Nostalgia pode até não ser um sentimento positivo por definição, mas quando a memória nos leva às brincadeiras de infância e aos jogos da Majora, o substantivo torna-se num sinónimo de alegria. Serão poucos os adultos que ao longo da infância e da adolescência não se tenham divertido com o “Sabichão”, o “Ludo”, o “Jogo da Glória”, entre outros, ou com os livros e outras diversões proporcionadas pela emblemática marca nacional de brinquedos. José Luís Pinto Basto sabe-o. “A Majora faz parte da nossa infância de uma forma muito positiva, pelo que houve uma parte emotiva no nosso envolvimento”, explica o presidente executivo do The Edge Group, a empresa por trás do relançamento da marca.
A ideia começou a ganhar forma em 2014 quando os herdeiros dos fundadores da marca decidiram dissolver a empresa, “entregando” os activos contra os passivos que tinham. As marcas ficaram na posse do banco Montepio, que lançou o desafio ao grupo, e José aceitou. Além do valor que viu na marca, tinha a pessoa certa para liderar o projecto. “Durante um almoço, o José disse-me que tinha o projecto ideal para mim. Como estava numa fase da minha vida profissional em que precisava de um desafio novo, aceitei entrar no “jogo’”, explica Catarina Jervell, que na altura dirigia as operações da PT Empresas. Praticamente um ano depois da chegada da gestora, os jogos da Majora estão a chegar ao mercado.
Marca histórica
Fundada em 1939 por Mário José António de Oliveira, a Majora foi pioneira em Portugal na produção de brinquedos. O “Pontapé ao Goal”, foi o primeiro jogo original da chancela que deixou marca na infância e na juventude de muitos portugueses com o “Jogo da Glória”, “Ludo”, “Sabichão”, “Mikado” e com o “Monopólio”, que produziu sob licença da Hasbro até à década de 1990. Mas no final do século XX, a concorrência e a inovação das multinacionais, a concentração da produção na China e, já recentemente, com o advento dos jogos electrónicos, a marca foi perdendo fôlego, o que levou a terceira geração da família do fundador a dissolver a empresa. A fábrica, no Porto, encerrou as portas em 2013.
“Pretendemos pôr as crianças a brincar umas com as outras, estimular as relações humanas e a inteligência emocional”, refere Catarina Jervell, presidente executiva da Majora.
Reinvenção da marca
Sem qualquer experiência dentro do grupo que a pudesse ajudar, Catarina procurou nas parcerias a melhor e mais rápida forma de relançar a marca. “Apesar de ter 77 anos de existência, a Majora é uma start-up”, explica a presidente executiva da companhia, sublinhando que foi necessário começar do zero. No espaço de um ano, a gestora teve de encontrar fornecedores, criativos, elaborar um portefólio de brinquedos (parte deles de raiz) e criar toda a estrutura de produção e distribuição. “Não foi fácil”, diz. Mas o trabalho está à vista. A começar pelo novo logótipo trabalhado com a agência de publicidade BBDO. Apesar de à primeira vista parecer igual ao anterior, deixou de ter no interior uma criança a jogar à bola para passar a ter pares de figuras de tangram – um quebra-cabeças chinês –, que revela o posicionamento e a diferenciação que a marca quer dar aos seus produtos. “Pretendemos pôr as crianças a brincar umas com as outras, estimular as relações humanas e a inteligência emocional”, explica.
Além dos 600 mil euros investidos na aquisição dos jogos da Majora, o The Edge Group estipulou investir 1 milhão de euros para colocar a empresa de pé e a andar, um valor justificado pelo modelo de negócio e pela estrutura leve da empresa. Embora planeie fazer mais algumas contratações no decorrer do próximo ano, a Majora tem actualmente apenas três trabalhadores e, na produção, o enfoque é fazer um bom atelier de jogos e produzir fora. “É um pouco como a estratégia da Apple, ‘design in California, made in Taiwan’ [desenhar na Califórnia e produzir em Taiwan]”, explica José, sublinhando que pretendem manter a estrutura da empresa “enxuta”.
“Mais investimento, só se tivermos uma surpresa agradável que o justifique”, explica o responsável do grupo, referindo-se à necessidade de aumentar a produção programada, devido a vendas superiores às previstas no plano de negócio. De acordo com o planeado, a Majora deverá atingir o equilíbrio operacional no final de 2017 e continuar uma estratégia de crescimento sustentável. “Corremos maratonas e não sprints e se tivermos que escolher entre depressa ou bem, preferimos o bem”, diz, espelhando a filosofia do grupo que lidera.
Na fase inicial, o portefólio da marca vai contar com 11 clássicos, mas com um novo design, packaging, conteúdos e muita inovação. O clássico “Sabichão”, por exemplo, além de ter novas questões, vem com uma turma de amigos, cada um associado a uma história e uma temática. “A ideia foi dinamizar o jogo com outras personagens e um design mais interessante para as crianças, que agora são mais exigentes”, explica Catarina, salientando que o jogo “As Sílabas” será a três dimensões, “o que vai estimular ainda mais as crianças”.
Além dos clássicos, a Majora chegará ao mercado com 22 novas referências fruto de licenciamentos e parcerias com players estrangeiros. Há ingleses, franceses, norte-americanos e um polaco, e nem todos associados a marcas. Alguns brinquedos são criação de freelancers, uma estratégia que a marca seguiu ao longo da sua história, e muitos desenvolvidos em parceria com instituições. Por exemplo, o “Missão a Marte 2049”, um jogo de estratégia, que será lançado em Novembro, terá a chancela da National Geographic.
Inovar mantendo o conceito
Num sector em plena transformação, com elevada concorrência e onde a tecnologia tem um papel cada vez mais relevante, José e Catarina conhecem bem as dificuldades que os espera. “Reconhecemos o desafio. Estas gerações são muito mais digitalizadas do que eram as crianças do passado, mas acreditamos que temos os pais do nosso lado”, explica José, sublinhando que a estratégia comercial passa por cativar os pais apelando ao saudosismo da marca e ao valor que os progenitores reconhecem nos produtos Majora.
Catarina, mãe de três crianças, tem essa experiência. “Apesar destas novas tendências, quando eu os chamo para jogar Damas ou outro qualquer jogo de tabuleiro, elas aderem e gostam. Gostam elas e gostamos nós”, explica, acrescentando que os jogos de tabuleiro são uma experiência familiar ou colectiva que se traduz em tempo de qualidade, algo que os jogos electrónicos, muito individuais, não conseguem promover. De acordo com a Toy Industry Association, a principal tendência do sector incide sobre os brinquedos tecnológicos, tais como os drones, os robots e as apps de interacção com brinquedos físicos, mas também há uma crescente importância da questão social e familiar.
Segundo um relatório da North Americam Intenational Toy Fair, realizada em Fevereiro, “a geração de pais millennials sentem uma crescente nostalgia pelos brinquedos da sua infância, como os jogos de tabuleiro, puzzles e outros brinquedos tradicionais, e querem partilhar essa experiência com os filhos”. Neste sentido, a associação prevê uma procura crescente por brinquedos que promovam a socialização e uma interacção olhos nos olhos, que cria laços familiares e sociais, conceito que está na génese da Majora. “O objectivo é educar através do entretenimento. Até pode ser só brincadeira, mas com uma parte didáctica, nem que seja aprender a perder, a ser paciente, enfim, a desenvolver skills sociais”, explica Catarina. No entanto, tal não significa excluir as novas tecnologias.
O digital também tem lugar na estratégia da empresa, mas não através do desenvolvimento de apps, caminho que a antiga Majora chegou a iniciar, com o “Sabichão”, através de uma parceria com a Zau Digital Solutions. “É um mercado muito difícil. Desenvolver uma app em Portugal para depois ter 10 mil downloads, não compensa”, justifica a gestora. “Estamos a trabalhar numa solução que passa pela construção de um portal integrado, com vários conteúdos, mas que evite o isolamento das crianças e permita interactividade”, revela. As novas tecnologias serão usadas inicialmente para complementar a distribuição, através da criação de uma loja on-line, e como ponto de partida para a internacionalização, pois, como explica a gestora, “é o caminho mais fácil para vender fora do país”. Neste campo, a Majora vai concentrar-se inicialmente no mercado espanhol, onde pretende entrar já este ano. Entretanto, por cá, miúdos e graúdos poderão desfrutar dos “novos” brinquedos Majora já a partir do mês de Outubro.
“A Majora faz parte da nossa infância de uma forma muito positiva, pelo que houve uma parte emotiva no nosso envolvimento”, diz José Luís Pinto Basto, presidente do The Edge Group, que detém a marca.
O novo dono da Majora
Fundado por José Luís Pinto Basto em 2002, o The Edge Group começou como uma holding que albergava negócios no sector imobiliário, uma das primeiras empresas do fundador, a Informáticos de Portugal, e a ideia de ser uma incubadora de empresas. O empreendedorismo sempre foi uma das suas paixões. Começou a criar empresas de informática aos 15 anos. Uma delas foi adquirida pela Technoland, uma companhia detida maioritariamente pela Telefónica, que desenvolvia sítios na internet. A Technoland chegou a ter data marcada para uma oferta pública de venda no Nasdaq, o principal índice norte-americano de empresas tecnológicas, mas o rebentar da “bolha tecnológica” no ano 2000 estragou os planos.
Com 21 anos, em pleno curso de Informática de Gestão no Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA), decide seguir uma outra paixão, a aviação, e tira o curso de piloto aviador. Hoje, divide-se entre o comando de aviões na TAP e a presidência executiva do The Edge Group, que a partir de 2006 passou a contar com a sociedade de Miguel Pais do Amaral. Entrentanto, o grupo ramificou-se e hoje divide-se entre o sector imobiliário, o capital de risco e a promoção de artistas emergentes. A marca Labrador, as cadeias de ginásios Fitness Hut e dos supermercados biológicos Brio, a start-up Chic-by-Choice, e o fundo de capital de risco Faber Ventures – do qual são os maiores accionistas –, são alguns dos principais activos do grupo ao qual se junta agora a Majora e que, no total, soma um valor superior a 14 milhões de euros.