Aos 73 anos de idade, o empresário Jaime Freitas, angolano, descendente de portugueses, tem ainda projetos por concretizar. Admite que é um sonhador e que está sempre à procura de novos desafios, ainda que, neste momento, os concentre mais no coração do que na razão. “Sempre apostei muito em Angola e concentrei os meus investimentos no país, assumindo o risco daí resultante. Mesmo agora, com a idade que já tenho, continuo a fazer muitos investimentos, mas com outra perspetiva da inicial, em que olhava mais para a viabilidade económica. Agora olho para os investimentos como uma forma de contribuir para o progresso e desenvolvimento do país e, de uma maneira mais sonhadora, como criar emprego, e poder deixar alguma coisa para os meus filhos”, refere. Talvez o faça por inspiração de um livro português, em que aprendeu, recorda, que “a gente ama mais os países quanto mais frágeis são”.
O empresário, que foi a figura homenageada no evento Doing Business Angola, promovido pelo grupo Media Nove, organizado pelos títulos Forbes África Lusófona e Jornal Económico, disse à Forbes África Lusófona, em entrevista exclusiva, que a aposta principal dos seus negócios, agora que está afastado da liderança do grupo Cosal, e tem mais tempo disponível, centra-se no setor hoteleiro e turístico – e também no agropecuário -, com diversos projetos em desenvolvimento. “Neste momento, para a hotelaria, tenho um investimento previsto a três anos – de 2023 a 2025 -, de cerca de 25 milhões de dólares (cerca de 23,8 milhões de euros). É o investimento pesado, especialmente para quem está sujeito à depreciação da moeda”, refere.
“Sempre apostei muito em Angola e concentrei os meus investimentos no país, assumindo o risco daí resultante”, refere Jaime Freitas.
Sem entrar em pormenores, o empreendedor avança que estes projetos incluem, além da recuperação de dois hotéis, a parceria que estabeleceu com a Teixeira Duarte, para a recuperação do complexo do CCTA e do Hotel de Convenções de Talatona (HCTA), hotel de cinco estrelas em Luanda. Noticias divulgadas na altura referiam que o consórcio Teixeira Duarte e Feel Afrika, empresa de Jaime Freitas para os investimentos na hotelaria, iria investir 10 milhões de dólares (cerca de 9,52 milhões de euros) no complexo hoteleiro. “É um projeto enorme, em nome pessoal, e que está em andamento, e deverá estar concluído já em 2024”, refere o empresário.
A origem portuguesa e os primeiros negócios
Jaime Freitas relembra que o seu avô, de nacionalidade portuguesa, esteve em Angola durante a Primeira Guerra Mundial e que o seu pai regressou ao país nos anos 40, onde se instalou. Nascido em 1950, no Lubango, o empreendedor revela que tem apenas a nacionalidade angolana por opção. Estudou primeiro no Lubango e depois em Saurimo, tendo retornado à cidade de nascença para frequentar o Instituto Comercial. Iniciou de seguida a sua vida profissional, primeiro como professor e, depois do serviço militar, ingressou na Sacor Portuguesa, empresa de combustíveis presente em Angola. “Com a nacionalização desta empresa, passei a ser um dos primeiros quadros da Sonangol, em 1977. Fui diretor-geral-adjunto e diretor de negociações. Estive cerca de 16 anos no setor petrolífero”, recorda.
No início dos anos 90 foi trabalhar numa empresa italiana, a IT Transportes, um dos maiores operadores portuários e distribuidores alimentares na época. Ao mesmo tempo realizou o seu primeiro investimento financeiro, como acionista, tendo entrado no capital da Cosal – Comércio e Serviços de Angola, uma empresa que já existia há alguns anos e estava a ser reformulada pelos sócios Elizabeth da Graça Isidoro e o seu irmão Luís Isidoro. Jaime Freitas entra como sócio em 1992, com outros empresários, mas manteve a sua atividade na empresa italiana, como “forma de recolher capital para poder investir no negócio privado”.
A Cosal decidiu investir na aquisição de 50% da MCoutinho, rede de distribuição automóvel com 57 pontos de venda, com maior presença no norte do país. O negócio automóvel em Angola não estava a crescer e a diversificação geográfica foi uma boa solução.
A atividade da Cosal estava centrada, desde o início, no negócio automóvel, e, em 1996, Jaime Freitas entra definitivamente na gestão da empresa, tendo angariado novas marcas de comércio automóvel. A empresa é representante e distribuidora da Mercedes, da Hyundai, da Mitsubishi, da Susuki da Yamaha e da Faso, e de outras marcas. É ainda representante dos óleos Castrol. O empresário, que não revelou as receitas totais da Cosal, tem cerca de 45% do grupo nas empresas da área automóvel, e 50% na área do turismo. As restantes participações estão na mão de Elizabeth da Graça Isidoro e Luís Isidoro.
“O investimento na Cosal foi muito bem recebido. Eu e a minha sócia chegámos a ter mais de dois mil trabalhadores, mas a partir de 2015 a economia começa a entrar em recessão”, explica o empresário. Foi aqui que decidem investir em Portugal, ao adquirem 50% da MCoutinho, rede de distribuição automóvel com 57 pontos de venda, com maior presença no norte do país. O negócio automóvel em Angola não estava a crescer e a diversificação geográfica foi uma boa solução. Jaime Freitas revela que, em 2015, o grupo faturava 130 milhões de euros e atualmente está no patamar dos 500 milhões de euros.
Este investimento, explica, “foi um investimento estrangeiro em Portugal, totalmente aceite pelo governo angolano, através do Banco Central de Angola, e os lucros gerados em Portugal serão transferidos para a economia angolana”.
Diversificar por sectores de atividade foi a estratégia
Porém, a diversificação não foi só geográfica, pois com a situação em Angola não estava fácil: “Depois de 2015 o negócio de automóveis oficiais dos distribuidores em Angola, decresceu significativamente: terá passado de 45 mil viaturas para pouco mais de 10 mil”, refere. Pese embora a situação critica que se vive no país, com o mercado paralelo, as importações chinesas e a concorrência desleal, “o core business ainda continua a ser o setor automóvel”. como explica. Pelo menos por enquanto, já que o grupo está a investir significativamente no setor imobiliário, que ainda não tem um peso significativo nas receitas, “mas que se tornará a breve prazo, porque agora vamos entrar numa fase diferente de desenvolvimento do país e como tal, haverá mais procura pelo património imobiliário”, refere o empresário. Para tentar salvaguardar a desvalorização do kwanza, o Grupo Cosal foi comprando terrenos e outros tipos de propriedades que está agora a tentar desenvolver da melhor forma possível.
A partir de meados da década passada, o grupo começou a investir igualmente na hotelaria, porque tinha fundos próprios e também para precaver o risco da desvalorização do kwanza. Investiu por exemplo, através da Cosal Imobiliária, no Hotel Terminus, no Lobito, e no Hotel Velho do Caminho de Ferro, que manteve o traço colonial que tinha. O grupo é ainda detentor de hotéis como o Hotel Samba, em Luanda, o complexo turístico Pululukwa, no Lubango, e do Roça das Mangueiras, na ilha de Mussulo. Na restauração investiu em espaços como os restaurantes Embarcad’Ouro e Mulemba, em Luanda, o Mokoro, em Luanda e Mussulo, e a Dos Lagos no Lubango. No norte da Namíbia detém a propriedade de um empreendimento turístico, o Safari Resort.
Jaime Freitas diz que “os empresários portugueses estão a investir pouco em Angola, ou, aliás, estão mesmo a desinvestir de uma forma que não considero muito oportuna”.
Os restantes projetos turísticos, como se descreve em cima, são feitos a título pessoal, tendo já os seus dois filhos mais velhos – é pai de três – entrado na gestão dos negócios, pois aos poucos Jaime Freitas começa a preparar sucessão.
Defende ainda que uma das áreas de maior potencial de desenvolvimento no país é a agropecuária, por uma questão de sustentabilidade alimentar, já que o país não é autónomo. “Temos de encontrar alguns investidores internacionais que façam grande produção, e até, porque não, a exportação dos produtos agrícolas. Angola foi já o segundo ou terceiro produtor mundial no café, e um grande exportador de algodão, de sisal, de frutas, e porque não voltar a ser?”, questiona. Acredita que Angola tem de recuperar essa posição novamente e precisa que os investidores apliquem os seus fundos no país. Diz mesmo que, ao contrário do que é divulgado, Portugal não tem estratégia clara de investimento no país.
Jaime Freitas constata, com pena, que “os empresários portugueses estão a investir pouco em Angola, ou, aliás, estão mesmo a desinvestir de uma forma que não considero muito oportuna”. Explica que “com o aumento de projetos em desenvolvimento, como o Corredor do Lobito, barragens, precisamos, por exemplo, de cimento, e as cimenteiras portuguesas que existiam não estão a ser dinamizadas”. Para ele, a língua e a proximidade cultural determinam que os portugueses poderão fazer muito mais em Angola.
A título pessoal, Jaime Freitas está a investir na pecuária. “Tenho uma fazenda onde estou a produzir gado e que está agora numa fase de crescimento”, diz.
Quanto à agropecuária, refere que já está a fazer a sua parte: “Já estou a investir na pecuária. Tenho uma fazenda onde estou a produzir gado e que está agora numa fase de crescimento”, afirma. Conta que foi desafiado por alguns amigos e acabou por apostar nesta propriedade, com 15 mil hectares, situada num local muito propício à produção de gado, na zona norte do Cunene, perto da fronteira com a Namíbia. São quase mil as cabeças de gado que tem atualmente, e o empresário já se lançou na inovação, a tentar fazer inseminação artificial com a ajuda de especialistas brasileiros, a procurar uma melhor alimentação e a apurar a raça.
A aposta na área financeira
Paralelo a todo este percurso, Jaime Freitas é também um homem da banca. Recorda como entrou no capital do Banco Totta, que passou depois a Santander, e é atualmente o Banco Caixa Geral Angola., onde detém uma participação directa de 19,5%, sendo, a par com o empresário António Mosquito, com a mesma percentagem, o maior accionista individual. De forma indirecta, através das empresas do grupo Cosal, o empresário detém mais algumas ações. A portuguesa Caixa Geral Depósitos controla a instituição financeira com 51% do capital. Em setembro de 2022, este banco tornou-se o primeiro banco de capital maioritariamente estrangeiro e a segunda empresa angolana a ter ações admitidas à negociação na bolsa de dívida e de valores de Angola, a BODIVA.
“Vejo os europeus a dizer que vão investir em África, mas fazem menos do que dizem. O que tenho assistido, no caso concreto dos espanhóis, é que têm vendido os interesses que tinham no setor bancário”, diz o empresário, referindo-se à saída do Santander. Recorda que entrou no capital do ainda Totta Santander a convite do gestor António Horta Osório, convite dirigido também a António Mosquito, fundador do Grupo António Mosquito, constituído por duas dezenas de empresas nas áreas do setor automóvel, na construção, no petróleo e nos diamantes. Jaime Freitas tem ainda uma pequena participação num banco mais pequeno, o BCA.
“Acredito que deve haver operadores internacionais de alto nível, porque eles trazem um aporte à economia nacional muito diferente de ter muitas marcas pequenas.”, refere o empresário em relação à banca em Angola.
Questionado sobre os desafios atuais da banca em Angola, Jaime Freitas refere que principal desafio é o do branqueamento de capitais, ou seja, a complience. “A complience tem dois problemas para o banco: a execução e o seu enorme custo. E haverá bancos que não conseguirão ter uma complience à altura das exigências e, portanto, terão de pensar em ser vendidos, por forma a que o número de bancos no país decresça”, refere. Ou seja, o empresário entende que a deverá haver consolidação, num mercado onde existem muitos bancos pequenos – serão ao todo 24 entidades financeiras a operar. “Acredito que deve haver operadores internacionais de alto nível, porque eles trazem um aporte à economia nacional muito diferente de ter muitas marcas pequenas. Ficamos reduzidos à Caixa Geral de Depósitos, de Portugal, e ao Standard Bank Angola, banco forte da África do Sul. Mas precisamos ter um banco grande, sólido, um banco norte-americano, por exemplo que pudesse ajudar a fazer um trampolim e a trazer o dólar para o país.”, explica o empresário.
Para as futuras gerações, Jaime Freitas quer deixar a sua marca no turismo sustentável de natureza. “Tentarei fazer uma reforma mais ligada à natureza, investindo naquilo que for surgindo”, diz.
A sua ambição como empresário é continuar a investir na área do turismo, promovendo a beleza natural do país que ama. Refere que acredita que o turismo se vai desenvolver a partir do sul e não do norte, e que o Cuando Lubango, província no sudeste, uma zona virgem que vai começar a ser mais explorada, pois esta é uma zona “é uma pérola ou uma pedra preciosa”. Mas terá de ser um turismo de nicho, de respeito pela natureza, pelos rios. “Acredito que investidores com origem na África do Sul e na Namíbia estarão interessados em fazer alguns investimentos na zona e isso é bom. Também acho que os angolanos deverão participar nesses mesmo investimentos e eu ficarei atento às possibilidades que surgirem”, refere.
Para as futuras gerações, Jaime Freitas quer deixar a sua marca no turismo sustentável de natureza. “Tentarei fazer uma reforma mais ligada à natureza, investindo naquilo que for surgindo. Há situações maravilhosa de beleza natural em Angola e que às vezes não resisto a pensar em novos projetos, para essas zonas. Mas espero que isso não suceda porque tenho ainda uma bebé para acabar de criar”, graceja, referindo-se à filha caçula de apenas três anos.
(Texto publicado na edição de Julho/Agosto da Forbes África Lusófona)