Iúri Leitão foi um dos quatro portugueses medalhados em Paris, ao vencer uma medalha de prata e uma de ouro no ciclismo de pista. A primeira individualmente, no omnium, uma competição composta por quatro provas: scratch, corrida de ritmo, eliminação e corrida por pontos; A segunda foi ao lado de Rui Oliveira, no madison, quando a dupla compete numa corrida de estafeta com sprints intermédios a cada 10 voltas.
De volta a Portugal, numa curta passagem antes de voltar a competir na Alemanha, o campeão olímpico falou com a Forbes sobre a experiência em Paris, o momento atual da modalidade em Portugal, a necessidade de mais apoio e os objetivos para o futuro.
Passaram alguns dias desde o fim dos Jogos, já consegues descrever o que é ser campeão olímpico?
Tem sido um processo de habituação. É uma realidade nova, não estava preparado para isto antes de ir para os Jogos Olímpicos. Ainda não tive grande tempo para celebrar, mas pouco a pouco vou-me apercebendo do que aconteceu, e também com a ajuda da reação das pessoas, dá para entender a importância daquilo que nós fizemos em Paris.
Dizes que não estavas preparado para isto, não pensavas que pudesse acontecer?
Eu trabalhei para estar o melhor possível nos Jogos Olímpicos, é a prova mais importante que há e nós trabalhamos de forma muito séria para estarmos no nosso melhor. Fui para lá no melhor momento de forma da minha vida. Isso não significa que seja suficiente, podemos lá chegar e haver 10 ciclistas que estão melhor do que nós, porque o nosso melhor pode não ser o suficiente numa corrida como os Jogos Olímpicos. Então eu nunca pensei, porque não queria estar a criar expetativas numa coisa que eu não sabia como ia acontecer. Uma coisa é o Campeonato do Mundo, da Europa, que eu já estou habituado e já sei como costumam ser as provas, agora nos Olímpicos não tinha a mínima ideia. Mantivemos os pés assentes no chão, fomos para tentar fazer um lugar nos oito primeiros, e tentar trazer um diploma olímpico para Portugal. Consoante a prova de omnium se foi desenvolvendo, eu fui percebendo que o meu momento de forma era superior e estava na disputa do ouro com o ciclista francês. Já no caso do madison foi diferente, porque eu já tinha essa perceção, já tinha sentido um pouco o pulso aos adversários e pude passar essa sensação ao Rui, de tranquilidade, a querer dizer-lhe que estávamos capazes, eu sabia que ele também estava muito bem, e que podíamos trazer uma medalha. Mas antes de ir para lá, não.
A pressão é maior nos Jogos do que em qualquer outra prova?
A pressão é aquela que nós deixarmos chegar a nós. Não vou dizer que é uma prova completamente tranquila, até porque há uma frase que o nosso treinador costuma dizer muitas vezes: Se não existir o mínimo de pressão, significa que nós não estamos a levar isto a sério o suficiente. Nós temos ali uma responsabilidade associado àquilo que estamos a fazer, tanto eu como os meus colegas, como o staff e o treinador, somos os responsáveis por levar o nome de Portugal na nossa disciplina aos Jogos Olímpicos e temos de dar o nosso melhor, fazer o melhor trabalho que possamos para deixar o mais alto possível o nosso nome. Claro que isto tem uma ligeira pressão associada, mas podemos usar isso para o bem ou para o mal. Muitas pessoas acabam por criar demasiada ansiedade e ficar com demasiado nervosismo associado a isso, nós usámos um pouco como motivação. Se eu estou nos Jogos Olímpicos é porque mereci, porque trabalhei para lá estar. Eu tentei desfrutar ao máximo e usar essa responsabilidade como uma motivação e uma alavanca para ter um bom resultado.
Qual é a prova mais importante, o madison ou o omnium?
São provas muito diferentes. O madison é uma prova de dois ciclistas, é uma prova que nós temos uma cumplicidade enorme com o nosso colega, é uma prova de um companheirismo, uma camaradagem, um altruísmo, enquanto que o omnium é individual, são quatro corridas, é uma prova muito exigente em termos físicos e psicológicos. São diferentes, depende de como olharmos para as provas e também depende da personalidade de cada pessoa. Há pessoas que são mais individualistas, outras que são mais de grupo. Para mim é sempre especial o omnium porque foi onde fui campeão do mundo, no entanto partilhar esta experiência olímpica com um amigo meu, um amigo da minha vida pessoal, e conseguir o resultado que conseguimos juntos, para mim é muito especial. Então não consigo decidir qual delas é que prefiro.
Para alguns portugueses essas duas palavras, entre outras, surgiram pela primeira vez com a vossa participação nos Jogos. O que é importante sabermos sobre estas provas?
Não vou dizer que são provas fáceis de explicar, é preciso uma pequena introdução para que as pessoas tenham a noção daquilo que se está a passar. Claro, para quem está familiarizado é muito mais fácil, mas é um desporto que tem uns termos estranhos. O omnium, que vem do grego, e o madison que vem do Madison Square Garden. São provas com características diferentes, umas são com conquista de pontos, outras é tentar ser os últimos a ser eliminados, depois há algumas que são mais simples e é só cruzar a linha primeiro. É preciso um pequeno curso, antes de saber as provas.
Terminam os Jogos, o Rui vai logo para a Dinamarca e tu regressas à competição muito em breve, na Alemanha, o quão duro é este ritmo para um atleta?
Nós treinamos para estarmos habituados a este ritmo, nós competimos muito durante o ano, quase todos os anos mais de 60 dias, entretanto eu já levo quase 50 e o Rui outros tantos, e é um ritmo frenético. Acho que neste caso aquilo que mais custa é a parte psicológica. Fomos campeões olímpicos e não termos tempo de saborear este momento tão especial da nossa vida, em especial o Rui, que não teve tempo nenhum. Ele só veio a casa para dormir, para ter aquela receção no aeroporto e foi-se logo embora de madrugada, acho que foi muito duro. Esta semana tenho aproveitado para dar algumas entrevistas, para tentar passar o nosso testemunho, e não posso ter a companhia do Rui. E metade deste ouro é dele. Não pode ter o devido reconhecimento, não pode dar o seu ponto de vista, porque o ritmo não para, a carruagem não espera por nós e temos de continuar.
Devia haver um cuidado maior com os calendários em ano de Jogos Olímpicos?
Isso é uma questão um pouco individual, depende da situação de cada ciclista na sua equipa. Eu no ano passado estava em final de contrato com a minha equipa, e quando acertámos as condições para a renovação ou não, eu ainda estava a decidir, uma das coisas que eu frisei foi: Não esquecer que para o ano é ano olímpico e todas as provas de pista que eu tiver de fazer eu exijo prioridade, portanto se eu tiver que faltar a provas de estrada para ter que fazer corridas de pista ou até mesmo não competir para poder preparar os Jogos Olímpicos de forma adequada, eu preciso disso. Demorou algum tempo e chegámos a um acordo. Quem esteve um pouco mais atento reparou que durante o mês de junho e julho eu não competi nada, enquanto que o Rui teve de competir. O que não é mau de todo, mas tem também alguns riscos associados. A própria competição também lhe dá ritmo, dá uma preparação extra para os Jogos Olímpicos, e no final vimos que foi suficiente. Eu não quis fazer assim, no final a minha equipa foi compreensiva, eu cedi numa parte, eles cederam noutra e conseguimos chegar a um acordo. Depende muito da equipa onde estamos, quem nós somos, como conseguimos negociar, nem sempre é muito fácil, mas eu como tinha este objetivo muito bem delineado na minha vida e na minha carreira, e sei que pode acontecer de eu não voltar aos Jogos Olímpicos, que é assim mesmo, fazia questão de fazer a qualificação olímpica e chegar a estes Jogos na forma máxima que eu pudesse.
Ficar apenas na pista não é uma hipótese?
Não é uma hipótese por várias razões. Primeiro porque eu não me vejo sem fazer ciclismo de estrada, e depois, mais importante talvez do que isso, em Portugal não reunimos condições suficientes em termos monetários para podermos dedicar-nos só à pista. A estrada é onde vem a maior parte do dinheiro, o meu vencimento quase todo vem da estrada, e isso, quer queiramos quer não, é o importante. Não nos alimentamos de sonhos nem pagamos as nossas despesas com sonhos. Depois também tenho uma terceira questão, que é o ritmo competitivo que a estrada nos dá e o calendário mais alargado que o da pista. Na estrada temos de janeiro a outubro competições consecutivas e podemos escolher um calendário.
Em relação aos apoios, o que é mais urgente para os atletas neste momento?
Nós à parte do dinheiro, temos muita coisa. O mais importante são as pessoas que trabalham connosco, tanto os atletas como o staff, mecânicos, massagistas, selecionador, são pessoas muito dedicadas que têm feito omeletes sem ovos. Acho que se tivéssemos esse boost de investimento no nosso trabalho, podíamos crescer muito. E acho francamente impossível nós nos mantermos durante muito tempo nesta condição e neste nível se não houver um acréscimo de investimento. Se olharmos bem para a nossa situação, dentro de cinco, seis anos vamos perder as nossas estrelas e não temos jovens a serem ensinados, a terem a oportunidade de aprender, a terem a experiência de competição internacional, não temos condições de fazer muitos estágios com eles. E já nem digo em contacto com os elites, com os séniores, mas mesmo trabalho com a seleção, ter esse contacto.
A parte da formação.
Essa parte está completamente abandonada, porque não temos como. E depois na nossa parte falta-nos muita coisa. Temos competido nas provas mais exigentes do mundo basicamente em condições mínimas. Andamos mesmo, vou usar uma expressão do norte, andamos a travar no ferro. Eu acho que para o nível em que nós estamos é fundamental que exista esse acréscimo de investimento.
Os resultados nos Jogos deixam-te positivo em relação a esse aumento no investimento?
Desde que eu entrei para a seleção, há cinco anos, e tendo em conta os resultados que temos vindo a ter, as condições foram melhorando pouco a pouco. Não muito, ou seja passámos do insuficiente para o mínimo. Mas se com o que já fizemos até agora houve esse acréscimo, eu espero que neste momento em que chegámos ao ponto mais alto do desporto, seja desta vez que tenhamos esta mudança e que isto melhore de vez.
Já pensas no próximo ciclo olímpico ou ainda é muito cedo para isso?
Neste momento estou a tentar desfrutar um pouco daquilo que acabou de acontecer, foi uma caminhada tão longa desde que nós não conseguimos a qualificação para Tóquio até ao dia de hoje, que eu acho que seria um pouco injusto para mim mesmo não desfrutar deste momento. Agora, é claro que eu penso já nos Jogos. Os próximos Jogos não são o próximo grande objetivo, porque entretanto temos outras provas, mas é o próximo ponto alto. Eu não sei se vou estar presente, não sei se vou continuar a um nível competitivo suficiente ao fim de quatro anos para estar presente, não sei sequer se vou ter algum jovem que me supere, e que consiga este lugar por mérito. Mas aquilo que eu posso garantir é que vou fazer de tudo para estar o melhor possível em 2028 para merecer essa convocatória, para conseguirmos essa qualificação e voltarmos a estar lá tão bem ou melhor do que estivemos agora em Paris.
E quais são os objetivos para o resto do ano?
Agora vou ter mais duas ou três competições com a minha equipa na estrada, e vamos acabar o ano com o Campeonato do Mundo de pista na Dinamarca. Vai ser na segunda quinzena de outubro, temos um título mundial para defender e temos resultados do ano passado que queremos melhorar, nomeadamente o madison, que ficámos em 10.º lugar, nem todos os dias são bons e nesse dia não nos correu bem.