Com apenas 24 anos, Júlia Palha já é um nome muitíssimo reconhecido por Portugal inteiro. A atriz e modelo, que mais recentemente protagonizou a nova campanha de swimwear da Calzedonia, é ainda um livro aberto no que toca ao falar sobre algumas das dificuldades que tem vindo a ultrapassar nos últimos anos.
À FORBES, Júlia fala um pouco sobre a necessidade que sente de implementar exercícios de autocompaixão no seu dia-a-dia. Como figura pública, num mundo digital muito polarizado, este sentimento vê-se ampliado. A atriz desafiou-me a lermos, em simultâneo, o mesmo livro, intitulado ‘Autocompaixão’ de Kristin Neff, de forma a explorámos juntas este tópico que Júlia julga ser pouco falado na atualidade.
Júlia, ambas lemos o livro que sugeriste. Mas, antes de mais, como é que surgiu esta tua ideia de falarmos sobre o tópico de compaixão?
Júlia Palha (JP): Acho que é um tema sob o qual me tenho debruçado muito nos últimos anos. Especialmente de há dois anos para cá. Sempre fui uma pessoa bastante empática, que se preocupa com o bem-estar dos outros, assim como o meu, claro. Mas tenho caminhado um bocado neste sentido de encontrar, de certa maneira, uma ‘voz’.
Uma voz enquanto figura pública?
JP: De certa forma. Acho que acabamos sempre por encontrar um caminho pelo qual nos identificamos mais e sentimos maior necessidade de nos expor, ponderar e falar sobre esse assunto. Sei que há vários temas que já são muito falados por outros e vejo-me mais inclinada a caminhar para este, que considero não ser tão abordado em público. Acho que muita gente fala de compaixão, mas pouco se fala em estratégias concretas para a pôr em prática. Vivemos com constante acesso a ‘vidas perfeitas’ pintadas no Instagram, por exemplo, e a isso agregam-se, ‘colam-se’ logo, inseguranças, incertezas e uma enorme falta de autoestima.
Acho que muita gente fala de compaixão, mas pouco se fala em estratégias concretas para a pôr em prática.
JP: Acho que há uma enorme necessidade, cada vez maior, de se falar sobre ferramentas que nos ajudam a ultrapassar algumas destas dificuldades. Principalmente para nós, as gerações mais novas. É importante aceitarmo-nos verdadeiramente como somos, sem pensar que estamos a cair no considerado ‘clichê’ que é o fazê-lo.
E nota-se que tens uma abertura enorme em falar sobre tópicos do foro mais pessoal e dar a tua opinião.
JP: Sim, acho que fomentar o diálogo sobre estes tópicos e sobre eles dar a minha opinião – que umas vezes vão ser mais úteis para certas pessoas e menos válidas para outras – no meu caso pessoal, faz parte do meu crescimento. Sou capaz de ter uma perspetiva diferente daqui a dois anos. Mas também sei que tenho 24 anos e que estou na idade de aprender e descobrir. É todo um processo de aprendizagem e acho que, desde que caminhe diariamente para me tornar na minha melhor versão, não me vou arrepender das opiniões que tenho e tive. Noto que cada vez mais penso assim e tento perceber e interrogar-me sobre este aspeto da minha vida.
É todo um processo de aprendizagem e acho que, desde que caminhe diariamente para me tornar na minha melhor versão, não me vou arrepender das opiniões que tenho e tive.
E que estratégias segues para ser a tua melhor versão de ti mesma?
JP: Acho que é importante não fugir dos nossos valores. Mas, acima de tudo, julgo essencial rodear-me de pessoas que me fazem pensar sobre estes temas e sobre esta ideia de me tornar na minha melhor versão. Também acredito no lema de ‘diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és’. Às vezes é importante fazer esse exercício de pensar se a presença de certas pessoas na nossa vida continua a fazer sentido para aquilo que somos ou que queremos alcançar. São pessoas que nos trazem melhores energias ou melhores pensamentos?
Acho que é importante não fugir dos nossos valores.
JP: É fácil aceitarmos ambientes tóxicos à nossa volta: podem ser familiares ou amigos de infância. Mas é necessário tentar perceber se estar rodeado dessas pessoas nos inibe, nos impede de crescer.
Mas é este o caminho, ou o objetivo, que desejas traçar para a tua plataforma? Sei que também tens outra conta de Instagram, que não a tua principal, onde escreves muito e partilhas muito pensamentos teus mais íntimos.
JP: Não necessariamente. É apenas um tópico que me interessa mais nesta fase da minha vida. E sim, tenho! Escrevo cerca de 85% do que lá publico, mas partilho muito poemas e frases de outras contas de sigo. Como atriz, muitas vezes represento personagens que chocam contra os meus ideais, por exemplo, mas este (o da compaixão) é um tópico que me dá mesmo prazer de falar sobre.
Mas porquê este livro em específico?
JP: Acredito que existem sete mantras na nossa vida. E acredito que são acompanhadas que perguntas que temos, com regularidade, de fazer a nós próprios. Como mencionado, tenho trabalhado nesta minha vertente nos últimos anos, diariamente. Acho que este livro, em específico, oferece aos leitores exercícios úteis que nos fazem refletir sobre determinados tópicos. Acabei de ler um capítulo que achei bastante interessante: sobre a necessidade do ser humano de se sentir ‘superior’ ou ‘acima da média’ em várias fases da vida. Fez-me pensar muito na forma em que a sociedade está organizada em torno do ego e no impacto que isso tem na vida de cada um de nós.
Fez-me pensar muito na forma em que a sociedade está organizada em torno do ego e no impacto que isso tem na vida de cada um de nós.
E a autora, de facto, oferece muitos exercícios que nos ajudam a ultrapassar, de certa forma, esses obstáculos…
JP: Exatamente. O objetivo final acaba por ser o de nos apercebermos que temos de nos aceitar como um todo, com as nossas características próprias, boas e más. Mas sempre de maneira a querer melhorar aspetos em nós que podem ser trabalhados – se e quando o sentimos como necessário. A nossa geração também é uma que vive ‘a correr’ e com muita ansiedade. Somos uma geração de pessoas inquietas, com altos níveis de ansiedade e depressão. Claro que este é um assunto debatido na atualidade, mas sinto que vivemos no quadro de uma ideologia que nos obriga a pensar que temos de fazer tudo de uma só vez, de ser os melhores de imediato, e de que, por isso, não podemos parar.
Ou seja, um sentimento de urgência que nos acaba por perseguir constantemente.
JP: Sim. Cada vez mais noto a importância de conseguir parar, respirar, e aproveitar o momento. Eu própria vivia com uma grande ansiedade há uns anos. Estava a fazer papéis muito importantes de protagonista na televisão e dava por mim a pensar que não estava a fazer o suficiente, só porque outras pessoas já tinham feito mais e melhor do que eu. Um constante estado de comparação. É muito pouco saudável e muitíssimo tóxico para a cabeça pensar nestes termos. E eu vivi isso na pele.
E foi aí que te viraste para estes assuntos ‘internos’, por assim dizer, de autoconhecimento?
JP: Sim, comecei a querer informar-me mais sobre isto. Percebi que o que estava a fazer era errado, de mal e, há cerca de dois anos, passei por fases de muita ansiedade. Lembro-me de pensar que tinha tudo para ser feliz: sou realizada profissionalmente, tenho amigos, tenho família… Não percebia bem o porquê de tanto stress. Um dos pilares do livro é focado em self-kindness. Sem querer parecer um clichê, é mesmo um tema que para mim é muito importante. É todo um processo que demora o seu tempo, mas é mesmo verdade que se não estivermos bem connosco próprios, nunca estaremos realmente bem com os outros.
Sem querer parecer um clichê, é mesmo um tema que para mim é muito importante.
Explorar sobre estes temas levou-te a pensar nas tuas relações mais próximas?
JP: Muitas vezes, sim. Até em dimensões mais pequenas. Acho que temos de ser gentis e de nos respeitarmos a nós próprios. Pode ser em coisas menos complicadas também, em situações quotidianas. Imagina que tens um jantar de anos de uma grande amiga tua, mas, ao fim do dia, sentes-te exausta porque tiveste um dia de trabalho péssimo e estás cheia de ansiedade. Talvez a última coisa de que precises é de estar com e ver pessoas. E isto acontece a muita gente, o que, claro, gera um medo enorme de estarmos a ser um ‘mau amigo’. Claro que temos de ser amigos presentes, mas acredito genuinamente que, quando não estamos emocionalmente aptos para enfrentar uma situação que nos seja difícil, não devemos forçar-nos a enfrentar coisas que, sabemos, só nos causam mais ansiedade. É quase paralelo à necessidade que temos muito de estar sempre presente online, nos telemóveis.
Ou seja, há que lutar contra a esta ideia que temos de estar emocionalmente disponíveis a toda a hora.
JP: Sim. E não quer isto dizer que não se goste ou não se respeite o outro. É mais o pensamento de que se um certo evento vai comprometer a tua paz no momento… e que pode ser que não estejamos emocionalmente disponíveis para participar nele. Acabamos por não dar o nosso melhor aos outros.
E sentes que agora tens mais ferramentas para lidar com esses episódios? Porque disseste que sentiste que houve quase que uma mudança ‘no chip’ em ti.
JP: Muitas mais. E também sei balançar melhor a minha vida pessoal e a profissional. Hoje em dia sou muito mais simpática comigo própria e tento exercer ainda mais a empatia que estabeleço. Desde que comecei a fazer os exercícios recomendados no livro que comecei a valorizar muito mais aquilo que tenho. Decidi que ia ser feliz. Constantemente, via atores à minha volta, mais velhos que eu, a desfrutar o que faziam. E eu, mais exigente, cansada e frustrada. Tanto que nem desfrutava do que estava a fazer. E isto apesar de verdadeiramente gostar imenso do meu trabalho!
Claro, há que encontrar o equilíbrio.
JP: Pois, faz parte do processo. Não ser nem ‘8 nem 80’. Aprender a fazer alterações na nossa vida sem esperar pela altura certa. Não é preciso ser segunda-feira para se começar uma nova dieta, por exemplo. Pode ser quarta. O importante é começar. São estas coisas que temos de nos relembrar a nós próprios. Todos sabemos destas mantras, mas há sempre que pensar nelas. É um trabalho diário. Muita aceitação, e eventualmente chegamos lá. Comigo resultou muito bem. ‘Hoje’ é sempre um dia bom para se começar a tentar ser a nossa melhor versão. Não é preciso ser-se perfeito ou fazer tudo bem. A palavra-chave é tentar.
‘Hoje’ é sempre um dia bom para se começar a tentar ser a nossa melhor versão.
Uma ‘call for action’…
JP: Sim! Também acho bom pensar-se ‘quando foi a última vez que me senti desafiada?’. Gosto de ir jantar a sítios diferentes, de beber café com pessoas novas, de falar de coisas diferentes, coisas que me desafiem. São pequenas coisas que verdadeiramente estimulam a minha cabeça. A vida é muito sobre isto, sobre a nossa capacidade de nos questionarmos.
Este tema de compaixão é também muito importante para figuras públicas. Não só como autocompaixão, mas também enquanto alvos públicos de outros, de alguns observadores. Enfrentas estes obstáculos numa dimensão muito maior do que uma pessoa ‘normal’ consegue.
JP: Claro. Acabo por ter uma profissão onde existe uma necessidade de ter aprovação dos outros. E isso pode afetar-nos imenso. Existe o ‘eu’, que eu vejo, e o ‘eu’ que os outros veem. Trabalho muito para estar ciente do meu valor e não me deixar consumir pela opinião pública. Gosto, contudo, de ser transparente e de demonstrar que também tenho inseguranças. Acho que é importante, especialmente para a geração mais nova.
Existe o ‘eu’, que eu vejo, e o ‘eu’ que os outros veem.
JP: Outra dimensão deste tema, que também julgo ser importante, é uma coisa que atores percebem bem: o não ter medo de ser ridículo. Dizemos muito nisto no meio, entre atores, mas é verdade. O ser humano tem imenso medo de ser ridículo. Não queremos ser julgados. No livro, a autora tem uma passagem interessante sobre este tema. Diz, li, que no primeiro ano da nossa vida, somos ensinados a andar e a falar, e nos anos a seguir, mandam-nos e sentar e estar calados. Há uma enorme liberdade em não se ter medo de ser ridículo.
Li que no primeiro ano da nossa vida, somos ensinados a andar e a falar, e nos anos a seguir, mandam-nos e sentar e estar calados.
JP: Como figura pública existe uma escala muito maior de críticas a que sou exposta, concordo contigo. Não só somos autocríticos como temos outros a fazerem-no por nós!
E como lidas com isso?
JP: Tento falar comigo mesma da mesma forma que falaria com uma querida amiga minha, por exemplo. Jamais seria capaz de deitar abaixo uma amiga minha e aprendi a fazer o mesmo comigo própria quando me apanho no meio de um pensamento mais negativo.
Agora que já vimos como o livro te ‘mudou’ a nível pessoal e profissional, sentes que alterou a tua interação com o público?
JP: É interessante, porque não sinto que tenha mudado a minha interação com o público. Talvez por se tratar mais de um trabalho interno que vem de trás. Aliás, quando estou na rua e vêm ter comigo, adoro falar com as pessoas. Gosto de receber e dar amor de volta. Quero saber o que fazem e mostro interesse genuíno nos que querem vir falar comigo. E a muito se deve o facto de me sentir bem comigo própria.
Que última mensagem queres passar aos nossos leitores?
JP: Que estamos todos em constante transformação. Todas a nossas fases da vida são ‘válidas’. Podemos não querer aceitá-las, ou não gostar delas, mas são marcos importantes na nossa vida. Podemos sempre ser melhores e há sempre espaço e tempo para mudar. Só o facto de trabalharmos nesse sentido, já é progresso. Não temos de conseguir ser os melhores do mundo, só a nossa melhor versão possível. Há que investir em nós próprios.