Jenna Segal: “Nunca tivemos uma mulher presidente nos EUA. Gostava de acreditar que isso acontecerá ainda durante a minha vida”

Jenna Segal é uma produtora e investidora norte-americana, vencedora, entre outras distinções, de um Tony Award. A empresária é fundadora da Gatherer Enterprises, que se dedica a realizar investimentos em entretenimento, desporto e outros projectos desde que liderados por mulheres. É ainda fundadora do Angel City Football Club e do Yola Mezcal. Colecionadora de arte,…
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Jenna Segal é uma empresária norte-americana que investe em “histórias das mulheres”. Vencedora de um Tony Award, fundou a Gatherer Enterprises para investir em projetos liderados por mulheres. Organizou a The 31 Women Collection exposição patente no CCB, para homenagear o legado de Peggy Guggenheim.
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Jenna Segal é uma produtora e investidora norte-americana, vencedora, entre outras distinções, de um Tony Award. A empresária é fundadora da Gatherer Enterprises, que se dedica a realizar investimentos em entretenimento, desporto e outros projectos desde que liderados por mulheres. É ainda fundadora do Angel City Football Club e do Yola Mezcal. Colecionadora de arte, organizou recentemente a The 31 Women Collection, baseada na primeira exposição de arte feminina documentada nos Estados Unidos, em 1943, de Peggy Guggenheim, que esteve em exibição em Lisboa, no MAC/CCB, até ao passado dia 7 de setembro. Desde a sua abertura, em fevereiro, a exposição recebeu um total de 81.175 visitantes. Conheça a seguir um pouco da mulher e da empresária que ainda gostaria de vir a conhecer uma mulher presidente nos Estados Unidos.

 

A Jenna tem dedicado a sua vida, de alguma forma, a apoiar a causa feminina. Como descobriu esta veia mais ativista? Que momento ou lições da sua infância e juventude a conduziram a este momento? 

Diria que comecei mais como ativista e, com o tempo, tornei-me uma investidora nas histórias das mulheres. Quando era criança, fui com a minha mãe a marchas pró-escolha em Washington D.C. Essa experiência marcou-me muito, pois mostrou-me desde cedo como é importante defender os direitos das mulheres. Lembro-me de sentir uma grande perda quando as marchas pararam, como se pudéssemos assumir que os nossos direitos estavam garantidos. E, claro, desde então, vimos que não é assim.

O que me apercebi ao longo dos anos é que uma das formas mais poderosas de apoiar as mulheres é garantir que as suas histórias sejam contadas. Estudei História e sempre acreditei que conhecer quem veio antes de nós nos dá coragem. Muitas vezes, como mulheres, sentimos que somos as primeiras a fazer algo, mas, na maioria das vezes, alguém já passou por isso antes de nós. Quando não conhecemos as suas histórias, o caminho pode parecer solitário. Mas quando as conhecemos, correr riscos torna-se menos solitário.

 

Contou em tempos que, de alguma forma, o desemprego do seu pai lhe trouxe alguns desafios financeiros, durante a adolescência e juventude. Trabalhou por isso em diversas empresas durante os estudos. De que forma isto contribuiu para o seu crescimento pessoal e profissional? De que a forma a ajudou a gerir orçamentos apertados nas suas produções?

Tal como acontece hoje em muitos sectores, aquele em que o meu pai construiu a sua carreira desapareceu quase da noite para o dia devido à mudança da produção nacional para a produção no estrangeiro. Acabou por voltar a estudar e reconverter-se numa nova profissão, mas durante esse período de transição, assumi vários trabalhos a tempo parcial para ajudar a cobrir as despesas — combustível, refeições fora de casa e algum dinheiro para a universidade. Olhando para trás, foi das melhores coisas que me podiam ter acontecido. Aprendi a procurar trabalho, a ser engenhosa e a gerir tanto o meu tempo como o meu dinheiro. Essas lições ficaram comigo.

Uma das formas mais poderosas de apoiar as mulheres é garantir que as suas histórias sejam contadas”, afirma Jenna Segal. 

Quando comecei a trabalhar na MTV, os orçamentos eram extremamente limitados. Mas eu já sabia como esticar cada dólar. Tratava cada orçamento como se fosse a minha própria carteira — e sempre que encontrava uma forma de poupar sem comprometer a segurança, e me tornei realmente boa em negociar trocas, sentia um verdadeiro orgulho nisso. Esse instinto tem-me servido bem em todas as produções em que trabalhei desde então.

 

Como se deu o seu percurso até chegar à fundação, em 2008, da anterior Segal NYC, agora Gatherer Entreprises, e como percebeu que estava no momento certo para a sua fundação? O que a levou a criar o seu próprio projeto e qual a sua principal missão e objetivos?

Sinceramente, nunca tive a intenção de criar uma empresa quando fundei a Segal NYC. Era apenas uma LLC (“Limited Liability Company”, ou “Sociedade de Responsabilidade Limitada”) que criei para produzir um espetáculo na Broadway, e continuei a usá-la porque já estava estabelecida. Mas à medida que o meu trabalho foi crescendo e evoluindo, percebi que o nome já não refletia o negócio que estava a construir.

Há alguns anos, reformulei a marca da empresa para Gatherer Enterprises, de forma a refletir melhor a sua visão e estratégia. A Gatherer é uma empresa com fins lucrativos de investimento e produção, que desenvolve e apoia projetos comerciais direcionados ao público feminino. O nosso portefólio abrange teatro, cinema, televisão, desporto e produtos de consumo — especialmente bebidas — e focamo-nos em iniciativas em que pelo menos uma mulher esteja numa posição fundadora ou de liderança.

Também gerimos a The 31 Women Collection e o conjunto crescente de projetos complementares associados, que estão alinhados com a nossa missão mais ampla: criar valor de mercado ao promover as vozes e perspetivas das mulheres. Na Gatherer, acreditamos que há que há um forte argumento comercial para investir em conteúdos e produtos que reflitam os interesses e as experiências das mulheres — e estamos a construir uma empresa com base nessa convicção.

 

Como define o seu estilo de liderança e de estar no mundo empresarial? Acredita num estilo feminino de liderança, ou isso não existe?

Não acredito propriamente num único estilo de liderança “feminino” — todas as mulheres que conheço lideram de forma diferente. Dito isto, acho que as mulheres enfrentam um conjunto distinto de desafios. Estamos constantemente a gerir expectativas: ser feminina, mas não demasiado; ser firme, mas não “autoritária”. E todas estamos a aprender a não pedir desculpa simplesmente por termos uma voz na sala.

 “Sei quem sou, e aprendi que isso pode intimidar algumas pessoas”, afirma Jenna Segal. 

Se tivesse de definir o meu estilo de liderança, diria que é “ser confiante”. Sei quem sou, e aprendi que isso pode intimidar algumas pessoas. Mas, com o tempo, também percebi que as pessoas que prosperam a trabalhar comigo são igualmente confiantes. Dou muito valor à colaboração — sou alguém que procura ativamente outras perspetivas. Aliás, muitas vezes tomo decisões recorrendo à opinião de várias pessoas. Por isso, embora lidere com clareza, também lidero com abertura. Esse equilíbrio tem-me servido bem.

 

Qual o impacto ou marca que a Gatherer Entreprises está a deixar no mundo, e sobretudo no reforço do poder feminino? De que forma contribui para quebrar barreiras?

Quebramos barreiras, uma história de cada vez, garantindo que haja mulheres em posições de liderança na narrativas — seja uma equipa feminina de futebol a contar a sua história com golos, ou uma dramaturga a contar a sua história em palco. Esse é, verdadeiramente, o cerne do trabalho da Gatherer. É mais uma mulher a conseguir financiamento para a sua ideia. Mais uma encenadora ou autora a chegar à Broadway. Mais uma artista cujo trabalho é exposto num museu. Estas não são vitórias abstratas, são mudanças reais e tangíveis em termos de visibilidade, poder e oportunidades.

 “Quando escolho não financiar um negócio, digo diretamente: a razão é a falta de mulheres na liderança”, revela Jenna Segal. 

O nosso impacto é cumulativo. Trata-se de construir um pipeline de projetos liderados por mulheres que sejam comercialmente viáveis e criativamente ousados. Ao investir capital nas ideias das mulheres e garantir que essas ideias chegam ao público, estamos a ajudar a mudar a narrativa sobre o que é liderança, sucesso e influência nesta indústria.

Ao mesmo tempo, é importante dizer que não procuramos apenas envolver mulheres. Procuramos paridade, não isolamento. O objetivo não é excluir; é equilibrar. Acreditamos que, quando as mulheres estão representadas de forma justa e equitativa em cargos de liderança e funções criativas, todos beneficiam.

 

De que forma a “31 Woman Collection” contribui para este ativismo social? Que história esta por detrás desta sua ligação à Peggy Guggenheim e de que forma quer continuar este importante legado? 

Bem, eu sou a colecionadora e conheci Peggy Guggenheim através da sua casa. Estava a fazer uma viagem de mochila às costas pela Europa, em 1996, e entrei por acaso naquilo que na altura se chamava Peggy Guggenheim Collection, em Veneza. Não era amplamente conhecida nem assinalada como é hoje, e parecia que tinha descoberto um segredo. Foi amor à primeira vista. Depois dessa visita, li a autobiografia dela e senti uma conexão estranha e imediata. Não porque tivéssemos origens semelhantes – porque não tínhamos, mas pela maneira como ela se movia pelo mundo. Ela era uma mulher que vivia a vida em voz alta, nos seus próprios termos e com muita dedicação à arte e aos artistas que defendia. Havia algo profundamente inspirador nisso.

Imagem da The 31 Women Collection. Foto/Alice Prenat for Portrait Madame studio

A The 31 Women Collection é, de certa forma, a minha resposta ao legado dela. Em 1943, Peggy organizou uma exposição chamada Exhibition by 31 Women, algo radicalmente à frente do seu tempo. Quis homenagear esse espírito ao reunir obras das mesmas 31 artistas — não as obras originais que ela expôs, mas peças das mesmas mulheres. É a minha forma de garantir que as suas histórias, o seu trabalho e o seu lugar na história não se perdem.

Continuei a expandir a coleção, tanto através de pesquisa como de aquisições. Ao longo do caminho, tornei-me um pouco viciada em arte e, em muitos aspetos, especialista no assunto. Através desta jornada, aprendi involuntariamente com os melhores. Na minha opinião, Peggy definiu o padrão de excelência no que significa apoiar artistas com paixão e convicção. Portanto, sim, esta coleção é uma forma de ativismo social, porque dar visibilidade também é ativismo. Colocar os nomes destas mulheres nas paredes dos museus e nas conversas públicas ajuda a redefinir quem recordamos, quem celebramos e quem é inscrito na história da arte.

 

Qual a principal mensagem que podemos retirar da exposição? De que forma está a reatar a mensagem original da sua fundadora, de mulheres de força, que vencem num mundo de homens?

A mensagem principal da exposição é simples, mas poderosa: as mulheres também são artistas. Pode parecer óbvio, mas historicamente não foi tratado dessa forma. O que o MAC/CCB fez de forma brilhante nesta apresentação foi integrar o trabalho destas 31 mulheres no centro da sua coleção principal. Se não estivermos com atenção, podemos nem perceber que entrámos numa sala composta inteiramente por obras de mulheres — e é exatamente esse o objetivo.

“A minha maior ambição é construir uma empresa que exista para além de mim. Quero que a Gatherer tenha poder de permanência, que cresça para se tornar algo que não dependa do meu nome ou da minha presença para prosperar”, diz Segal. 

Elas deixam de ser vistas como “mulheres artistas” e passam a ser reconhecidas pelo que verdadeiramente são: artistas. Ponto final. Essa decisão curatorial foi, na minha opinião, um ato de génio silencioso. Honra o espírito original da exposição de 1943 de Peggy Guggenheim, ao reconhecer mulheres ousadas e visionárias que triunfaram num mundo dominado por homens, mas fá-lo de uma forma incrivelmente voltada para o futuro. Não segrega o seu trabalho. Elevam-no. É esse o legado que procuramos reavivar: não apenas afirmar que estas mulheres merecem um lugar no cânone, mas mostrar, sem margem para dúvidas, que já o conquistaram.

 

Esta mensagem tem ainda hoje uma forte razão de ser? Aliás, considera que o empoderamento feminino está cada vez mais em risco nas sociedades ocidentais? Sente um retrocesso atualmente, sobretudo no contexto norte americano e europeu? 

Não há dúvida de que, nos Estados Unidos, estamos a viver um momento complicado. Nunca tivemos uma mulher presidente. Gostava de acreditar que isso acontecerá ainda durante a minha vida. O México acabou de eleger uma mulher para o cargo mais alto do país, e o Canadá já teve uma primeira-ministra, por isso, desta vez, não coloco o meu país no mesmo saco que o resto da América do Norte.

O progresso aqui muitas vezes parece um passo em frente e outro atrás. Mas acredito que houve, de certa forma, “presidentes femininas” nas esposas de muitos presidentes anteriores, mulheres cujas histórias eram sussurradas, mas nunca contadas. E isso volta a ligar-se ao meu desejo de contar histórias históricas honestas sobre mulheres.

Em países como Inglaterra e França, figuras históricas femininas são frequentemente retratadas em livros e filmes. Mas nos EUA, a indústria cinematográfica encara essas histórias como um risco comercial, apesar do enorme sucesso de Barbie, que, em muitos aspetos, é um relato histórico de uma mulher, mesmo que ela seja de plástico! Momentos culturais como esse provam que há um verdadeiro apetite por histórias sobre mulheres,  reais ou imaginárias, que moldaram o mundo. Sou otimista.

 

Qual o pior conselho que as mulheres recebem ainda hoje em dia? Aquele conselho que tentamos combater há décadas?

Acho que o pior conselho que as mulheres ainda recebem hoje é: faz o que amas. Parece encorajador, mas, na prática, pode ser incrivelmente limitador. Muitas vezes, isso afasta as mulheres de áreas bem remuneradas, como finanças ou tecnologia, como se esses caminhos não pudessem ser gratificantes, ou como se amar o seu trabalho e ganhar bem fossem mutuamente exclusivos.

A verdade é que podemos acabar por adorar algo que nunca imaginámos. O meu primeiro trabalho a tempo inteiro foi na CNBC. Pensava que queria ser produtora criativa, mas parte do meu trabalho envolvia tratar das contas e entender o orçamento. E acabou por ser algo que adorei. Adorei o desafio de fazer tudo encaixar, a estrutura, a estratégia. Essa habilidade tornou-se algo que levei comigo para todos os empregos seguintes.

No fundo, o que mais nos limita é não termos um lugar à mesa. E estar à mesa exige recursos. Por isso, em vez de dizer às mulheres para fazerem apenas o que amam, deveríamos incentivá-las a explorar o poder, o valor e as possibilidades, mesmo em lugares onde inicialmente não tinham pensado.

 

Como vê a igualdade de género, igualdade de oportunidades, nas indústrias onde está envolvida?

Vejo a igualdade de género e a igualdade de oportunidades como uma responsabilidade pessoal e uma oportunidade de investimento. Tenho a capacidade de ajudar a mudar a dinâmica, por isso faço-o. Não invisto em oportunidades onde não há mulheres na mesa de decisão. Compro ou invisto em arte criada por mulheres — ou em obras que se relacionam de alguma forma significativa com a história de uma artista feminina que coleciono. E uma das coisas mais importantes que faço é dizê-lo em voz alta. Quando escolho não financiar um negócio, digo diretamente: a razão é a falta de mulheres na liderança.

Há uma enorme transferência de riqueza em curso. Até 2030, espera-se que as mulheres controlem 34 mil milhões de dólares apenas nos EUA — cerca de 38% dos ativos investíeis. A nível global, estima-se que, nos próximos cinco anos, as mulheres passem a controlar mais de 50% da riqueza mundial. Isso não é uma causa, é uma oportunidade — uma oportunidade enorme. O mercado está a mudar e eu quero fazer parte da construção da próxima geração de criatividade que reconhece o valor das mulheres não apenas como consumidoras, mas como líderes, criadoras e decisoras.

 

Ganhar um Tony Award e outros prémios e reconhecimentos, acabam por ajudar e fortalecer a sua mensagem?

Ganhar um Tony ou receber outros prémios ajuda definitivamente em termos de reconhecimento da imprensa, pois abre portas e faz com que as pessoas prestem atenção. Mas, para mim, o que realmente fortalece a minha mensagem é quando um projeto se torna financeiramente bem-sucedido. É aí que ele sai do domínio de um projeto de paixão ou de uma iniciativa sem fins lucrativos e prova que se pode sustentar no mercado. Essa é a verdadeira validação, não apenas que o trabalho é significativo, mas que é viável. Mostra que investir em histórias feitas por e para mulheres não é apenas importante, é um negócio inteligente.

O projeto mais impactante em que estive envolvida nesse sentido foi o Angel City FC. É um exemplo claro do que pode acontecer quando as mulheres lideram, investem e desempenham funções, não apenas em campo, mas em todo o modelo de negócio. É uma prova de conceito para tudo em que acredito.

 

Qual a sua maior ambição para a empresa que fundou? O que pretende ainda alcançar?

A minha maior ambição é construir uma empresa que exista para além de mim. Quero que a Gatherer tenha poder de permanência, que cresça para se tornar algo que não dependa do meu nome ou da minha presença para prosperar. Para isso, para ser sincera, vou precisar de coragem para levantar capital e expandir a empresa. Esse é o próximo desafio. Depois, é uma questão de encontrar as pessoas certas – mulheres e homens – que acreditam na premissa e estão prontas para pegar no que eu comecei e construir algo ainda maior. Algo duradouro.

(Entrevista originalmente publicada na edição da Forbes Portugal de junho/julho de 2025)

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