Isabela Valadeiro não consegue identificar o momento em que se tornou óbvio que queria ser atriz, uma vez que a área sempre esteve presente na sua vida. Desde os espetáculos na escola, as peças de teatro, a especialização na escola de atores ou a estreia em televisão. “Sempre fui muito virada para as artes”, diz a atriz à Forbes.
Conheça o percurso da atriz que sonha com o cinema e alerta para a necessidade de a cultura chegar a todos, nomeadamente ao Alentejo, de onde é natural.
A moda foi a porta que encontraste para chegar à representação ou também era um objetivo?
Foi a porta, sem dúvida, e foi uma porta estratégica. Por acaso no início se se falou muito sobre mim enquanto modelo, porque efetivamente foi um período muito curto. Foi um período transitório, estava na escola de atores, fui incentivada e achei que fazia sentido fazer parte de agências de moda para potenciar esse eventual talento ou não. Mas obviamente que a minha questão sempre foi aproveitar o meio para chegar a um fim e ainda bem que assim foi, foi um meio muito feliz e estou contente porque realmente foi a porta que me abriu o grande portão para a representação.
E como foi fazer essa transição do mundo da moda para a representação?
Sinceramente, estava a estudar na escola de atores, portanto foi sempre uma complementariedade da moda. Eu nunca me dediquei a 300% à moda, nunca foi um foco, acabou por acontecer e ainda bem que aconteceu, mas não houve para mim um período transitório. Houve um início, que foi sair da escola de atores e estar a fazer novela e teatro. A transição da moda para a representação não senti propriamente porque já estava em complementariedade a estudar na escola de atores. Mas a moda deu-me backgrounds muito interessantes que me auxiliam muito nos dias de hoje, que é também a rejeição. A moda e a representação, e acho que qualquer meio artístico, viverá um bocado disto, da aceitação, rejeição, dos não, dos sim. Então foi ali uma rampa muito interessante de preparação.
Porque é que é uma vantagem para um ator passar pelos diversos palcos – teatro, televisão, cinema?
Passar por todos os palcos é o meu sonho, o meu objetivo. Acho que é assim uma felicidade abismal. Embora seja a mesma coisa, nada tem a ver a televisão com o cinema, com o teatro. O teatro acontece ali, é um momento que nós partilhamos com o público, que preparamos meses e meses a fio, temos tempo para dramaturgicamente percebermos quem poderá ser a nossa personagem, ou não, às vezes descobrimo-la já em palco, já a estrear, ou depois da estreia. A televisão é um processo mais imediato, mais acelerado, que é extremamente desafiante, no sentido em que gravamos muitas cenas por dia e na maioria não seguimos uma sequência cronológica, isso torna tudo muito mais desafiante, a memorização dos textos tem que ser feita de um dia para o outro. Acho que a televisão dá uma grande estaleca aos atores e é realmente um meio fenomenal para se começar. O cinema, eu sou uma cinéfila, adoro cinema. Já fiz várias séries num registro mais cinematográfico, vamos dizer assim. Um filme ainda não fiz, mas é mesmo uma questão de tempo. Há uma certa poesia no cinema, eu acho, acho que existe realmente ali uma fusão de artistas a trabalhar para o mesmo e isso é muito belo.
Que projetos destacas ao longo da tua carreira?
Todos. Os bons, os maus, os que me correram bem, os que me correram menos bem, todos eles foram fundamentais para a minha evolução. Os que me correram menos bem porque me deram a certeza de que tinha que trabalhar para chegar onde quero e queria chegar, e os que correram muito bem porque me deram confiança para continuar e para fazer sempre o meu melhor. Mas sempre com a certeza de que nada é um nada adquirido.
Tu costumas falar sobre a vontade de trabalhar lá fora. Em que fase do processo estás em relação a isso?
Acho que nunca estive tão perto no sentido de preparação, de entrega, no sentido de tudo. Nem emocionalmente nunca estive tão perto ou preparada, sempre tive um bocado de medo. Agora acho que não, estou nesse caminho e fico muito expectante para ver as cenas dos próximos capítulos. Estou a preparar-me todos os dias para que isso aconteça. No entanto, há também uma grande vontade de fazer mais e melhores produtos nacionais, e estamos cheios deles. Peças de teatro fantásticas, com atores maravilhosos, histórias espetaculares, tenho tido a oportunidade de ver algumas e tenho-me sentido muito feliz por estar no lugar do espetador, porque me divirto mesmo, aprendo sempre mais alguma coisa. A carreira internacional interessa-me, mas interessa-me também, em complementariedade, atingir aqui vários meios. O teatro e o cinema são, sem dúvida, dois desses objetivos.
E como é que funciona esse processo, se é que existe algum processo? É uma questão de preparação, encontrar uma agência lá fora?
Eu creio que sim, existe essa necessidade, ou pelo menos encontrar-se uma agência em Portugal capaz de te exportar, acho que isso também é muito importante. Esta minha geração tem prós e contras, como todas, mas acho que as grandes vantagens da minha geração é que está tudo muito mais globalizado, o acesso a castings está mais globalizado, acho que os produtores, realizadores, companhias, procuram cada vez mais diversidade, quer em Hollywood, quer na Europa, quer nos festivais de cinema. Aquilo que tenho a meu favor é a diversidade que as pessoas procuram neste momento, tenho tido cada vez mais oportunidades de casting internacional, o que é bestial.
Como é que se lida com o aumento da concorrência, uma vez que se começa a competir com atores de todo o mundo?
Com tranquilidade, eu acho. Para já nós não vemos quem é que está a fazer casting, não temos mesmo noção de quem são os nossos eventuais concorrentes, e digo concorrentes entre aspas porque eu acho que não há concorrência, embora seja um meio competitivo. Acho que cada um tem o seu fator único, somos todos diferentes. O que existe é a procura de uma pessoa para um papel, que tem um perfil e, portanto, tem que se encaixar nesse perfil. Mas eu lido com muita tranquilidade e tento entregar sempre o meu melhor, como é óbvio, e procuro sempre fazer estes castings com colegas atores ou realizadores que tenham mais insights para me dar, porque tudo isso conta.
Tu és natural do Alentejo, é mais difícil chegar a este mundo artístico quando não se vive em Lisboa?
Absolutamente. Aliás, essa tem sido uma das minhas bandeiras e espero realmente um dia fazer uma diferença maior, ou pelo menos fazer uma diferença significativa no que toca ao acesso à cultura. No Alentejo é muito difícil, não há cinemas como existem em Lisboa, não há teatros nem exibição de espetáculos como aqui, portanto esse acesso é muito mais limitado. Agora com as plataformas de streaming temos aqui uma forma de homogeneizar um bocadinho as coisas, mas ainda há um largo percurso a percorrer. Acho que é um caminho que se tem vindo a fazer, mas ainda assim há muito que se poderá fazer ainda, nomeadamente promover encontros cinematográficos ou festivais de cinema naquelas zonas, acho muito importante. Há teatros lindíssimos no Alentejo, mais peças por lá também poderá ser interessante. Eu acho que é por aí e dar também a possibilidade de aceder a filmes clássicos, nunca antes transmitidos em canais abertos, era importante também haver essa divulgação, essa promoção e esse acesso.
Achas que se trata apenas de o Alentejo de não terem acesso à cultura, ou também o facto de não prestarem tanta atenção àquilo que possa ser feito lá?
Eu acho que é uma questão cultural, ponto. Acho que no Alentejo esse nunca foi um princípio, essa nunca foi uma base. Se formos ver a história, sabemos que o Alentejo é sobretudo um meio mais rural, o investimento da parte das entidades governamentais sempre foi muito mais para a agricultura, para possíveis empresas da agropecuária, de cultivo de determinado ingrediente. A cultura no sentido lato, mais acesso ao cinema, mais acesso a espetáculos, isso não tanto. Acho que foi uma questão de base que não foi vista desse prisma, não foi um princípio na altura. Mas acho que agora as coisas tendem a mudar um bocadinho e acho que faz sentido que mudem.
Tu disseste que essa é uma das tuas bandeiras. Porque é que é importante para ti ser uma voz de alerta para essa questão?
Sobretudo porque ressoa em mim. Eu fui ao cinema pela primeira vez, e sou nascida em 1996, com 13 anos. O que é diferente, a minha geração já ia ao cinema há muitos anos. E, portanto, acho que faz sentido, porque o cinema e as artes dão-nos mundo, dão-nos a certeza de que não estamos sozinhos. É por isso que as pessoas procuram ver filmes, o cinema tem esse condão fascinante, e o teatro, e todas as artes, acho que nos dão quase um sentimento de pertença, dão-nos perspetiva, possibilidade de viajar sem sair de casa, possibilidade de conhecer a profundidade do pensamento de alguém que nós não tínhamos antes, dão-nos a ideia de que poderão haver vários pensamentos sobre uma coisa. E eu acho que isso é fundamental para toda e qualquer pessoa, o acesso à cultura. Já passámos por uma fase em que tivemos mesmo que lutar por um orçamento para a cultura maior do que aquela quantidade, nem sei como lhe chamar: insignificante. E, portanto, faz todo o sentido que continuemos a lutar por essa causa, pelo acesso à cultura, pelo acesso a filmes, a novos filmes, a filmes clássicos, a novas perspetivas, a novos diretores, é fundamental. As plataformas de streaming ajudaram, mas ainda assim acho que há muita coisa a fazer e, por isso, digo que é esta a minha bandeira e espero um dia conseguir reunir todas as condições para fazer algo realmente diferenciado.
Em que fase é que estamos a nível de cultura? Que momento é este?
Estamos numa fase de transição rápida, de muita exigência da parte do espetador e, ainda bem, porque há muita comparação, muita oferta e, portanto, exige-se sempre o melhor. Estamos numa fase em que as novas gerações não dedicam muito tempo a coisas com mais de 15 segundos, numa fase de grande adaptação, de grande transição, de grande mudança. Acho que haverá sempre público para produtos de qualidade, sejam eles séries, filmes, novelas, teatro. Acho que haverá sempre público para tais projetos. Agora, realmente é preciso adaptarmo-nos.
As novelas são um produto que tem uma finalidade: entretenimento. Há muitos espetadores de novelas e eu venho de um meio onde se assistem muitas novelas. É preciso também respeitar e não criar ou alimentar um preconceito que possa eventualmente existir. Eu tenho o maior dos respeitos, não só porque é um projeto que faço rotineiramente, mas também porque acho que é um projeto digno. Há que valorizar também o produto que é a novela e todos os que possam eventualmente chegar para fazer companhia às pessoas. E a novela portuguesa é portuguesa, ponto. Ou seja, não se pretende que seja outra coisa. É novela, é portuguesa e quer realmente criar aqui uma ligação com o público português.
E em que fase está a tua carreira? Que objetivos tens?
Cinema, sem dúvida, teatro. Cinema porque sou, como te digo, uma cinéfila, amo filmes. Enquanto a novela é algo mais disperso, em aberto, às vezes não conseguimos aprofundar muito determinada personagem, é volátil. O cinema é algo fechado, é aquilo. Já criámos um background para a história que vamos contar, já temos uma ideia daquilo que vai ser, já o preparámos, já vamos oferecer algo concreto às pessoas, formado por nós, sem distração. É um produto fechado, é um produto que nos permite trabalhar nele antecipadamente, é um produto que nos possibilita a profundidade de pensamento, de ações e de sentimentos. Daí o facto de eu querer tanto fazer filmes, e nós temos realizadores fantásticos em Portugal. E há realizadores incríveis com quem eu gostaria de trabalhar, não muito longe daqui, nomeadamente da nossa vizinha a Espanha, Pedro Almodóvar, por exemplo.