Filme português de animação nomeado para os Óscares. Nunca tinha acontecido
A sempre aguardada noite dos Óscares acontece este ano a 12 de março, em Los Angeles, e na lista dos nomeados que vão estar na corrida pelas estatuetas mais cobiçadas do mundo do cinema está, pela primeira vez, um filme português.
Trata-se de “Ice Merchants”, do realizador João Gonzalez, que está no grupo dos candidatos ao Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação.
Do que fala “Ice Merchants”?
O enredo de “Ice Merchants” é sobre um homem e o seu filho que saltam de pára-quedas todos os dias, da sua casa fria e vertiginosa presa no alto de um precipício, para se deslocarem à aldeia que se situa na planície abaixo, onde vendem o gelo que produzem durante a noite.
“Ice Merchants” tem, aliás, um percurso de sucesso, tendo sido o primeiro filme de animação português a ser premiado em Cannes. Isso aconteceu em 2022, com esta “curta” de 14 minutos a vencer o prémio do Júri para melhor curta metragem na Semana da Crítica do Festival de Cannes.
ICE MERCHANTS (Trailer) from COLA Animation on Vimeo.
A Agência da Curta Metragem destaca que este filme foi ainda um dos 5 nomeados para os Prémios do Cinema Europeu; somou 9 prémios em festivais qualificantes para o Óscar da Academia Americana; conquistou 45 outros prémios e menções especiais em festivais de cinema; e ultrapassa as 100 seleções oficiais em festivais de todo o mundo, em menos de um ano de circuito.
“Ice Merchants” é um dos 5 nomeados para o Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação da 95.ª edição dos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
João Gonzalez assina a realização e a banda sonora do filme e divide a animação, em 2D, com a polaca Ala Nunu.
“Algo que sempre me fascinou no cinema de animação é a liberdade que nos oferece para criar algo a partir do zero. Cenários e realidades surrealistas e bizarras que podem ser utilizados como uma ferramenta metafórica”, refere o realizador, nas notas de produção de lançamento do filme.
Nas palavras de João Gonzalez, “‘Ice Merchants’ cobre uma história humana, sobre ligação familiar, rituais simples e rotinas diárias, estudando-os metaforicamente como base das relações humanas a longo prazo”.
“Ice Merchants é um drama familiar ambientado numa realidade impossível, trazido à vida com a colaboração da equipa de artistas mais talentosa e trabalhadora que eu poderia ter desejado”, diz João Gonzalez.
Segundo o realizador, “esteticamente, tendo a incorporar nos meus filmes o meu interesse por sombras fortes, ângulos de câmara extremos e paletas de cores limitadas. Há também um tratamento contínuo da banda sonora do filme, que começo a trabalhar desde o início da produção”.
“Ice Merchants” é a terceira curta de João Gonzalez, mas a sua primeira como profissional, com financiamento (de França e do Reino Unido e também o apoio do Instituto do Cinema e Audiovisual). As outras duas – “Nestor” e “The Voyager” – foram realizadas no contexto escolar.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, “a inédita nomeação de um filme português (a curta-metragem de animação ‘Ice Merchants’, de João Gonzalez) para os Óscares, tal como a anunciada presença de duas obras de João Canijo (‘Mal Viver’ e ‘Viver Mal’) no Festival de Berlim, são novos motivos de regozijo e de confiança”.
Quem é João Gonzalez?
Nascido no Porto, em 11 de fevereiro de 1996, João Gonzalez é um realizador, animador, ilustrador e músico português com formação clássica em piano.
Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, fez mestrado na Royal College Art (Reino Unico), depois de terminar a licenciatura na ESMAD do Politécnico do Porto, tendo realizado os filmes “Nestor”, de 2019 (curta de 6 minutos sobre Nestor, um homem com vários comportamentos obsessivo-compulsivos, que vive num barco-casa instável que nunca para de oscilar) e “The Voyager”, de 2017 (uma curta de 8 minutos sobre uma estrela cadente que cai sobre a ilha ártica de Svalbard e o Global Seed Vault recebe um visitante inesperado).
Em 2022 tornou-se o primeiro realizador português de animação a ser premiado no Festival de Cannes, vencendo o prémio do Júri para melhor curta metragem na Semana da Crítica.
João tem um grande interesse em combinar o seu background musical com a sua prática em animação autoral, assumindo sempre o papel de compositor e por vezes de instrumentista nos filmes que realiza, ocasionalmente acompanhando-os com performances ao vivo.
Em junho do ano passado, em declarações ao Porto., o realizador explicava onde ia buscar a sua inspiração: “Os meus filmes partem sempre de imagens que me vêm à cabeça. Antes de adormecer, durante o dia, em sonhos, suscitadas por uma certa música, que, depois, desenvolvo durante os meses seguintes, através dos desenhos e da escrita. Modelo todo o espaço do filme em 3D. Isso permite-me, após dois meses de trabalho, criar um espaço que, na minha cabeça, já é quase físico. Dá-me ideias para a narrativa do filme. Ou seja, nunca sei, no começo, o que o filme vai ser. Costumo ouvir dizer: ‘tens de viajar para ganhar inspiração’. Faço isso de forma virtual. Normalmente, os tópicos acabam, depois, por ir ao encontro de coisas que me são pessoais. Por exemplo, as duas primeiras “curtas” são sobre distúrbios psicológicos. Esta já é mais emocional, não tão pessoal, mas vai sempre ao encontro dos temas da solidão, surrealismo, assuntos que me interessam”.