apostou em mim para fazer a minha primeira protagonista em telenovela com A Serra, fazia a personagem da Fátima, não lhe vou chamar um ponto de viragem, porque acho que só continuou um crescimento coerente a partir daí, mas diria que foi uma boa oportunidade para mostrar que sou uma pessoa que lida bem com muito trabalho, com situações de muito stress. Fazer uma protagonista em televisão é muito exigente e mostrei que mesmo debaixo de todo esse stress sou uma profissional altamente dedicada e educada. E não deixou de ser uma aposta de que o público gostou, o público quer ver-me nos ecrãs e isso é bom para trazer retorno e para outras produtoras me quererem chamar para os seus projetos. Digamos que foi um bocadinho uma rampa de lançamento, não propriamente uma viragem, mas uma força extra para me trazer tudo o que tem acontecido nos últimos anos.

Que outros projetos destacas?
Destaco o “Podia Ter Esperado por Agosto” que fiz no ano passado com o César Mourão. Foi dos projetos onde fui mais feliz, foi uma oportunidade inacreditável poder fazer cinema português com o objetivo de chegar a todos, às famílias todas, a todas as faixas etárias. Foi de facto um filme que teve uma projeção gigantesca, chegou quase a meio milhão de portugueses, que é uma coisa que no cinema português não vemos tanto, talvez às vezes por ser um cinema mais de autor. Foi cinema que chegou às massas, que normalmente só nos acontece em Portugal com as novelas, de repente era um filme que todo o Portugal tinha visto e com o qual todo o Portugal tinha rido e chorado, foi mesmo gratificante ver este projeto a ter tanto sucesso. Posso destacar o meu mais recente projeto, que é o Lavagante. Obviamente numa escala diferente e por ser, como estava a dizer, um cinema mais de autor, pode não estar a ter tanta projeção, mas está a ser um sucesso inacreditável. Estamos a exceder as expectativas da produtora e tenho recebido feedback incrível. É um filme que se passa nos anos 60, a preto e branco, achámos que seria um filme muito mais de nicho e a verdade é que imensa gente da minha idade está a ver. Felizmente não me tem faltado trabalho nas mais variadas áreas e é muito gratificante saber que este trabalho vem também de muito esforço e dedicação ao longo dos últimos anos.

Um outro filme que tu estreaste este ano foi “Virgens”, em Espanha. Como é que foi esse processo de chegar ao mercado espanhol?
Esse processo, por acaso, foi o que muitas vezes nos acontece nesta área. Foi um projeto que me apareceu um bocadinho sem estar à espera. Foi o Lionel Vieira que sabia que eu falo muito bem espanhol. Eles precisavam de uma atriz que parecesse sueca, que tivesse cabelo claro e olhos azuis, mas que falasse bem inglês e espanhol. Como era uma composição portuguesa, ele lembrou-se logo de mim, fiz um pequeno casting e acharam que eu seria a pessoa ideal para esse projeto. Foi muito diferente e divertido gravar em Espanha, um mercado no qual eu adorava trabalhar mais. Como disse, é furar as bolhas. Agora, era um papel pequenino, numa altura em que eu estava com muito trabalho. Se calhar haveria outras pessoas que diriam: não, esse papel é demasiado pequeno para mim, não me faz sentido. Eu quis furar a bolha, é um papel pequenino, mas eu quero que este mercado me conheça, porque quem sabe algum realizador ou produtor espanhol vê este filme e lembra-se de mim para um outro projeto.

Eu acho que, acima de tudo, enquanto nos mantemos humildes e abertos a oportunidades, as coisas acabam por nos chegar.

Este internacionalizar da carreira era um objetivo que tu tinhas definido para o teu futuro?
Sim, não num lado pretensioso de que as coisas cá não são boas, eu acho que nós fazemos coisas incríveis, mas numa medida em que o grande objetivo de qualquer artista é que a sua arte chegue o mais longe possível e a mais pessoas possíveis. Obviamente, ao internacionalizar a minha carreira, mais pessoas conhecerão o meu trabalho e a mais pessoas eu posso tocar com a minha arte. É mesmo só por isso que eu gostava de poder trabalhar noutros países.

Começar por Espanha, teve a ver com o facto de falares bem espanhol ou houve outras coisas que te atraíram?
A cultura espanhola é uma cultura muito presente na minha vida, eu vejo imensas séries espanholas, ouço muita música espanhola. Sou de Vila Franca, até se costuma brincar e dizer que é a Sevilha do Ribatejo. Cresci a ouvir flamenco, vou imenso a Madrid, sempre acompanhei muitas séries e filmes deles e acho que eles têm uma garra a fazer projetos da qual eu gosto muito e com o qual me identifico. São muito intensos e eu costumo brincar que eu também sou, portanto, identifico-me com eles. Mas eu só quero é fazer filmes que façam as pessoas sentir o máximo possível e que cheguem ao máximo de pessoas possíveis, portanto, seja em Espanha, Londres, Estados Unidos, Bulgária, eu sou feliz, quero é chegar a pessoas.

Há pouco mencionaste “Podia Ter Esperado por Agosto” e “Lavagante”. Podemos juntar também “Hotel Amor”, que foi outro filme que deu muito que falar. Em que momento achas que está o cinema português?
Acho que na produção audiovisual portuguesa em geral, estou a começar a ver aqui, neste caso específico sim, um ponto de viragem. Acho que não vai ser um ponto de viragem rápido, mas que isto é o princípio de alguma coisa. Acho que também termos as grandes plataformas a começar a investir no nosso país, como a Netflix ou a Prime Video, é também o princípio disso. Séries como “Rabo de Peixe”, que foi um sucesso mundial, são um sinal de que não importa a língua em que se está a falar, importa que as coisas tenham qualidade e que sejam bem feitas, e nós podemos fazer coisas com qualidade e bem feitas. O que aqui nos falta em Portugal, muitas vezes, é orçamento, porque não temos os orçamentos certos, acho que estas plataformas começarem a investir podem, de facto, mudar a maneira como as coisas têm sido feitas. Acho que há um comentário que nós atores todos fazemos muito, que é: parece que têm medo de ser comercial. Comercial não significa mal, tu queres fazer coisas que as pessoas queiram ver, é só adaptares-te ao mercado em que estás a viver, e é isso que a cultura tem feito ao longo dos últimos anos. Estas novas plataformas vão fazer exatamente com que realizadores novos, autores novos, produtores novos que queiram fazer coisas novas, como, por exemplo, o Justin Amorim, que é o produtor do “Hotel Amor”, e o Hermano Moreira. O Justin farta-se de produzir coisas com realizadores, autores e atores novos. Há muita gente a querer fazer novo e bom, só precisam dos apoios certos. Acho que daqui a cinco anos, eu adorava que fosse antes, mas estas coisas também demoram um bocadinho, mas daqui a quatro ou cinco anos nós vamos estar a ver Portugal no mapa do cinema e das séries.

Tu mencionaste aí o orçamento e foram anunciados cerca de 638 milhões de euros para a cultura, o que representa um aumento de 21,9%. Isto significa que a cultura fica com 0,26% da despesa total do Estado. Como é que tu olhas para estes números?
Eu acho que, infelizmente, a cultura ainda não é vista como algo que importe pelo menos o suficiente para ter uma fatia maior no bolo de tudo o que é o orçamento do Estado. Quando, infelizmente, está mais do que comprovado que a cultura faz bem à saúde, à saúde mental, é importante as pessoas irem ao teatro, verem filmes. Não só é importante como é o dia-a-dia de toda a gente, acho que não há ninguém que chegue a casa e não vá ver um filme ou uma série para descomprimir depois de um dia de trabalho. Infelizmente, o nosso país ainda não consegue aceitar isso a 100%. Ter havido um aumento já é positivo, ainda que não seja o aumento que nós gostaríamos, e temos de nos agarrar a isso. Acima de tudo, dar oportunidades a pessoas novas de tentar fazer coisas novas e provar, que é o que já temos provado um bocadinho nos últimos tempos, que fazemos o melhor que podemos, que fazemos omeletes sem ovos, que com tão pouco já fazemos tão bom, que precisamos de mais porque a cultura traz retorno, traz turismo e muito mais. São aquelas pequenas migalhas que nos vão dando, é um aumento, não é significativo, mas eu acredito que nós vamos sempre continuar a fazer o melhor que podemos com o que nos dão.

Além da área da representação, tu tens também uma forte presença nas redes sociais, com quase meio milhão de seguidores apenas no Instagram. Qual é o peso deste lado do trabalho na tua carreira?
É bastante, sendo racional e constatando o mundo em que vivemos agora, tenho consciência que as redes sociais são uma ferramenta importantíssima e a minha mentalidade na vida sempre foi: espertos são os que se adaptam. Se o mundo vive com redes sociais e precisamos das redes sociais, eu adapto-me, faço tudo o que me faz sentido e associo-me a marcas, trabalho e exponho o quanto a mim me faz sentido e o quanto eu acho que é preciso. Apesar de ter uma plataforma muito grande, são raras as coisas que exponho da minha vida pessoal. Não publico fotografias da minha família, do meu noivo, não faço vídeos a contar como é que está a ser o meu dia-a-dia. É muito pontualmente que eu decido comunicar algum tipo de coisa e se calhar 95% são coisas do meu trabalho, são muito raras as que são de nível pessoal. Temos de nos adaptar, de saber usar esta ferramenta que são as redes sociais e que não deixa de ser uma forma de comunicação. Eu ainda há pouco tempo falei disso, já não me lembro onde, mas eu estava a dizer: agora o “Lavagante” está no cinema, se eu tenho uma plataforma que tem praticamente meio milhão de seguidores e eu tenho o privilégio de poder usá-la para todos os dias partilhar o meu filme e lembrar as pessoas que o filme está nos cinemas, porque se a minha produtora, por algum motivo, não tem dinheiro suficiente para isso estar todos os dias a passar na televisão ou nem sempre consegue os apoios certos para isso, que sorte que eu tenho esta plataforma que chega diariamente à casa das pessoas. Eu vejo até as redes sociais muito mais como uma forma de comunicação de trabalho e é a postura que eu tenho tentado manter. Acho que também seria errado só querer partilhar o meu trabalho e nunca partilhar nada da minha vida pessoal, porque as pessoas se gostam de ti, gostam de te acompanhar, querem saber algumas coisas, e eu tento encontrar o equilíbrio certo.

Que percentagem dos teus rendimentos tem origem nas redes sociais, no trabalho com as marcas, e que percentagem vem do lado da representação?
Depende muito, sabes porquê? Porque quando eu estou a gravar, acabo por ter muito menos disponibilidade para conseguir fazer coisas do lado das marcas, e quando não estou a gravar, acabo por fazer mais. O que acontece muitas vezes é que muitas das coisas que chegam de Instagram, de parcerias de marcas, também vêm porque eu sou a atriz Júlia Palha e não porque eu estou só a influenciar, tanto que a escolha que eu faço das marcas é muito seletiva. Qualquer pessoa que vá ao meu perfil vai ver que se eu publicitei um creme, durante o próximo ano eu não vou publicitar outro creme, porque sei que a marca me escolhe como uma prova de credibilidade e, isto não censurando quem não o faz, mas a verdade é que as marcas querem-se associar à Júlia Palha porque ela é atriz e as pessoas a conhecem, portanto veem credibilidade naquela figura. Eu também tento fazer uma escolha do que é que aceito ou não aceito para também não perder essa credibilidade, porque a verdade é que, não tenho problema nenhum em responder a isto, se eu aceitasse tudo o que me é proposto, definitivamente, a percentagem do meu rendimento seria muito maior da parte das redes sociais, porque as redes sociais estão a movimentar muito dinheiro nesta fase.

Como eu tento fazer uma gestão equilibrada, diria que é um 50/50, depende muito dos meses e das coisas que eu vou ou não aceitando.

E que Júlia procuras ser nas redes sociais?
Procuro ser discreta, acima de tudo, gosto de manter algum misticismo, as grandes atrizes que eu acompanho lá fora, como a Zendaya, por exemplo, também só vão publicando muito raramente. As redes sociais vieram fazer perder-se esse mistério que havia, que nós tínhamos, quando éramos miúdas e a pessoa era quase inalcançável, as redes sociais vieram fazer com que tu vejas a cara desta pessoa diariamente e perde-se um bocadinho esse misticismo e eu gosto de manter isso. Portanto, tento ser discreta, tento e sou autêntica, sempre, acho que não há nada que venda melhor ou que seja melhor para uma carreira que sermos genuínos. Eu não estou aqui para ser a mais rica ou a mais conhecida, eu estou aqui para ter a oportunidade de fazer o que eu gosto até ao fim da minha vida e para isso é preciso construir uma carreira sólida e para construir uma carreira sólida é preciso dizer muitos não. Às vezes há orçamentos incríveis para marcas, às vezes há projetos que me dariam imensa visibilidade, mas que não são a escolha certa para a minha carreira naquele momento. Eu penso muito a longo prazo, penso que quero poder ser velhinha e ainda fazer filmes e para isso há que construir uma coisa sólida, genuína, coerente e que não se expõe demasiado, porque vivemos numa geração onde as pessoas estão um bocadinho nervosas na internet, há muitas opiniões, muita coisa a acontecer e quanto mais tu te fores conseguindo proteger e salvaguardar, acho que melhor te vais dar no futuro.

Ao mesmo tempo que tens essa proteção contigo própria, tens uma segunda conta mais pequena onde publicas coisas que tu escreves e acabas por partilhar uma perspetiva um pouco mais pessoal. O que é que te levou a criar essa conta?
Essa minha conta – Kindly Julia – surgiu porque eu escrevo muito e gosto muito de escrever, é quase uma terapia para mim, é das melhores formas de muitas vezes eu me expressar e perceber coisas que estava a sentir e que até as escrever não percebia bem que estava a sentir. E outras muito fictícias, eu escrevo ali muita coisa que não é sobre mim, que são situações que eu ouvi de amigas e adaptei, ou que eu vi num filme e adaptei. Mas vem acima de tudo de eu ter começado a partilhar alguns textos meus na minha página oficial, já há alguns anos, e de receber muitas respostas de muitas pessoas a identificarem-se, a agradecer pela partilha, a dizer que aquele texto específico as tinha ajudado a sair de um relacionamento tóxico, ou a sentir-se melhor em relação às suas estrias. Situações muito específicas, de repente, em que realmente os meus textos tinham ajudado outras pessoas. Pensei: se calhar às vezes não partilho tantos dos meus textos aqui na página, porque de facto isto tem que ser um bom equilíbrio entre o meu trabalho e não pode de repente só textos, vou fazer uma página à parte que seja dedicada a isto e que se calhar há pessoas que vão querer seguir. Achei que era uma zona que merecia ter um destaque especial, porque a escrita tem esse lugar especial para mim. Já não escrevo lá há alguns meses, tenho que voltar. Eu continuo a escrever para mim, nos meus cadernos, nas minhas notas, mas depois tenho preguiça, confesso, ou esqueço-me de passar para a página. E mesmo assim, sempre que me cruzo com alguém que elogia o meu trabalho, das primeiras coisas que elogiam é a página de textos. Isso é muito gratificante.

Há ainda um outro projeto em que estás a trabalhar, o podcast “Geração 90”. Segundo a descrição, o podcast fala sobre a geração que cresceu com a revolução digital e que vive ansiosa em relação ao futuro. A revolução digital trouxe-nos mais coisas boas ou más?
Eu acho que o objetivo da revolução digital era trazer-nos coisas boas, mas não sei se neste momento não nos trouxe mais coisas más. Quem sou eu? Não estudo sobre isto, não sou cientista, não faço sondagens, mas a verdade é, e é o que eu tenho percebido também nestas conversas com os meus entrevistados que nasceram nos anos 90, não há nada como nós termos crescido na rua, a brincar com os nossos amigos, a jogar ao peão, a jogar gameboy. Eu não sou mãe, e é uma coisa que às vezes me assusta quando penso como é que vou gerir as coisas com os meus filhos, todos temos vidas muito ocupadas e em que trabalhamos muito e nem sempre é fácil gerir as energias e o que os miúdos precisam, eu não imagino o que isso será, mas é muito assustador ver já miúdos muito pequenos agarrados a tablets a toda a hora. Mas o que me assusta ainda mais é nas idades mais para a frente, em que começa o bullying, em que começa o acesso gratuito a tudo o que há de perigoso na internet, que é um mar de coisas perigosas. Realmente preocupa-me, tenho a certeza de que o mundo digital é altamente pertinente, que nos trouxe coisas ótimas e foi para isso que ele foi criado, só que nós estamos demasiado agarrados a ele e focamos nas coisas menos boas que ele tem, que é estarmos completamente adictos. Contra mim falo, é a nossa geração. Estamos completamente presos aos telemóveis, dependendo das opiniões alheias, viciados em seguir tendências que mudam de mês e meio em mês e meio. Isso faz-nos viver muito ansiosos, a ansiedade e depressão são as doenças do século, quando tenho a certeza que se não houvessem tantos telefones, não o seriam.

O meu podcast é também um bocadinho para isso, para alertar, tanto que a pergunta que eu faço no final é: acreditas que o agora é a melhor e mais importante altura da tua vida? E as pessoas vão dando respostas diferentes, mas é um bocadinho para tentar alertar que o agora tem de ser a melhor altura das nossas vidas, independentemente de tudo o que de maravilhoso venha no futuro. Nós temos de estar presentes, temos de estar a jantar com os nossos amigos sem estar a mexer no telefone a preparar a reunião de segunda-feira ou a comparar-nos com a rapariga que está no hotel em Miami. Se tens o privilégio de ter saúde, de ter um trabalho, de estar num jantar com amigos, desliga-te e aproveita.

A vida é agora e amanhã podemos morrer todos, mas até lá temos que viver e nós vivemos demasiado preocupados e ansiosos em relação ao futuro, somos uma geração muito consumida por isso e eu tento ao máximo relembrar, com o poder da minha voz, que temos de tentar combater isso.

E pegando na segunda parte da descrição do podcast, o que é que te deixa mais ansiosa em relação ao futuro?
Se me tivesses feito esta pergunta há dois anos, antes de eu fazer terapia, eu dizia-te: a minha grande preocupação é eu não conseguir ter a grande carreira internacional ou atingir todos os projetos ou fazer um filme em Hollywood. Eu realmente vivia presa a isso, eu limitava imensamente as minhas escolhas e as minhas decisões em função disso. Hoje, eu realmente quero viver o presente. Quando eu mudei o chip e comecei a viver o presente, que foi há cerca de dois anos, todos os grandes projetos começaram a surgir. Surgiu o “Podia Ter Esperado por Agosto”, surgiu a parceria com o Novo Banco. Eu tenho 27 anos e dou a cara por um banco, não há maior exemplo de credibilidade e confiança de imagem do que isto. Fecho parcerias com qualquer marca de que eu realmente gosto e me identifico no Instagram, faço protagonistas em cinema e em televisão. Ou seja, parece que realmente só quando tu deixas de viver ansioso e com medo de não conseguir as coisas, é que deixas fluir a energia certa para as coisas certas te chegarem, porque quando estás muito ansioso, é porque ainda não estás pronto para recebê-las. E depois quando finalmente encontras paz naquilo que já tens e te tornas uma pessoa agradecida, porque nós também somos muito pouco agradecidos, nós estamos o tempo todo tão preocupados com a nossa próxima conquista, que quando de repente conquistamos… Isto é uma situação hipotética, agora vou dar um exemplo fútil, mas eu há dois meses queria muito comprar um secador e de repente no dia em que compro o secador eu já estou tão focada em inscrever-me no ginásio que para mim a conquista de comprar um secador ficou esquecida. Isto é um exemplo completamente absurdo, mas isto para dizer que nós vivemos constantemente atrás de novas e novas conquistas e esquecemos completamente do que já conquistámos até agora. Cada um na sua área, mas tem tudo imenso mérito.

E essa mentalidade, o estar mais no presente e não focar tanto no futuro, anula algumas das ambições que possas ter ou tu continuas a ambicionar chegar a um papel em específico, um projeto em específico?
Sim, completamente, temos que ser pessoas com objetivos. A ambição e os objetivos são o que nos move na vida e nos faz querer ser mais e melhor. Mas o segredo está mesmo em encontrar a paz e saber que o que é para ser teu, se tu trabalhares e lutares por isso, vai chegar. Eu digo aqui: eu quero e vou fazer um filme em Hollywood, eu quero e vou fazer uma grande série de uma destas grandes plataformas. Só que há dois anos eu vivia presa à ideia de conseguir isso até aos 30 anos, porque não sei quem lá fora já conseguiu. Não, se eu conseguir só o meu papel em Hollywood aos 60, aos 70 ou aos 80 anos, eu vou cumprir o meu sonho. Porque é que a nossa geração quer cumprir os sonhos logo com 20 anos? Antigamente, os nossos pais e avós quando tinham um sonho, era exatamente isso: eu tenho o sonho de um dia comprar aquela casa, eu tenho o sonho de um dia conseguir isto. E o sonho era uma coisa tão bonita pela qual tu lutavas e construías a tua vida inteira. E nós somos altamente ansiosos e impacientes, achamos que se não conseguirmos os sonhos até aos 30, que vamos ser uns inúteis e que não somos bem-sucedidos. Porquê? Porque vivemos diariamente a comparar-nos com as realidades que vemos nas redes sociais. Claro que há pessoas multimilionárias que estão muito melhor que nós profissionalmente ou amorosamente, ou o que seja, no mundo. Mas tu antigamente comparavas-te com as pessoas da tua rua, agora comparas-te com aquelas pessoas que decides seguir. E se por algum motivo alguém só decide seguir esse tipo de pessoas, vive diariamente a achar que a sua vida é miserável quando não. Há vidas que ainda não estão no patamar que queremos alcançar. Trabalho, paciência e resiliência e tudo se consegue.

Para terminarmos, que projetos teus poderemos ver em breve?
Estou agora a começar a gravar a nova novela da SIC, “Páginas da Vida”, que era uma história da Globo que a SIC comprou. Estamos a gravar, deve estrear para janeiro. Continuo com o meu podcast “Geração 90”. Felizmente, muitos castings estão a ser feitos. Muita coisa, como estava a dizer há bocado, através das plataformas que estão a chegar a Portugal. Tenho a certeza de que estou na fase certa de vida e estou com a energia certa para muitas coisas acontecerem. E se, quando a entrevista sair, já tiver coisas novas que agora não tinha ainda para contar, melhor sinal.

(Agradecimento: CineSociety – Carmo Rooftop)

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