Corria o ano de 1850 quando o produtor José Maria da Fonseca lançou aquele que viria a ser o primeiro vinho de mesa engarrafado em Portugal: Periquita. A marca consolidou-se desde então e assume-se hoje, com 175 anos, como um dos mais importantes vinhos do portfólio do grupo detido pela família Soares Franco. O grupo celebrou recentemente este marco histórico do Periquita, homenageando uma marca que tem atravessado gerações. A Forbes Portugal conversou, à margem desta celebração, com António Maria Soares Franco, Co-Ceo da José Maria da Fonseca, e que representa a sétima geração da família à frente da produtora de mais de trinta marcas de vinho das principais regiões vitivinícolas nacionais. O gestor detalhou a estratégia de crescimento que está no terreno que alia tradição e inovação, assumiu a ambição de continuar a crescer além-fronteiras e dos aspetos positivos da coliderança da empresa que partilha com o primo Francisco Soares Franco.
A marca Periquita celebra 175 anos no mercado. O que significado este marco para o grupo José Maria da Fonseca?
Tem um enorme significado, não há nenhuma marca de vinho tinto em Portugal que tenha esta idade e, portanto, somos pioneiros no vinho em Portugal, foi a primeira marca de vinho também a ser engarrafada, portanto já nessa altura havia um sentido muito estético da parte do nosso fundador de vender o seu vinho de forma diferente, com mais prestígio, digamos assim e, portanto, cá estamos 175 anos depois, sempre na mesma família, que também é uma coisa rara já estamos na sétima geração da família. É um enorme orgulho que a família celebre este marco desta marca tão importante do vinho em Portugal.

Por falar em família e em história, hoje como é que é gerir uma empresa com quase dois séculos de existência?
Tem de se respeitar dois vetores muito importantes. Por um lado, respeitar toda a nossa história. Vender vinho também é contar histórias, é storytelling e nós temos muita história para contar nestes quase 200 anos da marca Periquita. Mas ao mesmo tempo não podemos ficar parados no tempo temos de ir inovando. Portanto estes dois vetores, a conjugação e o equilíbrio entre tradição, história, inovação e modernidade é um equilíbrio muito importante de se fazer e este marco celebra um bocadinho esta dicotomia.
E como é que se vê essa inovação, essa modernidade hoje na José Maria da Fonseca?
Por um lado, o estilo dos vinhos também tem de se ir adaptando ao longo dos tempos, de forma suave às alterações de perfil de consumo e das preferências dos novos consumidores. É importante ir adaptando o estilo de vinhos aos novos consumidores. Mas por outro lado também a inovação se manifesta em termos de produtos que lançamos e é curioso que a José Maria da Fonseca, tendo quase 200 anos de história, foi a primeira empresa em Portugal a arriscar e a lançar no mercado um vinho sem álcool e portanto acho que caracteriza bem o ADN da empresa e o ADN da família, por um lado, respeitar toda a sua história, mas por outro lado estar sempre a arriscar e a inovar e a inventar produtos novos e marcas novas. Acho que representa bem o espírito da empresa e o espírito da família.
Nesta fase, quais são os pilares estratégicos que norteiam a ação da José Maria da Fonseca?
Sim, diria que inovação sem dúvida nenhuma, internacionalização, cada vez mais uma empresa de vinhos tem de ser internacional. O mercado português é um mercado que nós temos muito carinho, nós vendemos cerca de 50% das nossas vendas para o mercado português, mas temos também um mundo lá fora para conquistar e, portanto, o vetor da internacionalização é um vetor muito importante. E por fim o vetor da sustentabilidade, nós vivemos da vinha, vivemos da terra e temos toda a responsabilidade de tratar bem aquilo que nos dá o nosso alimento do dia-a-dia. A sustentabilidade também é um pilar estratégico nós também nessa área fomos inovadores em muitas áreas, em termos da forma como trabalhamos a vinha da forma como trabalhamos dentro da adega, os nossos processos de produção, fomos sendo bastante inovadores e muito à frente do nosso tempo.
A sustentabilidade também já começa a dar frutos, porque já têm sido reconhecidos fora de portas?
Sim. Pertencemos a um grupo internacional que é uma norma de certificação de sustentabilidade que é o FAIR’N GREEN, é uma empresa alemã que certifica empresas de vinho em temas de sustentabilidade e nós fomos pioneiros, fomos a primeira empresa portuguesa a ser certificada pela FAIR’N GREEN. Ela trabalha com produtores de muitos países, não só a Alemanha, mas também Suíça, Luxemburgo, também França, Espanha, Portugal e o ano passado tivemos esse grande orgulho de ser reconhecidos dentro dos produtores de FAIR’N GREEN, que são quase 200 produtores de vinho, como a adega mais sustentável da Europa. É um prémio que eles têm que é o Carlo Awards e foi com muito orgulho que recebemos esse prémio dentro deste grupo tão seleto de empresas a nível internacional.
No capítulo da internacionalização, já são quantos mercados onde estão presentes?
Estamos presentes em cerca de 70 mercados de exportação, portanto diria que são os principais mercados de exportação em termos de consumo de vinho relevante, mas estamos sempre todos os anos à procura de novos mercados para, no fundo, colocar mais uma bandeirinha dos nossos vinhos e das nossas marcas.
Este ano ainda vão entrar em novos mercados ou será só em 2026?
Este ano entrámos em um ou outro novo, sempre em geografias do leste asiático, que já são das poucas geografias onde ainda nos falta conquistar mercados, mas todos os anos são dois, três novos mercados que adicionamos ao nosso portfólio.
É quase inevitável falar das tarifas, sobretudo, as criadas pela Administração Trump, em que o mercado do vinho tem sido um dos visados. Como é que uma empresa que tem apostado na componente externa está a lidar com este cenário? Já sentem algum decréscimo no mercado?
Não é fácil. O mercado nos Estados Unidos já vinha em queda mesmo antes das tarifas, isso era uma realidade. Agora as tarifas vão certamente pôr uma dificuldade acrescida. Nós, felizmente, este ano tivemos uma das nossas marcas reconhecidas no top 100 da Wine Spectator, que é uma das revistas mais importantes nos Estados Unidos, e conseguimos com este prémio também ter força suficiente para lutar contra as tarifas. Existia uma procura grande do mercado por este vinho, por esta marca que nós lançámos, que é uma marca chamada Anticiclone, que lançámos no mercado dos Estados Unidos este ano. Tivemos vendas bastante boas desta marca, mas certamente que as tarifas vão ser um desafio a longo prazo. O que nós achamos é que existe aqui uma outra oportunidade, por outro lado, que é no Mercosul, o acordo que a Europa está a finalizar com o Mercosul, e dentro do Mercosul temos o Brasil, que é um mercado super importante para os vinhos portugueses, e que talvez por aí consigamos que a oportunidade que se abra através do Mercosul, que compense, e mais do que compense, as dificuldades que podemos sentir com as tarifas nos Estados Unidos.
Em termos de capacidade de produção, neste momento, serve para as ambições de crescimento, há possibilidade de reforçar?
Neste momento fazemos cerca de 12 milhões de garrafas, e temos ainda capacidade de expansão desta produção, temos capacidade para crescer. Claro que todos os anos temos de fazer sempre investimentos nos nossos equipamentos, não só produtivos nas linhas de engarrafamento, mas também na nossa adega de vinificação, e também nas vinhas, porque também preciso um investimento contínuo, replantar as vinhas, também face aos desafios das alterações climáticas Portanto temos feito bastantes investimentos em várias áreas da empresa, mas em termos de capacidade de produção ainda temos espaço para crescer.
No que se refere à componente familiar, como é que é exercer a função de CEO em coliderança? E até que ponto se concilia a componente familiar com a gestão profissionalizada?
Em termos da coliderança, acho que pode ter coisas muito positivas numa empresa sempre e quando as pessoas tenham respeito uma pela outra, e respeito por aquilo que a outra pode aportar de positivo ao negócio. Nós, felizmente, somos primos, crescemos juntos, conhecemos este pequeninos, e essa noção de respeito é uma noção que nos está naturalmente inerente à nossa relação. E depois felizmente também temos mais um profissional não familiar, que está connosco também na Comissão Executiva, e que também dá esse apport profissional, esse ângulo sempre mais racional às decisões, não tanto emocional de família, mas mais racional, e portanto há este equilíbrio entre família e profissionais, e é importante que a empresa também perceba que uma pessoa que não faz parte da família, pode, sendo boa e apresentando resultados, pode ir subindo dentro da empresa e chegar até às posições mais elevadas.
Como é que antecipa a José Maria da Fonseca nos próximos anos?
Vamos continuar a inovar, vamos continuar a ser uma empresa que lança produtos diferentes, produtos que muitas vezes são pedradas no charco. Vamos continuar a aumentar a nossa presença internacional, nas diversas geografias onde operamos, e cada vez mais também com uma atenção cada vez maior ao tema da sustentabilidade, sem dúvida.
Como é que vê o atual momento do setor vitivinícola em Portugal? O que é que vos falta para continuarem a crescer?
Bom, eu diria que nós estamos no negócio há quase dois séculos, e, em dois séculos, já vimos muita coisa, e os negócios muitas vezes andam por ciclos. Neste momento, estamos num ciclo menos positivo, o consumo de bebidas alcoólicas tem registado alguma contração nos últimos anos, mas isto também já aconteceu em várias fases da nossa história. Vemos o futuro com muita esperança, de uma forma muito positiva, achamos que existe muito espaço para os vinhos portugueses crescerem lá fora, na maior parte dos mercados, com algumas honrosas exceções, como é o caso do Brasil e Angola, onde Portugal tem uma quota de mercado já bastante relevante, na maior parte dos outros mercados, Portugal não passa dos 2% de quota de mercado. E, portanto, existe aqui uma enorme possibilidade de crescimento e de conquista de quota de mercado aos outros 98% do mercado, e os vinhos portugueses são vinhos diferentes, com um perfil diferente. Nós usamos, sobretudo, castas portuguesas, castas que existem muito pouco lá fora, e portanto, são vinhos que são difíceis de copiar pelos outros produtores de vinho a nível mundial. Podemos fazer aqui um caminho de valorização, é importante nós também termos esse objetivo em mente de os vinhos portugueses também irem sendo vendidos a preços cada vez mais altos lá fora, porque ainda estamos longe de países como França e como Itália, que conseguem valorizar os seus vinhos a preços superiores ao que os vinhos portugueses são valorizados.
Mas como é que se pode fazer essa valorização?
É uma imagem de país, não é só um setor sozinho a trabalhar, são vários setores, e o vinho é um deles. Mas o turismo é outro setor, o azeite é outro setor, a própria moda, e portanto, há aqui vários setores que têm que trabalhar em conjunto para melhorar e ir construindo uma imagem muito positiva de Portugal lá fora, de forma a que um consumidor, quando olha para um vinho português, quando olha para um azeite português, quando olha para um calçado português, quando olha para um hotel português, tenha uma perceção de qualidade elevada e esteja disposto a pagar o preço justo por aquilo que está a comprar.





