Eu gostava que as pessoas soubessem que não me assusta a dificuldade de conseguir alguma coisa, a nível profissional principalmente. Que não é fácil eu baixar os braços e não é fácil deixar-me consumir por alguns medos, inseguranças ou quando as coisas parecem difíceis.”
Soubessem todos disto, e o último ano de José Condessa não teria surpreendido ninguém. Entre outros projetos, integrou o elenco de Estranha Forma de Vida, um filme de Pedro Almodóvar, e deu vida a Eduardo em Rabo de Peixe, a segunda produção portuguesa para a plataforma de streaming Netflix.
Por coincidência, se é que há coincidências, estes dois trabalhos estrearam no mesmo dia a nível mundial. José chama-lhe “poesia artística”.
“Rabo de Peixe é um objeto artístico de que me orgulho imenso, da luta que tivemos para conseguir que aquilo fosse como foi. E tivemos muitas dúvidas porque estávamos a traçar um caminho que nunca tinha sido traçado até então por nenhum projeto português: A ambição de ser um sucesso mundial. E estreia também o Almodóvar, que é uma coisa de cinema mais de autor, clássico. Para mim é provar que tenho a capacidade de estar em duas vertentes totalmente diferentes, mas que como ator me desafiam”, diz José Condessa à Forbes.

Mas a verdade é que, para os resultados chegarem em 2023, o trabalho teve de ser feito antes disso. A curto e a longo prazo. Para estes projetos mais recentes, o ano anterior foi aquele em que tudo aconteceu para José, mas se olharmos para aquela que é a base de todo o trabalho que faz hoje em dia, é necessário ir ainda mais atrás. Ao início da sua história de amor.
Tinha 5 anos quando começou no teatro amador, ao lado do pai. “Na altura o teatro, a representação, era muito associado ao carinho e ao amor, a partilha com o meu pai, a nossa rotina diária”, recorda. O mesmo amor que via nas restantes pessoas que, depois de um dia de trabalho, mais ou menos cansadas, se juntavam no teatro e eram felizes juntas. Seguiu-se a escola de teatro, e foi aí que a intuição o levou à profissão.
“Eu nunca disse ‘quero fazer isto para o resto da vida’. Aconteceu-me ao contrário, em vez de ser ‘é isto que eu quero, vou atrás’, isto sempre esteve na minha vida, eu só não quero que deixe de existir. Acho que isso é o que ainda me alimenta até agora, esse lugar de amor ainda existe. É o mesmo amor com que subi ao palco para fazer o Hamlet e é o mesmo amor com que trabalho para milhões de pessoas que estão a ver Rabo de Peixe”, diz.
Mais silencioso que os recentes, outro dos grandes passos da sua carreira foi o momento em que começou a trabalhar com Carlos Avilez, um dos fundadores da Escola Profissional de Teatro de Cascais. Seguiram-se as novelas, surge o cinema e aparece o primeiro trabalho internacional: Salve-se Quem Puder, no Brasil.
É este salto para o internacional que coloca José Condessa nas bocas do mundo. Um caminho que não foi planeado, mas que fazia parte dos objetivos do ator.
“Os sonhos existem, e sonhar é bom, porque mesmo que apontemos alto demais do que um dia vamos conseguir chegar, por esse sonho ter sido colocado lá no alto fomos mais longe do que aquilo que iriamos se não o fizéssemos. Sempre tive esse sonho de poder trabalhar com as pessoas que admiro. E como admiro também muita gente fora do nosso país, apesar de admirar muita gente cá, existe esse sonho de poder trabalhar com eles”, afirma.
Com um pé lá fora
Para um ator que acredita que os projetos surgem exatamente no momento em que têm de surgir, a sua passagem pelo Brasil aconteceu exatamente da maneira que tinha de acontecer. “Podia dizer-te ‘adorava ficar a trabalhar no Brasil cinco anos’ e não aconteceu. Isso permitiu-me conseguir atingir outras coisas aqui, que, se calhar, se lá tivesse ficado, não teriam acontecido. Teria sido um caminho diferente, não sabemos se melhor ou pior”, diz. O resto? Como se costuma dizer, o resto é história. Ou histórias: Hamlet, O Crime do Padre Amaro, Salgueiro Maia – O Implicado, Lúcia – A Guardiã do Segredo. Além dos projetos já mencionados anteriormente.

Chegar a um mercado internacional não é tarefa fácil. Para José, por mais que tente, não há uma forma de explicar o processo. “Acho que há uma componente que nós não temos poder que é a questão da sorte. Há uma coisa engraçada que é uma frase do Torga: ‘O destino destina, mas o resto é comigo.’ O destino pode destinar-nos a oportunidade da nossa vida ou pode destinar-nos que não a vamos ter naquele momento, mas se nós não tivermos feito o trabalho de casa, se nós não estivermos preparados para a receber, pode ser a primeira e a última. Ou então pode ser a vez em que tu a agarras. Muitas vezes a única coisa que consigo dizer é estarmos preparados da melhor forma possível, seja lá isso o que for”, diz.
A sua experiência é ela própria indicativa da dificuldade de definir um processo. José já passou por projetos em que alguém o convidou para chegar a um casting, depois de ter visto o seu trabalho. Mas no caso do filme do Almodóvar, por exemplo, tratou-se de um casting mundial, com diversos atores de diversas nacionalidades. “Não há um caminho que tu consigas dizer porque muitas vezes chegam até ti, tu não vais atrás de nada. A única coisa que podemos trabalhar é o estar preparados para quando isso acontecer”, garante o ator.
E José preparou-se sempre nas três vertentes: teatro, cinema e televisão. Por mais que tivesse ouvido de várias pessoas que o melhor seria focar apenas numa delas e fazê-la bem. No final, foram as várias oportunidades que conseguiu por manter o leque de trabalhos aberto que o colocaram num lugar de visibilidade em Portugal. Mais uma das coisas que ajudam quando lá fora decidem olhar cá para dentro.
“A capacidade de nos conseguirmos mudar é o que me fascina, daí eu tentar sempre ser o melhor nas três vertentes. As oportunidades que tive deixaram-me com uma visibilidade no meu país que faz com que os outros países, quando querem um ator estrangeiro, perguntem ‘quem trabalha em Portugal?’. E tens ali 10 ou 12 atores em que algumas vezes tenho a oportunidade de estar no meio, e poder ser uma hipótese”, afirma.
Uma realidade que em nada pode ser comparada ao que acontece num mercado muito maior. “Estou a lembrar-me de um colega que fez a escola de teatro comigo, foi para Londres, e lá é um no meio de milhares. Às vezes não é por falta de talento que nós não temos oportunidade, é por falta de visibilidade”, defende.
Uma coisa é certa, já nada é como era antes. Muito graças ao desaparecimento das fronteiras. “Antigamente tinhas de abdicar de tudo para ires estudar o inglês perfeito e conseguires competir com pessoas que são nativas. E isso é sempre muitos furos abaixo da oportunidade”, conta.
Representação em português
Olhar para o mercado português depois de se olhar para alguns dos mercados estrangeiros não é a coisa mais justa, principalmente quando olhamos para a capacidade financeira. “Tudo é uma questão de dinheiro, e o dinheiro é uma questão de tempo que nos permite ser melhores”, afirma o ator, realçando o exemplo de Rabo de Peixe, que com uma equipa portuguesa conseguiu ser um sucesso em vários países e ser renovada para uma segunda temporada.
Mas nem tudo está nas mãos dos outros, e também é importante que se assuma a responsabilidade do lado de cá. É uma questão financeira, sim, mas não fica por aqui. Primeiro a própria mentalidade dos portugueses: “Não é justo dizermos que é mais fácil lá fora do que aqui, acho que também estamos a colaborar com uma ideia de que não há nada a fazer. E acho que há coisas a fazer. Se queremos atingir outros palcos, acho que também temos de exigir ferramentas suficientes para conseguir chegar lá”, diz José.

O brio, a procura por desafios, os apoios e a união da classe são outros dos pontos que aponta como uma necessidade para quem trabalha na indústria em Portugal. Sendo que é o último ponto aquele que considera o mais urgente, para que, desta forma, se consiga criar uma linguagem comum e se lute por melhores condições no meio artístico. “Nós às vezes somos muito brandos, temos de exigir mais. Rabo de Peixe é a prova de que é possível ser melhor abrindo essas portas”, afirmou.
O público também tem um papel no meio de tudo isto, pela forma como parece precisar de uma validação externa para dar valor ao talento que sempre teve dentro do seu próprio país.
“Tu às vezes precisas de ser reconhecido por outros lá fora para te darem valor cá. Isso acontece muito mais a nível artístico, mas em qualquer área. E até podes ir fazer uma coisa que se calhar nem é melhor do que o que é feito cá, mas por ser lá fora ganhas esse valor. Eu senti isso, senti que desde que trabalhei no Brasil cresceu um bocadinho essa visibilidade”, confessa.
O Ator
Acho que o foco está no sítio certo”, afirma, e é esta uma das frases que melhor descrevem a carreira de José Condessa. E muito se deve ao teatro. Começar nesta vertente da representação mostrou ao ator que esta área “não é um mar de rosas”, ao mesmo tempo que realçou o lado do trabalho e não o da fama.
“Quando estava na escola de teatro, tinha a ideia de que ia fazer teatro itinerante no país para o resto da minha vida, e estava tudo bem. O reconhecimento que seja pelo trabalho. Acho que há uma coisa muito interessante, e acho que é importantíssimo para perceber se realmente gostas do que fazes como ator ou não, que é: tu és reconhecido porque trabalhas, ou trabalhas porque és reconhecido? Eu não me importava de só trabalhar e não ter o reconhecimento, porque o trabalho por si só já tem de te dar alguma coisa. Tudo o resto é um acréscimo que não te pode definir”, afirma José.
Além disso, a curiosidade. Se o facto de saltar de personagem em personagem entre palcos e ecrãs não for suficientemente indicativo disso mesmo, José destaca: “Acho que a curiosidade é uma das coisas que me definem muito como ator. O querer saber mais, o querer explorar, o querer errar também, para depois não errar. Sair de uma zona de conforto que às vezes nos deixa moles e pouco acordados artisticamente.”
E, por fim, a responsabilidade. Algo que é geral para qualquer ser humano, mas que, falando de figuras públicas, só cresceu com o aparecimento das redes sociais. Quando falamos em responsabilidade com José, falamos daquela que ele tem em relação ao que acredita como pessoa, e da que abraça tendo em conta as personagens a que dá vida.

“Não me coíbo de artisticamente dar a minha opinião ou politicamente dizer as coisas quando acho que devem ser ditas. Acho que a plataforma é um momento em que todos temos voz, e infelizmente há muita gente que usa aquele momento para ter uma voz que não é tão positiva”, diz. “Há várias formas de pensares nisso, há pessoas que podem dizer ‘eu sou ator e não me interessa o resto’ e tens uma postura perante a vida de ‘não tenho culpa de ser esta a minha profissão, não tenho de me preocupar com nada e faço o que quero’. Eu não acredito nisso. Eu acho que o artista é sempre um agente de mudança”, diz.
José já deu vida a personagens racistas, violentas e misóginas. Mesmo que não se identifique com nada disto, está ciente de que a definição de ator é uma pessoa não ser ela própria. E é assim que tem paixão pela profissão. Mas sabe que, quando dá vida a essas personagens, o seu trabalho não termina em cena.
“O objeto artístico pode falar sobre isso, deve falar sobre isso, tem de pôr o dedo na ferida. Porque, se não acontecer, simplesmente estás a fingir que não existe, e isso é das coisas mais preocupantes que podem existir, é fingirmo-nos todos de parvos. Temos a oportunidade de darmos a nossa voz por coisas em que acreditamos. Mas isso acho que, se não fosse ator, teria na mesma, é sentir que como ser humano sou completo, porque senão, andei cá a fazer o quê? Eu acho que se o objetivo não for nós sermos melhores todos os dias, qual é o objetivo da tua vida? É só servir?”, conclui.
(Artigo publicado na edição de dezembro/janeiro da Forbes Portugal)